ÁNGEL CRESPO, UM ESPANHOL BRASILIANISTA

*Tânia Maria da Conceição Meneses Silva (Esp/UFS)

RESUMO

Este artigo de revisão de literatura tem por objetivo principal discorrer sobre a vida, a obra e a importância do escritor e tradutor Ángel Crespo, um intelectual premiado e notável especialmente por divulgar a literatura brasileira em terras espanholas. Amigo do brasileiro João Cabral de Melo Neto, Ángel era um incansável homem da palavra e que verteu para o idioma espanhol a obra de João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. Além disto, se dedicou a também passar para o seu idioma a obra poética de Fernando Pessoa e a Divina Comédia, de Dante Alighieri, entre outras. No texto encontra-se uma breve exposição sobre a carreira intelectual de Crespo e o seu desempenho na qualidade de tradutor e de também poeta. Para alcançar a elaboração desta reflexão sobre o escritor espanhol foram consultados estudos de especialistas a exemplo de Bonilla, Ripoll, Colinas, Salmón, Carvalho, Olmo, López; e Pilar Gómez Bedate, doutora em literatura e segunda esposa de Ángel Crespo.

Palavras-chave: Ángel Crespo, tradutor, poeta, cultura brasileira

ABSTRACT

This review of literature has for main objective to discuss the life, work and the importance of the writer and translator Ángel Crespo, an award-winning intellectual and remarkable especially publicize Brazilian literature in Spanish lands. Friend of the Brazilian Joao Cabral de Melo Neto, Angel was an indefatigable man of words and poured into the Spanish language the work of João Guimarães Rosa, GSV. Moreover, also devoted himself to go to your language the poetry of Fernando Pessoa and the Divine Comedy, Dante Alighieri, among others. The text is a brief exposition of the intellectual career of Crespo and his performance as a translator and a poet. To achieve the development of this reflection on the Spanish writer studies experts were consulted following the example of Bonilla, Ripoll, Hills, Salmón, Oak, Elm, Lopez, and Bedate Gómez, PhD in literature and the second wife of Ángel Crespo.

Keywords: Ángel Crespo, translator, poet, Brazilian culture

* Especialista em metodologia do ensino de língua inglesa, Graduada em Letras português/inglês pela UFS.

INTRODUÇÃO

Ángel Crespo nasceu no ano de 1926, em Ciudad Real, no dia 18 de julho de 1926. O menino cresceu e veio a ser poeta, ensaísta e tradutor. Em 1943 foi para Madri e ingressou na faculdade de Direito, tendo se licenciado em 1949. Neste mesmo ano publica sua primeira antologia de poesia. No ano de 1950 publicou Una lengua emerge; em 1951 fundou em Ciudad Real a revista Deucalión em colaboração com artistas e escritores do porte de Gregorio Prieto, Eduardo Chicharro, Camilo José Cela, Carlos Edmundo de Ory, Gabriel Celaya, Francisco Nieva, José Manuel Caballero Bonald, entre outros. No ano de 1956 casou-se com María Luisa Madrilley.

Em 1957 nasceu seu filho Ángel e foi então que publicou sua primeira tradução do poeta português Fernando Pessoa: Poemas de Alberto Caeiro. No ano de 1960 funda, junto a Gabino-Alejandro Carriedo, a revista Poesía de España (1960-1963), que acolheu os poetas da geração de 50 e outros, a exemplo de Vicente Aleixandre, Rafael Alberti ou Dámaso Alonso.

Em 1961 a 1970 dirigia a Sala Goya del Círculo de Bellas Artes de Madrid. Além disto, colabora com as revistas Ágora, Lazarillo e Adonais. Conheceu Pilar Gómez Bedate (professora de literatura e também tradutora), com quem se casou alguns anos depois. Em 1962 fundou, com a colaboração do diplomata e poeta brasileiro, João Cabral de Melo Neto, a Revista de Cultura Brasileira na qual divulgou para a Espanha a língua portuguesa moderna.

