A CULTURA COTIDIANA

Numa época em que a lógica são os negócios, certo é que não sobra tempo para a cultura, efetivamente dita. É como estar no meio do congestionamento, onde os olhos apenas percebem a poluição: propagandas, muros pichados, outdoors e outros... Como poetizou Fabrício Marques, “Pelas palavras que o tempo / cuida de explodir nos muros/ deixe tudo como está: melodia / está nos olhos: corta. / não corta: tremeluzente/ espera o novo dia nascer...”

A arte como expressão é mutável, universal e eterna. Será que as obras literárias e artísticas não merecem um olhar alheio? Ou será que diante das artes que alimentam os sonhos e as expectativas, ao insistir em pontuar suas opções, há como melhorar o cenário de nossas vidas tão corridas, e a cultura do cotidiano ficaria próxima ao índice zero? Inocêncio Melo afirma que “És poeta os ventos já sabem/ Quem os calará? / Camões?/ Fernando Pessoa?/ Jorge Luís Borges?/Francisco Carvalho?/ Drummond?/ Ferreira Gullar?/ Procede minha afirmação/ E ponto final.”

Talvez os diretamente interessados em adquirir cultura se preocupem com o cenário onde existem programas de integração cultural, para evitar conviver apenas com aqueles que se reconhecem entre si na competição do mercado de trabalho, desrespeitando seus próprios sonhos.

Quero dizer que a reação dos leitores pode canalizar para a cultura cotidiana, como espaço para a carência de ideias, a energia criativa; mesmo que por pouco tempo, seria a glória. Essa é uma alternativa atraente e ousada. Ao retratar a cultura de forma abrangente é possível reunir fontes diferentes para trazer obras em catálogos e coleções, proporcionando a cada um de acordo com sua vontade e curiosidade, como interessado.

O escritor e o artista plástico, quando autênticos, libertam-se e passam a fazer parte do complexo cultural, dando significado às obras ao recriarem a construção em cores e palavras, marcando a arte em cada um de nós. Segundo José Saramago, “Letra a letra,/palavra a palavra,/página a página/ livro a livro,/ tenho vindo, / sucessivamente,/ a implantar/ no homem que fui/ as personagens que criei.”

Ao fugir da cultura cotidiana, passamos a viver iluminados, isto é, jogamos luz sobre a cultura. A cultura nos ilumina e não é uma luz qualquer, mas a dedicação intelectual. Pois, escritores e artistas plásticos renovam e enriquecem a nossa cultura e, ainda, estimulam as mudanças; “O que eles fazem pela cultura brasileira, não dá para retribuir só com aplauso.” Nas palavras de Rodrigo de Souza Leão, “... o escritor tem a generosidade de nos apresentar poemas que não conseguimos ler em nosso cotidiano...”