Ao mestre Autran Dourado

Deixou-me profundamente consternado o anúncio da morte, no último dia 30 de setembro, do grande escritor Autran Dourado. Mineiro de Patos de Minas, passou por Belo Horizonte, onde estudou Direito, e, em 1954, mudou-se para o Rio.

Obras como Os sinos da agonia, Ópera dos mortos e Uma Vida em Segredo – esta última particularmente tocante pela maestria e sensibilidade com que Autran fotografa, bem de perto, a matuta Biela, protagonista – são apenas amostras do rico legado que ele nos deixou.

O último romance que li de Dourado foi Lucas Procópio, lançado em 1985. O meu mestre imaginário, de 1982, e Uma poética de romance, de 1976, são também obras suas que eu havia lido pouco tempo atrás. Em ambas ele se afasta da literatura propriamente dita para analisar o seu próprio fazer literário. Em O meu mestre imaginário, Autran Dourado nos põe em contato com seu alter ego, Erasmo Rangel, que é também seu mestre imaginário.

Mas foi uma pequenina obra desse brilhante autor, talvez a sua obra de menor extensão, a que maior impacto causou sobre meu espírito aprendiz. Refiro-me a Breve manual de estilo e romance, um livrinho que veio a público em 2003, em pequena tiragem, pela Editora UFMG. Cometi o erro de não tentar entrar em contato com ele e expressar-lhe a minha gratidão – enviar-lhe uma carta, algo assim – por ter escrito e publicado esse pequeno tesouro que guardo com muito ciúme. Eu devia ter feito isso antes de sua morte. Mas a gente não imagina que alguém como ele possa deixar a vida; a gente se acostuma com a imortalidade de pessoas assim.

Breve manual de estilo e romance causou grande impacto, como já disse, em meu espírito aprendiz. E, quando tive acesso a esse precioso livrinho, eu já havia escrito dois romances, uma novela e inúmeros contos, embora só tendo publicado uma das obras. Mas tinha e ainda tenho um espírito aprendiz. E aquele pequeno volume branco acalmou este meu espírito aprendiz. Mostrou-me que podia prosseguir. Ensinou-me paciência, mas encorajou-me; fez-me entender que “é preciso saber fazer o trivial simples; nem todo dia é dia de banquete.”; alertou-me que “Literatura, como toda arte, é afinco, trabalho e amor (...) Pode ser amor mal contrariado, pode doer muito, porém é amor.”

“Escritor – diz Dourado no diminuto volume – é aquele sujeito que escreve com dificuldade; quem escreve com facilidade é orador.” E esse talvez tenha sido, para o meu espírito aprendiz, o seu maior ensinamento.

Ensinou-me a não dar muita bola para a crítica: “Uma opinião desfavorável é como uma picada de mosquito: dói apenas na hora. Se você ficar o resto da vida só pensando no mosquito, não fará nada que preste.” Hoje ainda gosto de prestar atenção tanto às opiniões favoráveis quanto às desfavoráveis. Mas, cá no meu canto, dialogando com meu espírito aprendiz, procuro aparar as arestas de ambos os tipos de opinião. Faço uma ligeira reverência ao mosquitinho da opinião desfavorável – pois acho que ele serve para me manter acordado – e prossigo. Aos afagos de uma opinião favorável, procuro ser parcimonioso ao agradecer e aproveito para me ater às prováveis falhas que o generoso leitor não percebeu.

Se teimo em prosseguir sonhando com um guarda-sol na praia escaldante da literatura, acho que devo isso, em parte, ao pequeno livro Breve manual de estilo e romance, de Autran Dourado. E também porque sou teimoso mesmo.