O ano de 1963 teve especial importância na vida do poeta Ángel Crespo, pois foi quando realizou uma viagem à Itália e, em Florença, começou uma amizade com o professor e hispanista Oreste Macrì, autor da antologia Poesía spagnola del 900, e que o incluiu neste repositório. Ángel abandonou a carreira advocatícia em 1964 e passou a se dedicar inteiramente às atividades de poeta, tradutor e crítico de arte.

Dois anos depois, em 1966, publicou o livro Docena florentina, marco de uma nova etapa em sua obra poética. Traduziu e publicou Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. No ano de 1967 se mudou para Porto Rico, inconformado com a situação política e a cultura espanholas. Em Porto Rico ensinou Literatura Comparada no Recinto de Mayagüez da Universidad de Puerto, o que fez até o ano de 1988. Na Universidade de Porto Rico obteve o grau de Mestre em Artes.

Sempre em movimentação intelectual incessante, em 1973 obtém o grau de doutorado pela Universidade de Upsala (Suécia) com a tese Aspectos estructurales de El moro expósito del Duque de Rivas. Publicou a tradução da primeira parte da Divina Comedia (Inferno), de Dante; em 1976 completa a tradução de outra parte da mesma obra: Purgatório; e a terceira, O Paraíso, em 1977. Crespo foi considerado o maior exegeta de Dante em língua espanhola, tendo por isto recebido vários prêmios na Itália.

Em 1974 seguiu para uma temporada em Cantão de Grizões, na Suíça, com o objetivo de estudar a língua e a literatura reto-romanas (um dos idiomas oficiais da Suíça). Foi nessa época que publicou a obra Juan Ramón Jiménez y la pintura.

Em 1978 foi a vez da publicação das obras poéticas Claro: oscuro e Colección de climas; e o livro de aforismos poéticos intitulado Con el tiempo, contra el tiempo. Em 1982 publicou El aire es de los dioses; em 1983; as traduções do Cantar de Roldán e do Cancionero de Petrarca e a recopilação de sua obra poética escrita entre 1971 e 1981, El bosque transparente.

No ano de 1984 recebeu o Prêmio Nacional pela Melhor Tradução pela versão para o castelhano do Cancionero de Petrarca. Publicou Parnaso confidencial, obra na qual evoca e homenageia aqueles poetas com os quais mantinha uma estreita relação como leitor e também, em alguns casos, como amigo. Ainda publicou a tradução do Libro del desasosiego, de Fernando Pessoa e o ensaio Estudios sobre Pessoa.

É de Crespo a exemplificação a seguir, de um dos poemas de Fernando Pessoa. Pode-se conferir, por menor que seja o conhecimento do idioma espanhol, a conservação da melodia dos versos pessoanos, o cuidado com a correspondência sonora das rimas, o que só logrou o tradutor na primeira estrofe. Nas outras duas estrofes não foi possível manter a fidelidade e entra também em cena a adaptação, como se vê na troca do verbo escrever (primeiro verso da segunda estrofe) pelo verbo leer. A recriação se aprofunda no primeiro verso da terceira estrofe no momento em que Crespo sentiu a impossibilidade de levar para o seu idioma a expressão “calhas da roda”. Da mesma forma como não conseguiria um correspondente mais apropriado para “comboio de corda” (terceiro verso da terceira estrofe).

AUTOPSICOGRAFÍA

El poeta es un fingidor.

Finge tan completamente

que hasta finge que es dolor

el dolor que en verdad siente.

Y, en el dolor que han leído

a leer sus lectores vienen,

no los dos que él ha tenido,

sino sólo el que no tienen.

Y así en la vía se mete,

distrayendo a la razón,

y gira, el tren de juguete

que se llama corazón.

Cancionero (1909-1935), de Fernando Pessoa. Traducción de Ángel Crespo.

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor.

A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama o coração.

Cancioneiro (1909-1935), de Fernando Pessoa.

