BRASILEIRAS NO SÉCULO XIX: UMA DIFÍCIL CAMINHADA SOBRE AS LETRAS

Tânia Maria da Conceição Meneses Silva

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo elaborar um estudo teórico sobre a manifestação intelectual feminina no Brasil do século XIX. A fundamentação investiga a participação da mulher dos oitocentos na publicação de jornais, revistas e livros e, ainda, na produção poética. Em seguida foi escolhida uma poeta cujas atividades intelectuais contribuíram para elevar a voz feminina no cenário do século XIX no qual predominava a voz masculina. A mulher homenageada neste estudo, além de outras que foram citadas, é a paulistana Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein, autora das obras poéticas Sândalo, 1941; Distância, 1947; Versos em lá menor, 1949; Lampião de gás, 1950; Gratidão, 1954; Manto de Arlequim, 1956; Inverno em flor, 1959. Quando do seu jubileu de poesia, o Clube dos Artistas e Amigos a homenageou em uma festa ocorrida no dia 25 de junho de 1955, data em que Yde recebeu uma menção da Assembleia Legislativa de São Paulo, tendo sido mais tarde homenageada com o nome de uma rua – Rua Poética Colombina, no bairro Butantã.

Palavras-chave: literatura, arte poética, língua portuguesa, língua inglesa.

ABSTRACT

This study aims to develop a theoretical study of the manifestation intellectual women in nineteenth-century Brazil. This is a theoretical investigation of women's participation in the publication of eight hundred newspapers, magazines and books, and also in poetic production. Then make the choice of a woman poet and intellectual whose activities contributed to raise the voice of women in nineteenth-century setting in which the predominant male voice. The woman honored in this study, and others that have been mentioned, is the paulistana Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein, author of the poetic works Sandalwood, 1941; Distance, 1947; Verses in A minor, 1949; Lampião de gas, 1950; Gratitude 1954, Mantle Harlequin, 1956; Flower in winter, 1959. When for her jubilee of poetry, the Artists Club and the Friends honored her at a party held on June 25, 1955, when Yde received a mention of the Legislative Assembly of São Paulo and was later honored with the name of a street - Poetics Columbine Street, in the neighborhood Butantã.

Keywords: literature, art, poetry, Portuguese, English.

I INTRODUÇÃO

O século XIX é um momento histórico de singular importância sob os vários aspectos de uma transformação social, pedra fundamental do processo de modernização em terras brasileiras. Nesse mesmo século começam a ser ouvidas, ainda que roucas, as vozes femininas que, “viviam enclausuradas em antigos preconceitos e imersas numa rígida indigência cultural. Urgia levantar a primeira bandeira, que não podia ser outra senão o direito básico de aprender a ler e a escrever (então reservado ao sexo masculino)” DUARTE, 2003.

A figura masculina era o sol em torno do qual gravitava a sociedade organizada em todos os setores. Historicamente a família vinha se encarregando de passar adiante, de geração a geração, a crença de ser o homem uma criatura perfeita e aquele predestinado que tanto salvava quanto condenava. A mulher, por sua vez, “tirada da costela do homem”, vivia subalterna a ele e sem direito à expressão. Esse mando valia por toda parte, tanto dentro de casa quanto fora, em instituições diversas. Nas artes também o homem pairava airoso, inteligente e estrela de uma constelação eminentemente masculina. Assim o foi também nas manifestações no campo das ciências em geral e, especificamente, na literatura. O homem era autor, escritor, poeta e a mulher, especialmente as muitas da classe pobre, sequer eram leitoras, pois a educação lhes era negada.

"Foi com muita dificuldade que os cercos dessa cultura preconceituosa se romperam e as mulheres começaram a publicar seus livros, já em meados do século XVIII. Porém, só mais ao final do século XX foi possível o contato com obras que revelam a intensa participação feminina nas letras nacionais. O trabalho algo arqueológico das pesquisas acadêmicas e de alguns institutos culturais foi determinante, e ainda tem sido, para trazer à luz a valiosa contribuição de escritoras do passado, seja na prosa, na crônica ou na poesia (...)" CASTANHEIRA, s/d, p.2.

