PAULO LEMINSKI, O PAULO COELHO DA POESIA. (Luis Dolhnikoff)

Chamar Paulo Leminski de "o Paulo Coelho da poesia" há de parecer um completo despropósito. Mesmo que se refira ao fato de ele ter-se tornado, há pouco tempo e em pouco tempo, um verdadeiro best-seller com sua coletânea póstuma Toda Poesia. Pois nem de longe isso o aproximaria do segundo, campeão de vendas mundial. Na verdade, a comparação se baseia em algo mais profundo e que, de fato, aproxima os dois Paulos.

Há anos venho afirmando e reafirmando que o problema fundamental da poesia brasileira atual é sua incapacidade de dar conta poeticamente do mundo contemporâneo, o que explicaria tanto a falta de leitores quanto sua pouca relevância ou presença cultural. Eis que, de repente, o revival Paulo Leminski parece negar todas as minhas considerações. O livro mais vendido no país, por semanas a fio, é um livro de poesia. E de poesia contemporânea.

Infelizmente, não é o que parece, ou o que se quer crer. Pois não se trata de o país ter descoberto, ainda que tardiamente (Leminski morreu em 1989), o grande poeta de seu tempo. Na verdade, trata-se do contrário.

A obra poética de Leminski, por decisão de suas herdeiras (a poeta Alice Ruiz e as filhas Áurea e Estrela) ficou fora de catálogo desde os anos 1990. Durante essas mais de duas décadas, porém, em vez de uma queda no esquecimento, o que se viu foi a lenta mas segura difusão de seu nome, impulsionada por algumas biografias, muitas referências críticas, certa mitologia e, principalmente, uma grande popularização de sua obra através da internet, na forma de citações extraídas de seus versos. Por seu grande poder de difusão, esta deve ter sido a principal circunstância propiciatória da imprevisível e aparentemente irresistível explosão de vendas da recém-lançada antologia.

Mas se a difusão no "face a face" da rede é uma condição aqui aparentemente necessária, não é suficiente. Algo na própria obra há de ter alimentado essa ciberpopularização. E não é difícil identificá-lo.

Mas, talvez, não seja tão fácil compreendê-lo. Pois, num aparente paradoxo, não se trata de um fenômeno poético, em seu sentido estrito, mas de um fenômeno pop ― no pior sentido da expressão. A rede não é um lugar de garantia de inteligência, mas de redundância, de adesão fácil, de modismo e de "democratismo", em suma, o império da ausência de critérios.

A mesma falta de critérios rigorosos, ou de critérios de rigor, marca profundamente a obra de Leminski. Surpreendentemente, portanto, essa obra, toda ela realizada antes do aparecimento da internet (1991), revela-se, afinal, premonitória. Oswald de Andrade, numa declaração famosa, afirmara: "A massa ainda comerá do biscoito fino que fabrico". Pois isto enfim se tornou realidade com Paulo Leminski: com o detalhe fundamental de que não se trata de um biscoito feito da desafiante fineza oswaldiana, mas de uma decepcionante finura insossa.

Basta, como exemplo, o verso escolhido em recente matéria de jornal para demonstrar de que tipo de poesia se alimenta a "febre Facebook" das citações de Leminski: "Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além". Esse otimismo "por decreto", que tem como alvo, ao mesmo tempo, todo mundo e ninguém em particular, é a própria essência ou síntese da "literatura" de autoajuda ― que Paulo Coelho levou para uma ficção rala e Paulo Leminski, para uma poesia igualmente rala.

Há uma diferença, contudo: tudo em Paulo Coelho é sempre igualmente ralo, além de semiletrado, enquanto Paulo Leminski era bastante letrado e nem sempre é simplesmente ralo. Mas o fato incontornável é que Leminski hesitou a vida e a obra inteiras entre o "capricho" e o "relaxo", a densidade e o raso, a verdadeira inteligência e suas exigências e a pseudoesperteza pop e sedutora. O preço pago foi alto.

Sua obra é, afinal, dominada pela segunda vertente, o que, por sua vez, explica e apoia sua recente popularidade, tanto via internet quanto via antologia.