Em 1987 tornou-se professor visitante na Universidade de Washington, em Seattle, Estados Unidos. No ano seguinte voltou à Espanha e ficou definitivamente em Barcelona. Em 1992, professor visitante da Universidade Autônoma de Barcelona. Publicou a tradução de El oficio de vivir, de Cesare Pavese. E em 1993, nomeado professor emérito pela Universidade Pompeu Fabra, em cuja Faculdade de Tradução lecionou até que veio a morte. Foi homenageado com o Prêmio Nacional de Tradução pelo conjunto de sua obra no ofício de traduzir.

Ángel Crespo faleceu em Barcelona no dia 12 de dezembro de 1995. Foi sepultado no povoado turolense (de Teruel, cidade espanhola) de Calaceite, onde possuía uma casa na qual se refugiava durante longas temporadas para escrever e estar em contato com a natureza.

Ángel foi detentor de inúmeros prêmios, especialmente pelo seu ofício de tradutor: Premio de los Lectores y Libreros Italianos (Italia, 1979); Medalla de Oro Conmemorativa del Nacimiento de Dante del Ayuntamiento de Florencia (Italia, 1980); Medalla de Plata de la Universidad de Venecia (Italia, 1982); Premio de Poesía Ciudad de Barcelona (1983); Premio Nacional a la Mejor Traducción (España, 1984); Condecoración de la Orden del Infante Don Enrique, en grado de Comendador (Portugal, 1985); Premio Ciutat de Barcelona de Literatura en Lengua Castellana (1985); Premio Carlo Betocchi (Italia, 1990); Premio Nacional a la Obra de un Traductor (España, 1993); Premio Internacional de Poesía Eugenio Montale (Italia, 1994); Condecoración de la Orden do Cruzeiro do Sul (Brasil, 1995).

Não se pode dizer de mais alguém que tenha sido tantos e tão distintos poetas em um só, como se pode afirmar sobre Crespo. São inúmeras as vozes que habitam sua poética e que tornam impraticável saber qual a voz que lhe pertence. Entretanto, o poeta não tratou de batizar cada uma das personalidades em seu corpo poético como o fez Fernando Pessoa.

“Crespo nació en Ciudad Real el 18 de julio del año 26, lo que significa que su décimo cumpleaños coincidió con el golpe de Estado de Franco y el comienzo de la Guerra Civil. En los años de la guerra, suspendidas las clases, él seguirá recibiendo clase en su casa. La conexión con la naturaleza de su infancia dejará una impronta imborrable en toda su obra poética. Siendo estudiante de bachillerato descubre en las Geórgicas de Virgilio que esa conexión con la naturaleza puede transcribirse al papel. Y no sólo eso: también descubre que transformar el original del poeta latino es la única manera a su alcance de ser Virgilio. Así que, aún muchacho, empieza a dedicarse al arte de traducir”.

Foi pela insistência da família que cursou Direito. Sua paixão era a poesia e, por seu amor à literatura foi que formou tantas amizades entre os intelectuais, realizando diversas atividades, inclusive no âmbito social e ligado às ideias marxistas (Bonilla, 2012).

Ripoll (2012) refere-se enfaticamente a um dos textos que passou a considerar a receita definitiva para fazer ou compreender a Poesia. Tal constatação advém da leitura da homenagem que Ángel prestou em versos ao brasileiro João Cabral de Melo Neto:

Para conservar un poema

hay que ponerlo a la intemperie,

sobre todo cuando graniza

mejor que cuando llueve…

“Desde entonces esos versos se convirtieron para mí en una especie de máxima, la punta del hilo desde la que fui tirando y adentrándome en el mágico laberinto de uno de mis escritores de cabecera. Para un joven de dieciocho años que intentaba vanamente poner en pie el castillo de naipes de sus versos, el consejo no era nada desdeñable. Cuando descubrí el texto completo al que pertenecía ese pequeño fragmento, tuve la sensación de haber encontrado un verdadero manual para hacer poesía o, al menos, para intentar comprenderla: (...)”

