Nelson Rodrigues e o "Sobrenatural de Almeida"
NELSON RODRIGUES E O “SOBRENATURAL DE ALMEIDA”
Miguel Carqueija
Nelson Rodrigues, de quem se comemora o centenário em 2012, não foi apenas um dramaturgo e contista, mas também produziu crônica esportiva. Por muito tempo manteve uma coluna no jornal carioca “O Globo” — e naquele tempo este diário, hoje decadente, possuia bons colunistas — que mudava de nome, mas o seu titulo principal era “À sombra das chuteiras imortais” (outros títulos usados foram “A batalha” e “Os bandeirinhas também são anjos”).
Nelson tinha um estilo sui-generis e, a rigor, reconhecível facilmente, mesmo se ele não assinasse. Fluminense doente, era descaradamente parcial nas suas crônicas. E eu, que torcia pelo Fluminense, as lia comprazer.
Detalhe interessante é que Nelson, na maior cara-de-pau, gostava de “profetizar” a vitória do Flu no então campeonato carioca. O futebol, naquele tempo, era muito regional. E, claro, a profecia dava certo quando o clube ganhava o campeonato.
Certo ano, durante o que parecia ser uma maré de azar, Nelson escreveu que o sobrenatural estava perseguindo o Fluminense. Dias depois o cronista publicou uma “carta” que teria recebido, e que diria mais ou menos assim: “No dia tal o senhor disse que o sobrenatural está perseguindo o Fluminense. Ora, o Sobrenatural sou eu, e garanto que isso não é verdade etc.” O “personagem” encerrava a missiva garantindo que no próximo jogo o tricolor ganharia, e assinava: “Sobrenatural de Almeida”.
Veio o domingo e o Fluminense perdeu. Revoltado, Nelson acusou o Sobrenatural de Almeida de haver mentido descaradamente. Aí começava a guerra da torcida do Fluminense, chefiada por Nelson Rodrigues, contra o sinistro Sobrenatural de Almeida.
Pode parecer estranho hoje em dia, para quem não conheceu o carisma do cronista e dramaturgo falecido em 1980, mas o caso é que o Sobrenatural de Almeida foi, durante algum tempo, verdadeira coqueluche na cidade. Os repórteres esportivos falavam nele. Certo jogo foi acompanhado de forte ventania, que chegou a desviar a bola que ia para o gol. “É o Sobrenatural de Almeida!”, gritou o locutor da rádio.
Veio um novo jogo e o Fluminense venceu. Nelson comemorou a vitória contra o inimigo, que teria se retirado melancolicamente do Maracanã. Depois, porém, por motivos que hoje me escapam, o campeonato foi suspenso por algum tempo. Nelson Rodrigues então “recebeu” um telefonema do Sobrenatural de Almeida, assumindo ser o responsável pela interrupção do campeonato.
Com o tempo o colunista foi dando maiores informações sobre a misteriosa figura, que nas caricaturas aparecia com uma roupa preta, tão “assustador” como o Zé do Caixão. Segundo Nelson, o Sobrenatural tivera os seus tempos de glória mas agora, coitado, morava em Irajá e viajava nos trens da Central. Por isso até chegava atrasado ao Maracanã, e só então começava a interferir.
Essa febre do Sobrenatural de Almeida durou semanas, meses, mas acabou saturando e o Nelson terminou parando de falar nele. Mas, de certa forma, foi uma contribuição do jornalista para a nossa literatura fantástica.
(Rio de Janeiro, 21 de maio a 30 de junho de 2012)
NELSON RODRIGUES E O “SOBRENATURAL DE ALMEIDA”
Miguel Carqueija
Nelson Rodrigues, de quem se comemora o centenário em 2012, não foi apenas um dramaturgo e contista, mas também produziu crônica esportiva. Por muito tempo manteve uma coluna no jornal carioca “O Globo” — e naquele tempo este diário, hoje decadente, possuia bons colunistas — que mudava de nome, mas o seu titulo principal era “À sombra das chuteiras imortais” (outros títulos usados foram “A batalha” e “Os bandeirinhas também são anjos”).
Nelson tinha um estilo sui-generis e, a rigor, reconhecível facilmente, mesmo se ele não assinasse. Fluminense doente, era descaradamente parcial nas suas crônicas. E eu, que torcia pelo Fluminense, as lia comprazer.
Detalhe interessante é que Nelson, na maior cara-de-pau, gostava de “profetizar” a vitória do Flu no então campeonato carioca. O futebol, naquele tempo, era muito regional. E, claro, a profecia dava certo quando o clube ganhava o campeonato.
Certo ano, durante o que parecia ser uma maré de azar, Nelson escreveu que o sobrenatural estava perseguindo o Fluminense. Dias depois o cronista publicou uma “carta” que teria recebido, e que diria mais ou menos assim: “No dia tal o senhor disse que o sobrenatural está perseguindo o Fluminense. Ora, o Sobrenatural sou eu, e garanto que isso não é verdade etc.” O “personagem” encerrava a missiva garantindo que no próximo jogo o tricolor ganharia, e assinava: “Sobrenatural de Almeida”.
Veio o domingo e o Fluminense perdeu. Revoltado, Nelson acusou o Sobrenatural de Almeida de haver mentido descaradamente. Aí começava a guerra da torcida do Fluminense, chefiada por Nelson Rodrigues, contra o sinistro Sobrenatural de Almeida.
Pode parecer estranho hoje em dia, para quem não conheceu o carisma do cronista e dramaturgo falecido em 1980, mas o caso é que o Sobrenatural de Almeida foi, durante algum tempo, verdadeira coqueluche na cidade. Os repórteres esportivos falavam nele. Certo jogo foi acompanhado de forte ventania, que chegou a desviar a bola que ia para o gol. “É o Sobrenatural de Almeida!”, gritou o locutor da rádio.
Veio um novo jogo e o Fluminense venceu. Nelson comemorou a vitória contra o inimigo, que teria se retirado melancolicamente do Maracanã. Depois, porém, por motivos que hoje me escapam, o campeonato foi suspenso por algum tempo. Nelson Rodrigues então “recebeu” um telefonema do Sobrenatural de Almeida, assumindo ser o responsável pela interrupção do campeonato.
Com o tempo o colunista foi dando maiores informações sobre a misteriosa figura, que nas caricaturas aparecia com uma roupa preta, tão “assustador” como o Zé do Caixão. Segundo Nelson, o Sobrenatural tivera os seus tempos de glória mas agora, coitado, morava em Irajá e viajava nos trens da Central. Por isso até chegava atrasado ao Maracanã, e só então começava a interferir.
Essa febre do Sobrenatural de Almeida durou semanas, meses, mas acabou saturando e o Nelson terminou parando de falar nele. Mas, de certa forma, foi uma contribuição do jornalista para a nossa literatura fantástica.
(Rio de Janeiro, 21 de maio a 30 de junho de 2012)