Tudo somado, a recente onda de popularização (em mais de um sentido) de Paulo Leminski não representa, infelizmente, como querem os apressados e os apresados pelos critérios mercadológico-midiáticos, o aguardado e desejado retorno de uma poesia brasileira que dê conta poeticamente das complexidades e contradições do mundo contemporâneo, mas, ao contrário, sua derradeira diluição para consumo rápido: poesia fast-food para mentes slow-thinking.

pelos caminhos que ando

um dia vai ser

só não sei quando

Paulo Coelho assinaria tranquilamente embaixo. Apenas explicitaria, prosaicamente, que se trata dos caminhos de Compostela, Cuzco etc.

a palmeira estremece

palmas pra ela

que ela merece

Talvez mereça. O mesmo não pode ser dito de uma poesia cuja "esperteza" lírico-pop acaba por resultar sem fibra, alcance ou profundidade para dar conta da grande confusão contemporânea, ou da "sociedade líquida" referida por Zygmunt Bauman. Pois se a sociedade é líquida e se a cultura virou espuma, sua arte deve, ao contrário, em vez de ter a leveza dissipante da névoa, contrapor-lhe a dureza da pedra, ainda que com a transparência do cristal. Qualquer coisa, menos a inconsequente ligeireza "líquida" e "espumosa" de uma poesia-autoastral ou autoajuda.

essa ideia ninguém me tira:

matéria é mentira.

Logo, a verdade está no "espírito". Alguém aqui falou em Paulo Coelho? Notar, ainda, a forma dogmática do segundo verso ("matéria é mentira"), que, não por acaso, é uma vulgarização de certos preceitos do budismo. Não por acaso, porque religião e dogmatismo sempre andaram juntos, mesmo no Oriente, apesar de toda a mitologia contracultural. O que tudo isso tem a ver com a dureza-apesar-de-liquefeita do mundo contemporâneo?

se

nem

for

terra

se

trans

for

mar

Outro famoso poema internético de Leminski, que, bem lido, não diz rigorosamente nada, mas em compensação oferece um claro exemplo de outra marca de sua linguagem, a tentativa pseudoesperta de criar jogos de palavras que, muito mais comumente do que deveriam, escorregam no mero trocadilho. "Se trans for mar"?! Sem desculpa pela aspereza da afirmação, há coisas mais espertas em portas de banheiro de bar.

amar é um elo

entre o azul

e o amarelo

Paulo Leminski não tem o humor cortante e penetrante de Oswald de Andrade, a ironia superfina, mas contundente, de Drummond, o rigor diamantino de Cabral, ou mesmo o charme carioca-cosmopolita de Vinicius de Moraes. Seu nome se alimenta, de um lado, de toda uma mitologia de Rimbaud de província, sintetizada no título de uma de suas biografias, "o bandido que sabia latim", e, de outro, do rebaixamento geral e irrestrito do gosto do públi co, que afinal consegue se contentar com seus biscoitos de vento.

Tarde de vento.

Até as árvores

querem vir pra dentro.

Não por acaso, parte importante de sua poesia adota a forma haicai. Menos do que uma forma poética de regras definidas, ou de uma forma definida por suas regras, como vulgarmente se acredita, o haicai, longe de ser um micro-soneto oriental é, na verdade (ou seja, em sua origem nipônica), um dos inúmeros instrumentos da prática religiosa do budismo. Não cabe aqui discutir este fato em profundidade, nem referir que o próprio Bashô, seu maior mestre, fala em "banalidade" como sua maior qualidade, no contexto da busca da desegotização budista, que vai na direção oposta do virtuosismo artístico ocidental.

Mas se fosse para resumir, trata-se de buscar o registro mais neutro do evento mais banal. O que afinal explica sua predileção por Leminski, assim como a predileção por Leminski do público atual. Pois estes são tempos de banalidade militante, se se pode dizer assim.

Chego, então, a uma conclusão paradoxal. Paulo Leminski é, ao fim e ao cabo, o poeta do mundo contemporâneo. Não pela via difícil de pô-lo a nu ou lhe meter o dedo na cara, mas por ecoar o que mais o caracteriza.

O mesmo caso dos produtos da cultura de massa, ou da indústria cultural, que, das novelas de TV ao pagode, passando por todo o espectro pop, justificam sua mediocridade geral e sua redundância temático-formal pelo argumento democratista ou populista (além de lucrativo) de dar ao público o que ele quer.

Paulo Leminski é, enfim, um poeta de massa. Exatamente como Paulo Coelho é um prosador de massa. Mas essa massa não tem absolutamente nada daquele famoso biscoito de Oswald de Andrade.