Un poema llega sin prisa

por entre bosques y fronteras

mas en terreno despejado

es donde vuelve a ser poema.

Un poema llega a la mano

en forma de agua, polvo o viento,

pero hasta no tener su forma

no es un poema: falta el verbo…

No exame de Colinas (2012), a poesia de Ángel Crespo se desenvolveu em fases nas quais o poeta buscou o apuro formal, como se fez notar na tradução da Comédia, de Dante, mantendo o terceto encadeado, a medida e a rima, o que tornou a obra uma tradução emblemática para o idioma espanhol; prestigiou a autenticidade da palavra de raízes humanistas e, por excelência, pessoal, próxima a terra, mas sem deixar de nutrir-se nas culturas e também nas leituras dos seus autores preferidos.

“En versos largos o breves, utilizando la canción o lo poemas rotundos, la poesía de Crespo se torna más rica y compleja, pero sobre todo más honda. Y ello es así porque se universaliza. Sí, es como si aquella hondura primera que le venía de las raíces de su tierra y de un humanismo revelado a través de los seres humildes, se hubiera universalizado de manera maravillosa”.

Salmón ressalta a genialidade e o espírito de oficina exercidos por Ángel e demonstrado no trabalho de tradução, de tal modo que, segundo frisa, ao ler o Livro do desassossego, aceita que a viagem é sempre o viajante; e, quando lê o Grande sertão: veredas, assume ser a vida uma travessia; quando descobre o gênio da oficina fumando seu tédio em um quarto da lisboeta na Rua dos Douradores, ou acata o belíssimo mistério que esconde o cadáver de Diadorim estendido em seu momento de morte; quando, em definitivo, lhe assoma à natureza dividida do eu pessoano, ou no instante em que abriga a certeza de que o cruel Riobaldo, comprova-se que Ángel esboçou as características mais inesquecíveis da literatura do século vinte e que tem abalado, abala e abalará as águas em que a língua portuguesa se apresenta com majestade irrepetível.

Quanto ao aspecto do pouco conhecimento da literatura brasileira em terras espanholas, todas as honras são atribuídas à Revista de Cultura Brasileña, iniciativa de João Cabral de Melo Neto, quando diplomata em Madri, em 1962, e

“Por desejo expresso de Cabral, estiveram à frente da revista o poeta e tradutor Ángel Crespo – um dos primeiros brasilianistas espanhóis a trabalhar de maneira sistemática na tradução de várias gerações de poetas brasileiros – e Pilar Gómez Bedate. Ele, como diretor, e ela, como secretária ou – falando de maneira mais apropriada – como escritora, tradutora e estudiosa das tendências artísticas brasileiras. De qualquer maneira, é certo que os dois, juntamente com Cabral, foram editores escrupulosos que levaram a bom termo uma tarefa de muito fôlego, ainda mais se temos em conta que a publicação resistiu até mesmo à censura da ditadura franquista” (Carvalho, 2005, p. 4)

Em fevereiro de 1967, a editorial catalã Seix Barral, com sede em Barcelona, publica “a obra prima do romancista mineiro sob o título Gran Sertón: Veredas. O livro estava precedido de uma introdução escrita pelo próprio Crespo e acompanhado de um glossário ao final”. A versão em espanhol ganhou os aplausos de Guimarães Rosa. Entretanto, Mario Vargas Llosa que havia publicado também na mesma editora catalã a obra La ciudad y los perros (1963) criticou severamente o que considerou uma ousadia e um fracasso de Ángel Crespo naquele trabalho. Olmo, 2011, p. 207-208.

