Reciclando lixo psíquico

Um texto literário pode ter ou não um cunho eminentemente catártico. Não importa. Se for literatura, é reciclagem de lixo psíquico. Quando criamos um texto literário, estamos expelindo lixo, e, expelindo lixo, nos depuramos. Mas estamos também trabalhando esteticamente esse lixo, acrisolando sua matéria no cadinho das exigências estéticas de nosso espírito; obrigamos nossos demônios a marchar em fila, bem comportados, travestidos, ainda que por breve lapso, em soldados que empunham a bandeira da contemplação estética. E apresentamos o produto à apreciação do leitor, que também tem seus demônios.

Ora, esses demônios saíram da alma do mundo, desse oceano intangível onde fomos pescá-los. Essa alma do mundo mora em nós, assim como moramos nela. E somente por isso somos capazes de pescar nela esses nossos demônios. Demônios que são de todos nós.

Mas, em última análise, não é apenas fazendo literatura que reciclamos lixo. Todo arte é reciclagem de lixo. Aliás, penso que qualquer trabalho humano é reciclagem de lixo, é domesticação de demônios. Você está reciclando lixo e domesticando demônios quando trata um doente, quando defende uma causa, quando projeta uma casa, quando planta couves ou quando varre um pátio. Desde que o faça com amor. Se não for com amor, você está apenas maquiando seus diabinhos.