Comentando três poemas meus.
Tenho semanalmente escrito nesta coluna “crônicas da Cidade” coisa que bastante me orgulha e me enche de responsabilidade. Trilhando este caminhar nesta missão de importância imensurável. Talvez seja um canal de diálogo com os leitores de Camaragibe, ou por ser online, do mundo todo. Sim, gosto de crônicas, contos, estórias sem fim. Mas, também escrevo poemas. E desde muito jovem utilizo eles para falar com o mundo, para tentar desvendar este mistério do existir, para fugir de algumas tristezas momentâneas e registrar alegrias e paixões também fugazes ou duradouras. Ainda sim o que também é inerente ao meu fazer poético, é a poesia de protesto. A poesia questionadora. Onde expresso meu desejo de mudar as coisas, minha indignação com as injustiças sociais a favor dos povos oprimidos. Separei apenas três, por ser didático e gostar deste numeral que é símbolo de criatividade e construção. São tais:
Réquiem para uma cidade entre o caos e o desejo
Sou um palhaço sem futuro
Tropeçando pelos becos
Dos prostíbulos encharcados
Se descascando sob a chuva
De facas, fel e foices
No submundo dos excluídos
Em meio ao bombardeio da ganância
Contra mim latem os cachorros
Com quem disputo o meu almoço.
Entre mendigos, cheira-colas,
Prostitutas e bandidos,
Eu degusto o que nos sobra dos banquetes dos poderosos.
De onde vem o meu sorriso?
Da mais profunda ironia no enxergar dos absurdos.
Ai meu Recife, quantos medos e desejos de ti eu construí.
Entre a surpresa da altura imponente dos arranha-céus e
O sofrimento absurdo
Dos manguezais soterrados.
Meu sorriso vem da força pura da marginália em movimento.
Entre o desejo lancinante da utopia e a fria realidade.
Do meu sarcasmo de saber que as vitrines
São limites entre dois mundos.
O dos que querem
E o dos que podem.
Ai, ai Recife, picadeiro em chamas,
Ensaio um novo sorriso entre os escombros.
Com este poema ganhei o segundo lugar do Concurso de Poesias da Biblioteca de Afogados. Foi feito em Recife mesmo, perto de se expirar o prazo, quando era estagiário da Prefeitura da Cidade do Recife. Fui receber o prêmio com meu amigo Marcondes Pacheco que é Sociólogo e ativista da saúde. Recitei para os presentes e de premiação recebi duzentos Reais, um certificado e a recepção maravilhosa de todos no local. Talvez por tê-lo recitado de coração e com as técnicas adquiridas no fazer teatral. Sobre o poema, ele fala por si só, é uma crítica e questionamento sobre o capitalismo. Sobre a beleza indescritível de nossa Capital ao contraponto que a ganância dos homens sempre desrespeitou e destruiu a mãe natureza em busca de dinheiro e poder. Tentativa de compreender o que nos deixa maravilhado no contraste estético entre a notória singularidade dos prédios centenários com a infinita miséria e a degradação humana ali observadas.
Eu
“Ao poeta augusto dos Anjos”
Eu, Eu, Eu
Transcendente e abjeto
Polífono, acústico e sintético
Eu perifrástico e ignoto
Roto, escroto
Eu transistor e mentecapto
Absinto, abstrato
Eu simplesmente eu
“Yo non tengo la plata”
Eu circunspecto, incircunciso
Real, aéreo, indeciso
Eu cerne do universo
Tutano do mundo
Tristereza, marimbundo
Agora e depois
I am ...
Mictorium
Latrinário
Vislumbrorium
Divisado
Eu ...
Transnordestino
Metropolitano
Brejeiro
Tranquilo, paciente e arengueiro
Eu simplesmente
Nexo, entre o côncavo e o convexo
Entre o que calo
A porrada e o estalo
Sinto-me apenas sendo
Eu...
Passando ...
Escrevivendo ...
Neste poema busco homenagear o poeta paraibano de Sapé-PB, Augusto dos Anjos, o poeta do Eu. Ao mesmo tempo em que é uma das buscas pessoais e idiossincráticas de quem sou no mundo. De ao mesmo tempo ser transcendente em várias coisas e ter atos memoráveis em muitos momentos e por outro lado ser capaz de errar muitas vezes e errar feio outras tantas. Ser abjeto, no sentido mais vil da vileza. Sórdido, indigno. Mas sempre me perdoando e dando a mão solidária à outra criatura que em mim ressurge da lama, das cinzas e do lodo, para levantar voos cada vez mais altos e mais duradouros. Transistor é uma peça eletrônica que revolucionou os tempos e que neste poema falo pelos seres humanos na sua dualidade de serem detentores de tanta tecnologia e ser ignorante pra tantas e tantas coisas. Utilizo de neologismos, ou seja, uma palavra inventada, como tristereza. Uso outros idiomas, o inglês, uma tentativa de latim. Em uma frase utilizo o espanhol, por também ser um rapaz latino americano. Muitas e muitas vezes sem dinheiro no bolso, mas sou eu o centro de meu universo, o tutano do mundo. Regionalizo em transnordestino, brejeiro, bucólico... E ao mesmo tempo metropolitano e urbanoide. E quando calo, estou ali ruminando, na sábia filosófica da vaca e do novilho, para depois reagir violentamente a tudo que nos oprime e diminui. Porrada e estalo, vômito e fezes. Vou passando, nesta vida, nesta senda maravilhosa que é o viver e ser caminhante, inferência do taoísmo? Pode ser, o importante é se mostrar e não fingir que existimos apenas. Existir de fato, de direito e ser além de tudo isto.
Em casa com a mundiça
Como é bom comer roendo o osso
Lá em casa com toda a mundiça
Minha língua chega se encaliça
Da galinha seguro o pescoço
Fico todo ancho e mais moço
No final de semana eu me acabo
É macaxeira, cuscuz com quiabo
Caranguejo, buchada e pirão
E um pouco de cachaça no rabo
Que me acabo de satisfação.
Neste curto poema, onde utilizo a forte linguagem da poesia popular nordestina, dos mestres cordelistas, dos cantadores, mostro uma de minhas facetas. Pois não gosto de rótulos, não estou à venda. Falo nele da alegria de estar em família, com todos os meus, sem falsos pudores e exacerbados cuidados com a etiqueta. É lá onde pego o pescoço da galinha com as mãos e me acabo. Onde tomo cachaça e me lambuzo de pirão.
Interessados em ler outros poemas de minha lavra vai aqui um dos sites seguros onde semeio alguns textos. O interessante deste site, o recanto das letras, é a quantidade de também escritores, que lá escrevem e leem teus textos e muitas vezes comentam, fazendo ecoar nossas palavras.
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