Vale lembrar que o trabalho de Olmo, citado agora, trata de analisar o título Grande sertão: veredas, do ponto de vista semântico e considera as lacunas existentes, neste caso, para fazer a correspondência português/espanhol. Ainda sobre esta particularidade linguística, eis o que afirma Maura, 2009:

“Gran sertón: veredas aparecería en febrero de 1967 en la editorial Seix Barral con una nota del traductor y un glosario final. En la introducción, Ángel Crespo destacaba la originalidad del libro y exponía sus criterios de traductor donde eran prioritarios el respeto a la oralidad del texto y a los neologismos y arcaísmos, que son propios tanto del particularísimo lenguaje de su autor, Guimarães Rosa, como del interior del Estado de Minas Gerais: (...)”

Pilar Gómez Bedate, ela mesma, a segunda esposa de Ángel Crespo, escreveu um artigo no qual propõe situar a obra do escritor. Em suas considerações, a professora de literatura se reporta ao ano de 1967, quando Ángel Crespo escolheu o exílio ao mesmo tempo em que foi forçado a tal. Havia publicado, na Itália, um pequeno livro de poemas (Docena florentina/1966) pouco comentado pela crítica, mas que tem importância para o conjunto da produção crespiana. Tornou-se a obra um ponto de apoio para a nova expressão dos jovens que desejavam se esquecer daquele infindável problema da Espanha, o de se viver em um mundo impregnado da cultura internacional permitido pela abertura política da década de 60.

O artigo de Bedate focaliza bases sólidas sobre as quais traça essa colocação da poesia de Ángel no contexto em que viveu. O primeiro pilar se refere ao trajeto que faz o poeta, desde a sua inicial poesia vanguardista até encontrar a poesia como alquimia; o segundo é o do valor estético e social da poesia; o terceiro pilar é aquele da poesia experimental; o quarto coloca a poesia no degrau do esoterismo e do espiritualismo; o quinto tem a poesia em busca de uma síntese; e, afinal, o sexto, contempla poesia alquimia, aquela que, na palavra de Bedate,

“este asunto de la poesía como alquimia —que, en la modernidad, tiene fundamentos tan respetables como los de Villiers de L'Isle-Adam y Mallarmé, sin olvidar a Rimbaud, Gerard de Nerval y Baudelaire— tiene, en la poesía de Ángel Crespo, un desarrollo peculiar y actual (...)”

Millon (2012) recupera fragmentos de uma entrevista gravada com Ángel Crespo em companhia de Bedate, no ano de 1988, quando o casal regressa à Barcelona/Espanha. Ángel foi então questionado sobre suas posições acerca do que chamou de messianismo sebastianista de Pessoa e o da Ásia Central; o interesse pelas literaturas românicas; a situação de bilinguismo formada em diversas zonas da Espanha; o profetismo de Dante; o pecado de Ulisses segundo Dante; o interesse pelo Duque de Rivas, um poeta; o conceito de tradução, para ele algo semelhante a

“El intento de incorporar a la literatura de una lengua lo escrito originalmente en otra, y no sólo el intento de que se entienda una obra escrita en una lengua desconocida para el lector”. A importância da tradução seria a de “que, sin ella, si no existiese ni hubiese existido, la literatura sería algo enteramente diferente de lo que es o ha sido en todos los tiempos y en todos los lugares”.

João Cabral de Melo Neto desenvolveu um trabalho de muita importância para a divulgação da literatura brasileira em terras espanholas, pobres de conhecimentos sobre os nossos escritores. Além de haver contribuído nesse sentido, Cabral também teve sua obra bastante influenciada pela cultura da Espanha onde, segundo Mateu, 2009, p. 174-175,

“(...) Cabral se instalou pela primeira vez em Barcelona em 1947 e lá permaneceu como vice-cônsul do Brasil até 1950. Foi a primeira etapa na Espanha de uma carreira diplomática que o levou também a morar, entre outros lugares do país, em Madri (1960-62) e Sevilha (1956 e 1962-1966). Cabral voltou a fazer outra longa estadia em Barcelona em 1967, já como cônsul geral.

Esta experiência deixa um rastro palpável na obra do poeta pernambucano, cuja relação com a Espanha impregna diferentes níveis da sua criação. Ao mais visível deles, a eleição temática, devemos a metade dos poemas de Paisagens com figuras (1954-1955), além de livros completos de inspiração espanhola, como Crime na Calle Relator (1985-1987) ou Sevilha Andando (1987-1993), que fecham sua obra poética”.