Durante o decorrer das décadas da primeira metade do século XIX, somente as moças de famílias de alto poder aquisitivo conseguiam estudar e a profissão destinada a elas era o magistério. Não por lhes impingirem tal destino, fossem ricas ou pobres, brancas ou pretas, as mulheres o aceitaram de forma irrestrita. Aqui e acolá algo ia acontecendo, algumas mais destemidas espalhavam suas palavras de luta, mas,

"Apenas em meados do século XIX começam a surgir os primeiros jornais dirigidos por mulheres. Os críticos chegam junto, considerando-a desde sempre uma imprensa secundária, inconsistente e supérflua, pois destinava-se ao segundo sexo... Mas, ainda assim, veremos o quanto aquelas páginas artesanais lograram avançar em direção à construção da identidade feminina. Em 1852, o público leitor do Rio de Janeiro deve ter se surpreendido com o lançamento do Jornal das senhoras, de Joana Paula Manso de Noronha, uma argentina radicada no Rio de Janeiro" DUARTE, 2003.

Quanto à mulher negra no contexto da intelectualidade do século XIX, se deve considerar esse cenário exclusivo para as brancas e então discutir as condições como essa mulher excluída emerge pelos seus méritos e enfrentando as relações de gênero, classe e raça tão firmados na sociedade patriarcalista dividida entre o sistema escravagista e os anúncios de modernização. Um nome de realce é o de Maria Firmino dos Reis, professora de militância ideológica e que encontrou “(...) principalmente, a poesia como uma forma de expressão estética e relacionada à fusão do eu e do outro, da arte, da ideologia e da vida, respectivamente” (BORA, s/d, p. 9).

Os estudos de Andrade (2006) atribuem à disseminação da escrita o principal vetor de divulgação da causa feminista no século em destaque. Os fundamentos da afirmação da estudiosa encontram eco na análise que fez de escritos de autoria feminina durante o século XIX, tomando por fontes dois periódicos feministas O Sexo Feminino (1873 – 1889) e O Quinze de Novembro do Sexo Feminino (1889 – 1890), de uma revista intitulada Primavera (1880) e do romance A Judia Rachel (1886). Segundo a estudiosa, esses escritos foram produzidos e publicados por Francisca Senhorinha da Motta Diniz, escritora, editora, proprietária de jornal, professora e líder de movimentos em defesa dos direitos das mulheres do século XIX.

"Utilizando-se de seus escritos, Francisca Diniz direcionou seu discurso a um público feminino, defendendo a valorização da mulher brasileira em sua condição de esposa e mãe e, principalmente, defendendo o seu direito ao acesso à educação. Francisca Diniz defendia, inclusive, a participação da mulher no mercado de trabalho e na política" (Andrade, 2006, p. 1).

Os jornais dessa época atestam influência europeia, tendo sido os dois principais centros da produção feminina, no Brasil, as cidades do Recife e do Rio de Janeiro. A direção das publicações estava ao encargo das mulheres e circulavam pelo Rio de Janeiro os exemplares de “O Bello Sexo, O Espelho, Jornal das Moças, Jornal das Famílias. Em Recife, outro foco deste tipo de publicação, abundam jornais com nomes de flores, tais como O Myosote, A Rosa, O Lyrio” (OLIVEIRA, 2009, p.7).

A propósito da escrita em jornais, O Jornal das Senhoras, editado inicialmente por Joana Paula Manso de Noronha, líder feminista argentina, e, depois, por Violeta Bivar, publicava sob o selo do anonimato e tratava, como a maioria deles, de temas a exemplo das belas-artes, literatura, moda. Dez anos mais tarde (1862) começou a ser publicado, na mesma cidade, Rio de Janeiro, outro periódico sob o sugestivo título de Bello Sexo, mas que pouco tempo resistiu. O que distinguia as duas publicações era o fato de que o Bello Sexo só publicava artigos assinados por suas autoras e com nomes reais (BERNARDES, 1983).

Quanto à escrita do texto poético, a situação era ainda mais complexa, mesmo em virtude das características dessa linguagem, muitas vezes hermética, sugestiva e que permite diversas interpretações/leituras. Com o poema se pode metaforizar e esconder intenções, ideias, pensamentos; criar mundos, sugerir situações e despertar desconfianças.

"Demorou muito para que a mulher, o feminino fizesse sua inscrição na historiografia poética brasileira. Se, no século XIX, a estética parnasiana nos legou o solitário nome da paulista Francisca Julia, foi no século XX que a letra de Cecília Meireles – haja espelhos, nuances e essências – marcou o discurso feminino com suas etéreas impressões musicais.

