O EU LÍRICO e O EU REAL
Durval Carvalhal
O céu é o limite para o poeta no seu fazer literário. Ele vai do fato concreto ao infinito das abstrações para expressar suas verdades e suas emoções.
Se se utiliza do “eu” real, seu enunciado poderá ser tudo, relatório, crônica, texto jornalístico, menos poema, e não conseguirá despertar sentimentos no leitor, obstaculizando a função poética de encantar, entusiasmar e embevecer quem lê poesia.
Em face do caráter de atemporalidade da arte poética, o poeta utiliza-se de um mensageiro abstrato para mandar recados ao vasto universo humano.
O eu lírico é o pensamento generalizado do poeta narrador, que expressa seus sentimentos, expressões, opiniões e críticas. É o eu que fala no texto; é o personagem criado para externar pensamentos e ideias da obra criada; é o locutor da trama poética.
Através do artifício do eu lírico, pode-se escrever sobre fatos jamais vistos e sobre sentimentos jamais sentidos em quaisquer épocas ou lugares, expressando-se um ideal compreensível aos olhos do receptor.
Esse narrador abstrato tem o condão de fazer o poeta expressar sua visão de mundo e pluralizar sentidos ao saborear a liberdade de ser o que quiser: um deus, um escravo, um apaixonado, uma donzela, uma rainha, um sofredor, um amigo. Na sua produção poética, o poeta pode incorporar diversos personagens, tal como um ator no teatro.
O eu lírico é a razão de ser da poesia, daí os versos geniais de Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente. Que chega a fingir que é dor. A dor que deveras sente”.
É por isso que o eu poético é uma loucura; doce loucura; gostosa loucura.