Ángel também traduziu poemas de Carlos Drummond de Andrade e nisto também está o dedo de Cabral de Melo. Houve um momento da obra drummondiana no qual o poeta brasileiro, um entusiasta de Frederico G. Lorca, andou buscando a poesia participativa. Foi assim que, segundo Torroella, 1996, p. 190,

“Passando à década de 60, Cabral provavelmente apresentou a poesia de Drummond ao poeta Ángel Crespo. Na importante revista Poesía española, dirigida por Crespo e Gabino-Alejandro Carriedo entre 1960 e 1963, estampou-se no suplemento ‘Poesía del mundo’, tradução do poeta brasileiro com nota biobibliográfica, e o poema ‘Noticia a Carlos Drummond’ de José Agustín Goytisolo”.

Estudo rigoroso sobre a poesia crespiana está contido na extensa tese de doutorado de López (2002). Nas conclusões que apresenta o autor da tese são pontuados aspectos da maior importância para a compreensão da poesia de Ángel Crespo, assim alinhados: uma palavra-essência do sujeito; a dimensão metapoética a partir de uma base metalinguística; a intenção de acercar-se de uma realidade oculta que confere autenticidade ao discurso poético; atitude religiosa característica da pós-modernidade; implicações filosóficas, metalinguísticas e religiosas; realismo mágico; a capacidade de criar alegorias; algumas manifestações simbólicas; metapoesia; a dimensão sagrada; o caráter problemático da luz, forma e espelho; a poesia madura que olha diretamente e admira a luz; a dimensão da vivência da problemática metafísica; a atitude crítica que preludia o redescobrimento do potencial cognoscitivo do mito; a iniludível imaterialidade linguística da poesia; as limitações das palavras no espaço e no tempo, etc. López, 2002.

Para uma brevíssima apreciação da poesia crespiana, dir-se-ia que faz vibrar um som metálico no mais fundo dos ouvidos do leitor. Trata-se de uma poesia que exala a preocupação com a forma, a precisão da palavra colocada sob o corte finíssimo de um estilete. Na chaga que abre na matéria-prima da poesia, Crespo como que deposita meticulosamente a palavra e a observa em seu efeito quando em companhia de outras. Nota-se a suave brevidade, quase uma espécie de secura a perpassar os versos, a exemplo de “El tedio a veces es como el amor”. Uma frase poética como se dita de chofre, emite um som agudo e que penetra profundamente e simultaneamente no eu do poema e fere o eu do leitor.

Depois, esticando os tinidos que transferem a sensação de pratos de uma orquestra, o poeta arrasta a palavra do interior escuro das cavernas e a faz dilatar-se no peito. Para amainar a sensação do corte produzido, faz a palavra poética retinir docemente nos cristais até que ela se dilua e se perca da vista do poeta que a persegue. Essa palavra se movimenta em todo o poema até ganhar cores e se tornar líquida e de extrema beleza. Há toda uma vista natural, um quadro no qual, em um lago, finalmente, os versos realizam o encontro dos olhos do poeta com os olhos da “corza”.

El tédio

El tedio a veces es como el amor;

mana de las cavernas

del pecho, se dilata,

atraviesa la estancia y los cristales

y se difunde hasta perderse

de vista.

Y, barnizado

con su color distinto,

es más íntimo el mundo.

(...)

y hallo en su centro de lucientes ojos

los suyos y los míos junto a un pozo

del que desborda el agua suya y mía.

Para uma arte poética é o título de um poema de Ángel Crespo, traduzido por José Bento e que serve para referendar essa secura, essa exatidão do termo poético elevado ao mais alto grau de depuração. Aqui não se trata do requinte e muito menos do burilamento parnasiano; ou de refinamento e erudição, mas de justeza da palavra nua e, da melhor maneira expressa em função do sentimento poético em si mesmo. O poeta sedento persegue a poesia e busca dizê-la, não de forma exaltada, mas de uma paixão sobre a qual se poderia dizer palavra-ela-mesma. Isto é, a palavra viva e em si mesma pulsando, majestosamente linguística e, portanto, inexpugnável.

