O SUJEITO E A VADIA

Maria Dolores Lareira dos Santos, mais conhecida como dona Dorinha, era uma senhora elegante, que falava o português bem pronunciado, com perfeição. Católica fervorosa, colaborava nas quermesses e feiras da Igreja,  participava dos grupos de orações, do ritual da missa e, juntamente com o marido, José Espírito dos Santos, era palestrante e conselheira nos cursos para casais desajustados.
Além disso, fazia salgadinhos para uma seleta clientela oriunda da Prefeitura, onde seu esposo exerceu o cargo de Coordenador Geral por mais de vinte anos. Há doze anos ele aposentou-se, mas manteve bom relacionamento com os colegas, que continuavam encomendando as delícias de Dorinha para festas e outros eventos familiares.
Dorinha cuidava da casa, do jardim e do cachorrinho que ganhara da filha mais velha, com esmero. Esta, já casada, mudara-se para outro bairro. Com o casal vivia a filha mais nova, que era “alternativa”. Participava de grupos de ciclistas, alpinistas, adeptos da alimentação natural, estando quase sempre ausente de casa. O marido de Dorinha, mais conhecido por “seu” Santo, a acompanhava ao médico, ao supermercado, ao cabeleireiro, dirigindo seu automóvel amarelo ouro bem equipado e sempre muito limpo.  Ela não sabia dirigir e embora tenha se formado como professora abandonou a profissão ao se casar, porque o  então noivo lhe pediu que se dedicasse a casa e aos filhos.
 “O sustento e o conforto são de minha responsabilidade. Nada lhe faltará” - prometeu no início do casamento e, de fato, vinha cumprindo à risca.
Alguns vizinhos a viam como uma pessoa arrogante, com ar de superioridade. Outros diziam que era apenas reservada e muito bem educada. Baixinha e gordinha, ostentava roupas de grifes famosas, joias e perfumes caros. Viajava para a Europa todos os anos, incentivada pelo esposo que, no entanto, nunca a acompanhava. Como as viagens eram sempre organizadas pela Igreja, dizia-lhe:
 “Vá com suas amigas. Não se preocupe comigo. Aproveito para almoçar cada dia em um restaurante diferente. Além disso, você sabe que não podemos descuidar da casa”.
Nessas ocasiões, Santo era visto regando as plantas de Dorinha e passeando com o cãozinho. Quando ela chegava de viagem, ele a recebia com uma linda orquídea. Sempre a presenteava com orquídeas. Foram tantas que Dorinha possuía o orquidário maior e mais belo da redondeza.
Estando em casa, era dela a preferência para sair com o cãozinho pela manhã e à tarde.
Dona Inês, que há muitos anos gostava de apreciar o movimento da rua, a partir do seu alpendre, percebeu uma mudança em Dorinha durante os passeios com o cão. É que ela, que não costumava parar durante o trajeto, passou a interromper a caminhada para conversar longamente com vizinhos e transeuntes. Vinha sendo vista a conversar até mesmo com quem parecia não ter afinidades.
“Que bom! Depois de trinta anos morando na mesma casa, ela tornou-se mais sociável” – comentou dona Inês com os filhos durante o almoço.
Certo dia chegou a sua vez. Dorinha aproximou-se do alpendre e, depois dos cumprimentos habituais, perguntou se ela dispunha de algum tempo para conversarem.
“Claro de sim” – respondeu Inês, convidando-a para entrar e sentar-se.
Foi direto ao assunto. Contou que estava se separando do marido, porque descobrira que ele mantinha uma amante há mais de doze anos. Explicou que desde essa época sua relação íntima com ele era quase inexistente. Estava chocada porque o “Sujeito” havia dito que não romperia o relacionamento extraconjugal. E mais:
“Ele se mudou para um flat e quer se divorciar. Pretende se casar com a “Vadia”, mas isto não acontecerá. Eu não lhe darei divórcio algum. Já consultei um advogado e estou contando para todo mundo quem é o sujeito com quem me casei. Contei à família, ao padre, às minhas companheiras de viagem, a todo o pessoal que frequenta a igreja, à vizinhança. E vou continuar contando a quem me der ouvidos".
Por uma hora e meia fez relatos surpreendentes sobre a sua intimidade com o “Sujeito” desde que se casaram.
“Tudo era normal no começo. Agora, depois de velho, ele queria que eu fizesse coisas que eu não aceito, como usar a boca e os dedos para satisfazer seus instintos. Tenho nojo. Certamente que a “Vadia” faz tudo isso e até mais...”
Depois se despediu, desculpando-se pelo desabafo, e continuou o passeio com seu cãozinho.
Dois meses depois, Dorinha voltou a visitar Dona Inês para contar-lhe: “ O meu marido está voltando para casa”.
Sandra Fayad Bsb
Enviado por Sandra Fayad Bsb em 24/05/2013
Reeditado em 14/04/2022
Código do texto: T4306964
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