Ángel Crespo: apontamentos para um estudo - V

Estudo rigoroso sobre a poesia crespiana está contido na extensa tese de doutorado de López (2002). Nas conclusões que apresenta o autor da tese são pontuados aspectos da maior importância para a compreensão da poesia de Ángel Crespo, assim alinhados: uma palavra-essência do sujeito; a dimensão metapoética a partir de uma base metalinguística; a intenção de acercar-se de uma realidade oculta que confere autenticidade ao discurso poético; atitude religiosa característica da pós-modernidade; implicações filosóficas, metalinguísticas e religiosas; realismo mágico; a capacidade de criar alegorias; algumas manifestações simbólicas; metapoesia; a dimensão sagrada; o caráter problemático da luz, forma e espelho; a poesia madura que olha diretamente e admira a luz; a dimensão da vivência da problemática metafísica; a atitude crítica que preludia o redescobrimento do potencial cognoscitivo do mito; a iniludível imaterialidade linguística da poesia; as limitações das palavras no espaço e no tempo, etc. López, 2002.

Para uma brevíssima apreciação da poesia crespiana, dir-se-ia que faz vibrar um som metálico no mais fundo dos ouvidos do leitor. Trata-se de uma poesia que exala a preocupação com a forma, a precisão da palavra colocada sob o corte finíssimo de um estilete. Na chaga que abre na matéria-prima da poesia, Crespo como que deposita meticulosamente a palavra e a observa em seu efeito quando em companhia de outras. Nota-se a suave brevidade, quase uma espécie de secura a perpassar os versos, a exemplo de “El tedio a veces es como el amor”. Uma frase poética como se dita de chofre, emite um som agudo e que penetra profundamente e simultaneamente no eu do poema e fere o eu do leitor.

Depois, esticando os tinidos que transferem a sensação de pratos de uma orquestra, o poeta arrasta a palavra do interior escuro das cavernas e a faz dilatar-se no peito. Para amainar a sensação do corte produzido, faz a palavra poética retinir docemente nos cristais até que ela se dilua e se perca da vista do poeta que a persegue. Essa palavra se movimenta em todo o poema até ganhar cores e se tornar líquida e de extrema beleza. Há toda uma vista natural, um quadro no qual, em um lago, finalmente, os versos realizam o encontro dos olhos do poeta com os olhos da “corza”:

El tédio

El tedio a veces es como el amor;

mana de las cavernas

del pecho, se dilata,

atraviesa la estancia y los cristales

y se difunde hasta perderse

de vista.

Y, barnizado

con su color distinto,

es más íntimo el mundo.

(...)

y hallo en su centro de lucientes ojos

los suyos y los míos junto a un pozo

del que desborda el agua suya y mía.

Para uma arte poética é o título de um poema de Ángel Crespo, traduzido por José Bento e que serve para referendar essa secura, essa exatidão do termo poético elevado ao mais alto grau de depuração. Aqui não se trata do requinte e muito menos do burilamento parnasiano; ou de refinamento e erudição, mas de justeza da palavra nua e, da melhor maneira expressa em função do sentimento poético em si mesmo. O poeta sedento persegue a poesia e busca dizê-la, não de forma exaltada, mas de uma paixão sobre a qual se poderia dizer, eminentemente palavra-ela-mesma. Isto é, a palavra viva e em si mesma pulsando, majestosamente linguística e, portanto, inexpugnável.

PARA UMA ARTE POÉTICA

O excesso de sinceridade na poesia, como no convívio,

é um egoísmo e, em última análise, uma falta de educação.

A poesia não busca o mistério, mas a verdade:

por isso é misteriosa.

Poesia sem contradição

é tanto como contradição sem poesia.

É uma imoralidade confundir poesia

com a moral.

Quando se tem uma ideia é ainda cedo para escrever poesia.

É preciso esperar que ela fuja de nós, nos engane

ou, melhor, nos deslumbre.

Então é o momento de persegui-la,

de tentar o poema.

Ángel Crespo

(Trad. José Bento)

REFERÊNCIAS

http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/espanha/angel_crespo.html

http://ruadaspretas.blogspot.com.br/2011/05/angel-crespo-para-uma-arte-poetica.html

http://www.tesisenred.net/bitstream/handle/10803/7428/tjal1de1.pdf?sequence=1