Francisca Júlia, Cecília Meireles, Henriqueta Lisboa, Hilda Hilst, Adélia Prado, Ana Cristina Cesar... Aos poucos, as mulheres foram pontuando esta história agora relida, como demonstra mais de uma centena de poetas reunidas em Tirando do baú: antologia de poetas brasileiras do século XIX. Poetas e não poetisas, como também prefere Ana Cristina Cesar que nasceu no Rio de janeiro em 1952. Quatro anos depois, ela ditava seus primeiros versos para a mãe. Em 1959, foi publicada na Tribuna da Imprensa, sob um sugestivo título: “Poetisas de vestidos curtos” (Gurgel, 2005).

Quando a mulher demonstrava talento nas artes, costumava-se dizer que ela executava a obra “como um homem”. O que se nota mais comumente nas artes dos séculos passados é a mulher como tema e não como autora. A exemplo, temos obras das artes plásticas Berthe Morisot, Figura de mulher (antes do teatro), 1875-76; Mary Cassatt, Mãe prestes a lavar seu filho sonolento, 1880; Mary Cassatt, Mulher de preto na ópera, 1879.

Costa (s/d, in Cadernos do CNLF, Vol. XIV Nº 2, t. 1) se refere às metamorfoses vividas pela mulher na poesia brasileira do segundo oitocentos desde as estéticas de fin de siècle, inspirada no tom profano de Baudelaire, considerado o “pai” do decadentismo. No citado estudo, a autora escolhe dois poetas Olavo Bilac e Raimundo Correia, parnasianos de características decadentistas. Por aí surge a mulher dominadora, vampira, poderosa e transgressora, seduzia e quebrava os tabus da moralidade, dona da situação durante o ato de amor no qual era o homem a ceder o comando à assim dita, femme fatale. Dessa influência beudelairiana em diante, veio o momento da explosão, da pluralidade de estilos. A musa perfeita para os decadentistas estava na figura bíblica de Salomé.

Essa produção poética do final do século XIX se contrapõe ao Romantismo no cuidado com a forma e no gosto por temas científicos ou confessadamente eróticos, “o Decadentismo, comparece timidamente na história de nossa literatura, ora como apêndice do Parnasianismo, ora como apêndice do Simbolismo, chegando por vezes, com este último, a confundir-se” (Barros Jr, 2009, p. 17).

Ao iniciar sua apreciação sobre os textos escolhidos, Costa assim ilustra a figura dessa mulher surpreendentemente feroz, no poema “Abyssus”, de Olavo Bilac. Grifos nossos para os adjetivos característicos da femme fatale e, inclusive as oposições que atestam a perfídia, o fingimento e o poder da sexualidade dessa figura que, ao tempo em que beija também mata. Enfim, o homem dominado, subjugado, destruído, “(...) rola, e tomba, e se espedaça, e morre...”: “Bela e traidora! Beijas e assassinas.../Quem te vê não tem forças que te oponha/Ama-te, e dorme no teu seio, e sonha,/E, quando acorda, acorda feito em ruínas.../Seduzes e convidas, e fascinas,/Como o abismo que, pérfido, a medonha/Fauce apresenta flórida e risonha,/Tapetada de rosas e boninas.//O viajor, vendo as flores, fatigado//Foge o sol, e, deixando a estrada poenta,/Avança, incauto... Súbito, esbroado,/Falta-lhe o solo aos pés: recua e corre,/Vacila e grita, luta e se ensanguenta,/E rola, e tomba, e se espedaça, e morre...” (In Costa, idem, p. 588)

Fica, assim, perceptível a fragmentação da personalidade feminina entre aquela que era pura, recatada, mãe, esposa amantíssima e fiel em contraposição à que emerge reconhecendo que seria possível modificar a si e ao mundo na transição do século XIX para o século XX.

Os estudos de Duarte (2003) a respeito da mulher na literatura no Brasil rastreiam as questões do tabu e do incômodo quanto ao uso do termo feminismo; examinam os distintos momentos da luta feminista traduzidos em incursões pela literatura, pela educação, pela cidadania e pela revolução sexual que começou a partir de 1990 e segue num movimento que ainda promete surpreender com novas mudanças de comportamento.

