Corrigindo o professor
Lamento que o velho professor Pasquale Cipro Neto mais se valha de sua larga experiência para viver a criticar declarações de outrem, quando poderia guardá-la para as salas de aula de cursinho, espaço adequado para quem se limita a navegar entre certo e errado. Ali é onde se ensina o preto no branco, onde o maniqueísmo da norma culta padrão condena ou absolve. É onde se perpetua a famigerada decoreba, muito aceitável e até recomendada aos vestibulandos, e só.
É pela ação de pessoas como ele, e de outros gramáticos midiáticos (eco intencional), que muitas pessoas, infelizmente, cada vez mais, afirmam que não gostam de escrever, que têm medo de falar em público, que odeiam Português enfim.
O pior é ter de engolir uma crítica como essa, eivada de preconceitos e limitada na reflexão. A limitação, aliás, é peculiar a esse tipo de especialista da Língua Portuguesa.
Quanto à expressão condenada “Não somos cão raivoso”, vejamos...
É lógico, professor, que o comandante se referiu à instituição (singular) e usou “nós” porque ela é feita de todos os policiais militares. Cão raivoso, eminente mestre, é imagético denotativo que se mistura com metáfora pela questão da violência tácita na comparação. Tem muito mais expressividade do que “cães raivosos”, predicativo que explicitaria sentido restrito de mamíferos carniceiros canídeos. É uma questão de estilística, ramo da matéria destinado a estudar as nuanças que exploram outros sentidos para a linguagem, algo mais do que chancelar certo ou errado, se é que me entende.
Não sei se o comandante pensou nesses aspectos, mas ele acertou, sim. Ele foi além de convenções burocráticas e enfadonhas, foi eficiente em termos comunicativos.
Ainda bem que os nossos verdadeiros mestres, aqueles que se servem da língua para produzir versos, enredos, dramaticidade, leveza, rusticidade, pungência não se incomodam com a existência de gramáticos fundamentalistas. Imagine o que seria de nossa riquíssima literatura se os senhores tivessem realmente o poder que pensam ter. Seria um lacrimoso adeus aos lunáticos modernistas de 1922, seria maior açoite do que já foi ao muito injustiçado Lima Barreto; talvez a crucificação de Drummonds, Gracilianos, Scliars, Ruffatos, Tezzas, Gonzagões, Gonzaguinhas, Adonirans e tantos outros a vilipendiar suas sagradas escrituras normativas.
A língua não é sua propriedade, nobres gramáticos, é patrimônio da nação, de seus falantes, sem os quais não teria qualquer sentido. Ela é meio, não é fim. Professor, não precisamos dessa sua “nossa língua portuguesa”, ela é senão um desserviço, pois só faz repreender, não ensina, não estimula, ela assusta, ela afasta.
Link do texto do professor:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/pasquale/1212655-nao-somos-cao-raivoso.shtml