Por Nilson Galvão
Poesia é aquela história: você ainda vai cometer uma! A mais democrática das artes, essa de encadear palavras, e ainda mais acessível quando métrica e rima já não constituem uma exigência: agora não se tem sequer o trabalho de queimar pestanas pra armar sonetos, alexandrinos. É tudo uma zorra, reclamam os narizes torcidos ainda hoje. E dê só uma olhada no pessoal por aí, a se expressar à vontade, ad libitum, ou, como queiram os puristas, ad nauseaum!
E quer saber? Dê uma olhada mesmo, porque a poesia, vilipendiada, desprezada – não a dos grandes nomes reconhecidos, mas a dos galos que tecem as manhãs em nosso dia-a-dia – , ainda está viva e continua lutando, e ainda é capaz de surpreender e cutucar os sentidos com a vara curta e seca, palavras ricocheteando e indo direto ao ponto sem intermediários, como acontece desde o início dos tempos. Ainda é aquele ofício de Homero, sim: vai contando a história de nossos dias, é só reparar bem.
Em Salvador, por exemplo: a essa hora tem muita, mas muita gente mesmo fazendo poesia. A ponto de haver um renascimento dos saraus, veja só, gente reunida pra dizer e ouvir poesia – um fenômeno iniciado com as noitadas de segunda no Theatro XVIII, de Aninha Franco. Às vezes são idênticos os números: quem vai pra ouvir também vai pra dizer. Todos poetas, portanto, e isso está longe de ser um problema!
Mas também há o público-público, gente atraída por essas palavras ao vento. Melhor ainda, pois pois: se alguém matou a poesia não matou direito, ela definitivamente não sai de cena. Se não nos saraus, na web: em lugares longínquos como os blogues, ou ruas movimentadas como o Facebook. Você vai passando e de repente… zás, é atropelado por um verso. Se gosta e curte, se não curte, se faz um muxoxo, é da vida: a morta-viva te pegou de qualquer forma, meu velho, então não fique aí fazendo cara de paisagem.
É fato: nos bares ou nos cafés, ela respira e sem a menor necessidade de aparelhos. Então esqueça as ideias preconcebidas e vá ao Sankofa, no Pelourinho, ouvir a poesia preta contemporânea de poetas de tantas periferias, sob a batuta do professor, militante, performer e poeta de mão cheia Nélson Maca. Vá à Livraria Saraiva do Iguatemi, onde uma vez por mês uma revoada de poetas faz das suas a convite de Valdeck Almeida de Jesus e Carlos Souza.
Vá ao sebo Praia dos Livros, na Barra, ao Ciranda e ao Café & Cognac, no Rio Vermelho. Ou vá pra rua, quem sabe não se bate com um sarau itinerante sob a forma de performance do grupo de declamadores Poetas das Sete Praças. Isso para citar alguns exemplos: são muitos e a gente nem tem isso mapeado, como em São Paulo, onde existe até um guia impresso com a extensa relação dos saraus mais cotados.
Ou, se não, vá ao Facebook e aos blogues: tem de tudo, pra todos os gostos. A poesia sendo cometida de todas as formas, das mais sutis às francamente libertinas. Cometida com gosto por essa legião da novíssima poesia baiana. Você pode inclusive se arriscar a mostrar aqueles versos envergonhadamente guardados na gaveta: não se acanhe, aqui somos todos discretos e abertos a novas experiências. Tipo como se diz nas casas de suingue!
Nílson Galvão é poeta e jornalista. Tem um blogue de poesia (http://nilsonpedro.wordpress.com) e também publica poemas no Facebook (/nilson.galvao). Participa, junto com as poetas Kátia Borges e Mariana Paiva e o músico Fábio Haendel, do sarau Prosa & Poesia, que estreou em julho e acontecerá mensalmente no Café & Cognac, Rio Vermelho. Nesta terça, 31, das 19h às 22h, seu segundo livro, “Ocidente”, ao lado de”Escorpião Amarelo”, de Kátia Borges, ambos pela P55 Edições, serão lançados na Confraria do França (antigo Extudo, na Rua Lídio Mesquita, 4, Rio Vermelho, em frente à Escola Medalha Milagrosa).