Quanto à pergunta de Freud _ o que quer a mulher? _, retomada por Lacan em o que quer uma mulher? _, observe-se mais uma vez como Freud sugere não deixar uma saída para a mulher espremida entre a cruz, a espada e a loucura. Não se pode afirmar que Freud acreditasse nesta assertiva, mas nos apresentava a realidade social de sua época em sua crueza. Freud nos cerca em sua “Moral sexual civilizada e a doença nervosa”, dizendo que para a mulher do século XIX restaria “a escolha entre o desejo insatisfeito, a infidelidade ou uma neurose” (Freud, 1908/1996: 182. In Patrasso e Grant, 2007, p. 138).

Para esses dois autores,

"Esta possibilidade, que Freud inaugurou ao escutar o que a(s) mulher(es) de sua época tinham a dizer, abre caminho para que as mulheres, fora da 'proteção' do lar, figurando no campo profissional, nas universidades, na literatura, sobre o divã, ou onde mais possam se fazer escutar, se expliquem. Que possam construir versões daquilo que não podem falar, daquilo que não sabem dizer.

Dizemos versões, pois que a verdade, como a mulher, é também não-toda...

Há ainda muito a dizer. Pois que elas possam falar! "(Patrasso e Grant, 2007, p. 138).

Para saber um pouco sobre o que queria a mulher do século XIX, foi elaborada, para constar deste estudo, uma entrevista de cunho ficcional que concede a palavra a uma delas: Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein.

A formulação do texto da entrevista foi conseguida a partir das informações pesquisadas em fontes eletrônicas. Tentamos, dessa forma ficcional, reviver a memória da importante brasileira do século XIX, trazendo-a para os dias atuais e lançando-lhe como tema a pergunta de Freud: o que quer a mulher?

A ENTREVISTA

Tema: O que quer a mulher?

Entrevistadora: a autora do presente estudo

Entrevistada: Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein.

*

*Entrevistadora _ O que quer a mulher?

**Entrevistada_ Antes de dar a resposta sobre o que quer a mulher, preciso me apresentar, combinado? Assim fico mais íntima. Meu nome completo é Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein, nasci no dia 26 de maio de 1882. Meu pai se chamava Otto Schloenbach e minha mãe, Adelaide Augusta Dorison. Estudei durante algum tempo na Alemanha. Por apreciar muito o estudo das línguas, terminei me tornando poliglota. Falo alemão, francês, inglês, espanhol e italiano. Então, tudo o que fiz foi por amor às letras, à cultura, às artes. Também estudei piano e canto. Desde os meus treze anos de idade que escrevo e até publiquei meus primeiros poemas em um jornal do qual ainda me recordo do nome. Era A Tribuna, da cidade de Santos. Colaborei em revistas e outros jornais: O Malho, Fon-Fon, Careta e Jornal das Moças. Era gratificante tudo isto e, tanto eu, quanto outras mulheres usávamos pseudônimos. Assinei meus trabalhos como Colombina, Paula Brasil e ganhei os cognomes de Cigarra do Planalto e Poetisa do Amor. Isto começou porque a sociedade não aceitava que nós exercêssemos atividades intelectuais públicas.

*Entrevistadora_ Bonitos os seus pseudônimos. Atualmente os pseudônimos estão em moda. Especialmente no cinema e na televisão, são inúmeros os artistas cujos nomes conhecidos não são os de batismo. Falemos agora de casamento. Sabemos que, na sua época de juventude, era quase como uma obrigação para a mulher. E você, casou? Diga-nos sobre isto.

**Entrevistada_ Sim, fui casada com Hanery Blumenschein, tivemos dois filhos. Mas veio a separação, o desquite e foi um verdadeiro escândalo. A mulher desquitada não era aceita socialmente, mas apontada, ridicularizada, menosprezada.

*Entrevistadora_ Yde, tenho informações de que suas sobrinhas-netas mencionaram a sua elegância, seu talhe esguio e seus belos olhos azuis e, além do que, outras fontes dão conta de seus modos de mulher independente e que até fumava em público, frequentava reuniões literárias e organizava serões. O que você nos diz sobre tais afirmações?

**Entrevistada_ Quanto à beleza, deixo que os outros tenham a palavra, rs rs rs. Esse sentido de liberdade e de independência são mesmo traços de minha personalidade e que transparecem na minha obra. Quanto à atividade em torno da cultura, no ano de 1932, tive a iniciativa de fundar a Casa do Poeta Lampião de Gás. Funcionava em minha residência e nos reuníamos para trocar ideias e compartilhar nossos trabalhos, mas só no dia 7 de novembro de 1948, a instituição foi oficializada. Meus amigos preferiram este nome por corresponder ao título de um livro de poemas que escrevi. Naquela época dirigi a casa e também estive à frente da publicação mensal do jornal O Fanal.