PARA UMA ARTE POÉTICA

O excesso de sinceridade na poesia, como no convívio,

é um egoísmo e, em última análise, uma falta de educação.

A poesia não busca o mistério, mas a verdade:

por isso é misteriosa.

Poesia sem contradição

é tanto como contradição sem poesia.

É uma imoralidade confundir poesia

com a moral.

Quando se tem uma ideia é ainda cedo para escrever poesia.

É preciso esperar que ela fuja de nós, nos engane

ou, melhor, nos deslumbre.

Então é o momento de persegui-la,

de tentar o poema.

Ángel Crespo (Trad. José Bento)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ángel Crespo se destacou como tradutor e em todas as outras atividades intelectuais que abraçou. Entre todas as obras que produziu em sua vida movimentada no universo da palavra, o escritor ganha especial destaque por haver trabalhado intensamente para a divulgação da cultura brasileira em terras espanholas. A ele pertencem os louros de haver traduzido para o espanhol a obra de Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. Críticas não faltaram, entretanto, a sua determinação e todo o trabalho realizado o tornou um escritor notável e premiado.

O empenho desenvolvido por Ángel Crespo junto aos seus companheiros de intelectualidade e, especialmente, junto ao brasileiro João Cabral de Melo Neto, é motivo suficiente para prestar-lhe homenagem e reconhecer-lhe o esforço em divulgar a cultura brasileira, valorizando a linguagem. Não apenas se envolveu com a difícil empreitada de levar para o idioma espanhol a praticamente intraduzível linguagem de Rosa, mas também tratou de prestigiar o português de Portugal, colocando em espanhol os versos do poeta Fernando Pessoa, uma tarefa de muito peso.

Este breve artigo também lançou um olhar sobre dois poemas da lavra de Crespo. A exemplificação serviu para demonstrar que o tradutor dispunha de veia poética de qualidade inquestionável. Seus versos se mostram preocupados com a linguagem e com o fazer poético em busca da palavra em sua exatidão e riqueza de figuras e de significados. Crespo não desmereceu, inclusive, os poemas de Pessoa, mesmo levando-se em conta a genialidade e a pluralidade do escritor português.

REFERÊNCIAS

http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/espanha/angel_crespo.html

http://ruadaspretas.blogspot.com.br/2011/05/angel-crespo-para-uma-arte-poetica.html

http://www.tesisenred.net/bitstream/handle/10803/7428/tjal1de1.pdf?sequence=1

http://www.cronistesdelregnedevalencia.org/noticies/?p=1561#more-1561

http://www.letras.ufmg.br/poslit/08_publicacoes_pgs/Eixo%20e%20a%20Roda%2014/13-Ricardo-Souza-Carvalho.pdf

http://www.sumarios.org/sites/default/files/pdfs/11549-37964-2-pb.pdf

http://www.antoniomiranda.com.br/Brasilsempre/carlos_drummond_andrade.html

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http://www.insula.es/Articulos/INSULA%20670.htm

http://cvc.cervantes.es/literatura/escritores/crespo/bonilla.htm#

http://cvc.cervantes.es/literatura/escritores/crespo/ripoll.htm

http://cvc.cervantes.es/literatura/escritores/crespo/colinas.htm

OLMO, Francisco Calvo del. Grande sertão: veredas na Catalunha: uma crónica. Scientia Traductionis, n.9, 2011. Disponível online em formato PDF

http://www.cultura.mg.gov.br/files/2009-abril.pdf

http://cvc.cervantes.es/literatura/escritores/crespo/cronologia.htm

http://www.cronopios.com.br/site/colunistas.asp?id=4177

http://poeticas.es/?p=522