A prece
À medida que o tímido sol se põe, à varanda no gótico banco de madeira carcomido por vorazes carunchos, sentado, medita as constantes agonias que do peito dorido uma vã quimera ao vazio não só às dúvidas do abstrato cotidiano questiona, mas também de tremeluzas incertezas a matéria ao sabor da mortiça luz que sob o teto de amianto a inexorável razão ao instante de aflição e de decepção à resposta dela por deveras sequer um sussurro verdadeiro de volta recebe...
Queda-se de desespero. Ajoelha-se ante ao cristalizado e messiânico oráculo. Fleches circunstantes os opacos umbrais lentamente permeiam... Às colunatas de róseas flores umas exuberantes claridades a cúpula da Santíssima Trindade delineiam...
Nos tristes ais, escala o fio invisível da então peticionaria prece que do cérebro arfante intrépida povoa: - Clamor que dos lábios endefluxados às altas esferas inda um fio d’esperança para bem longe revoa, qual flecha sibilante à pálida sombra o absorto alvo - À fé de que um dia nos braços calorosamente de Morfeu a si o há de aos seus devolvê-la. - que, em meio à densa névoa desta impermeável e santificada garoa, o caule assombreado da intemperança mordazmente fere...
Balouçam as contíguas nuvens aos desnudos relâmpagos. Labaredas de fogo o céu ao meio rasga. Ruge a mãe natureza perante o caos da volatilidade permanente. Desfolha-se ao claustrofóbico tormento, igual à dantesca espiral e desproporcionada força ao glacial vento. Periféricos raios ao instante à atmosfera povoam. À brandura do luar a messe da agonia prenuncia: -Desventurado banquete que à farta mesa se deixa levar por aquele insidioso intento que à boa hora se anuncia... Quiçá à própria sina que o íntimo lhe não só por inteiro absorve, mas o devora a contento.
Ás tempestades revoltas o resto mortal ao fundo do mar revolve. Veias endovenosas pulsam já extenuadas aos dutos coronários, qual bandolim à esfera celeste o pipilar fúnebre de uma seriema ao largo ressona o crudelíssimo e antecipado timbre... E a si fortemente às crises da alma o espelho da vida o tênue reflexo de uma pálida imagem emite. Boia-se em espiral o então descorado cadáver à proa, qual barco à deriva pelo oceano da existência uma horripilante tormenta sem piedade o abalroa...
No turbilhão do desengano, luta contra o abismo que se lhe abre à frente... Contorce a matéria ao entorpecido pesadelo. Desprende-se dele. À redoma da realidade vê-se desperto. Pelo oriente e, à boca da noite, por entre campinas mornas um suave frescor a epiderme úmida enxuga. O negro monstro que lhe corroía as corporais vísceras desaparece. Aos poucos o doentio semblante seu de bênçãos remedeia. As cortinas palpebrais os cílios alcançam. A áurea do astro-rei por alguns segundos ainda permanece suspenso na orla do horizonte. Os seus filetes de luz, tranquilos, à sacada discretamente se desfiguram ao breu entrecortado da natura. À tela verdejante as retinas se projetam ante a tamanha iluminura. Abençoa-lhe e de braços abertos à Deusa do Ocidente entrega; - Com o seu véu de finíssima santidade aos níveos seios o aconchega e o amamenta do leite da maternal verdade, devolvendo-lhe àquela derradeira e total realidade...