*Entrevistadora_ Sua poesia é lírico-amorosa, principalmente. Em alguns poemas há uma característica mais acentuadamente transgressora, rompendo com as tradições burguesas. Nesses poemas você fala de desejos carnais, voluptuosidades. A crítica foi impiedosa com você, assim como o foi com outras poetas, a exemplo do que ocorreu com Delmira Agustini, a poeta uruguaia. Esse clima de intolerância por parte da crítica à manifestação da sensualidade feminina vai se encontrar com o lançamento de seu último livro, Rapsódia Rubra: Poemas à Carne - contendo poemas eróticos. O que gostaria de comentar a respeito desses aspectos?

**Entrevistada_ Sim, tudo isto ocorreu, mas não por isto me intimidei. Gostaria de aproveitar este momento para declamar dois dos meus poemas: Vertigem e Intimidade. Assim, você tira as suas conclusões. Vertigem, diria, é mais “comportado” do que Intimidade. Em Vertigem o que há é um sentimento de paixão, uma semana de amor intenso e um beijo flamejante finalizando o texto. Já em Intimidade, como o diz o título, avanço um tanto mais, sou mais atrevida, refiro-me à nudez e às cenas envolventes e muito sensuais do ato amoroso. Ousei bastante, não? Mas valeu a pena e eu faria tudo outra vez:

VERTIGEM /Uma semana só. Nem mais um dia/durou aquela estranha sensação/que nos aproximava, nos unia.../e amor não era e nem era paixão./Algo em mim te agradava, te atraía.Tu tinhas para mim tal sedução/que, tendo-te ao meu lado, eu me sentia/a mulher mais feliz da criação./Uma semana só... No meu caminho/um vislumbre de sol e de carinho:/uma sombra, talvez, na tua estrada.../Sete dias ardentes de Novembro.../Deves ter esquecido. E eu só me lembro/que nunca fui com tanto amor beijada!

INTIMIDADE/Toda alcova em penumbra. Em desalinho o leito,/onde, nus, o meu corpo e o teu corpo, estirados/na fadiga que vem do gozo satisfeito,/descansam do prazer, felizes, irmanados./Tendo a minha cabeça encostada ao teu peito,/e, acariciando os meus cabelos desmanchados,/és tão meu…Sou tão tua. Ainda sob o efeito/da louca embriaguez dos momentos passados.//Porém, na tua carne insaciável, ardente,/o desejo reacende, estua…E, de repente,dos meus seios em flor beijas a rósea ponta…/E se unem outra vez a lúbrica bacante/do meu ser e o teu sexo impávido, possante, na comunhão sensual das delícias sem conta…

*Entrevistadora_ (Aplausos incontidos). Sim, são muito bons os seus poemas, são muito vivos e atuais, demonstram uma poeta de personalidade vibrante e cujos versos demonstram a sua veia poética, talento e maestria. Da forma precisa e contundente como você utilizou a linguagem foi possível ver a cena em toda a sua riqueza erótica. Ainda gostaria de frisar o seu desempenho com o soneto. Além do trato com o rigor da forma, sua reflexão chega a ser filosófica em

A CARNE

Exiges. É ciumenta e egoísta. Não admites

qualquer rivalidade, ou que algo te suplante.

És forte e audaz no teu domínio sem limites...

capaz de transformar a vida num instante.

És mísera e brutal. Mas, nada obsta que agites

e açambanques o mundo, e que esta alucinante

e estranha sensação que aos humanos transmites,

tenha, como nenhuma, um halo deslumbrante.

Oh, carne que possuis no teu imo maldito

mais lodo que contém num charco pantanoso,

mais esplendor, também, que os astros do infinito...

Rugindo de volúpia e de sensualidade,

espalhando na terra apoteoses de gozo,

ó, carne, serás tu a única verdade?

Entretanto, Yde, em seu soneto Espírito, você nos sugere renegar a crueza da questão materialista levantada no soneto Carne, e, então, percebe a perspectiva da espiritualidade. Posso ler o seu soneto?

ESPÍRITO

Não! A verdade és tu! A tua flama pura

sobre a matéria e além dos séculos cintila!

Plasmas o sonho e dás à humana criatura

forças para vencer a própria triste argila.

Conduzes ao saber, a ti pertence a altura;

tudo que é belo vem da tua luz tranquila.

Sem ti seria o mundo uma caverna escura;

nem a morte cruel te vence ou te aniquila.

Revelação de Deus, de toda a Sua imensa

sabedoria, que dizendo ao homem: pensa!

no cérebro lhe pôs a forja das ideias.

Sim, a verdade és tu, espírito que elevas

as criaturas; tu, que enches de luz as trevas,

transformando a miséria e a dor em epopeias!

O desentendimento entre casais, a traição, a revolta contra o amado, os momentos de fúria comuns a todas as mulheres, a declaração do fim do relacionamento amoroso, o clímax da discussão e todo o clima de refinada sensualidade que inunda a cena no quarto até que os dois se envolvem e o amor e a sexualidade saem vitoriosos _ ah, Adelaide, tudo isto ficou de tal forma dito nos versos de Rusga que chega a nos impressionar e a nos fazer rever a cena se passando conosco. Que mulher nestes seus versos não se reconheceria? Permita-me a leitura, sim?

RUSGA

Vai-te! Não quero mais saber de ti; maldito

e cínico traidor! - exclamo, revoltada.

Não quero mais te ver - furiosa, repito.

Acabou-se. Entre nós não pode haver mais nada!

E a cada instante mais me enraiveço e me excito:

digo-lhe algo pior do que uma bofetada...

Ele reage e entre nós vai-se armando um conflito,

desenrolado atrás de uma porta fechada...

E, louca, em meu furor, continuo a insultá-lo.

Porém, não sei porque, de repente, me caio,

nos seus braços viris sentindo-me espremida.

A briga terminou sobre o leito macio:

e nunca foi tão louco o nosso desvario

e nem houve jamais gozo maior na vida.

Agradeço a você, Yde, a oportunidade deste diálogo que contribui para que os professores e os alunos conheçam o trabalho desenvolvido pela mulher do século XIX, pela luta da mulher em função de incluir sua voz, seu trabalho em prosa ou em verso numa sociedade preconceituosa e marcadamente excludente no que diz respeito à participação feminina na construção da literatura brasileira e da própria cidadania.

**Entrevistada_ eu me sinto emocionada, agradecida e feliz pela oportunidade que me foi dada, congratulo-me com a mulher do século XXI por dar continuidade à obra iniciada por um grupo de mulheres que acreditou na mudança. E para responder à pergunta de Freud, acrescento que, isto que fiz, o que as outras fizeram e o que as de hoje continuam fazendo é o que a mulher quer. Que a nossa voz jamais seja silenciada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A elaboração deste sucinto estudo sobre o desempenho das mulheres brasileiras envolvidas com papeis intelectuais e atividades sociais permitiu sentir mais de perto as diversas dificuldades enfrentadas por elas durante a passagem do século XIX. Fossem da classe abastada ou da classe pobre, de pele branca ou de pele preta, a mulher estava subjugada. Diversos eram os seus grilhões aos quais até se habituaram, algumas inclusive perpetuando-os nas filhas e, pior, acreditando que assim seria o bom, o ideal. De um lado o patriarcalismo, o poder do braço masculino; de outro, os entraves sociais gerados pela intolerância aos pobres e aos negros.

Esse rude estado de coisas não conseguiu, entretanto, convencer a mulher de que ela seria um ser não-pensante, uma criatura destinada tão somente a servir aos homens, casar, administrar o lar, criar os filhos e netos, cozinhar, costurar, bordar.

Se não pelas mulheres que desconfiaram daquela “cadeia” e levantaram a bainha da saia do chão, lançando-se em campo, ainda a mulher estaria adestrada, submissa e analfabeta.

Essas mulheres do século XIX, no Brasil, entraram em cena um tanto atrasadas no que diz respeito à Europa, por exemplo, mas, apesar disto, são as responsáveis, as autoras _ não apenas de suas páginas nos jornais, revista e livros da época, mas por algo bem maior: as oitocentistas são a pedra fundamental de uma construção da autonomia e da cidadania da mulher. E nós, somos as responsáveis pela manutenção e ampliação dessas conquistas.

A presença de Yde Schloenbach Blumenschein no cenário das letras brasileiras merece destaque, tanto pela personalidade inovadora e livre, quanto pela sua obra poética. São Paulo prestigiou a filha ilustre. Eu, mulher e poeta, acrescento a minha pequena homenagem.

REFERÊNCIAS

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