O escritor de hoje é pop-star

Dizem que a literatura se especializou e que hoje ela é o diálogo entre escritores. Vargas Llosa comentou, em seu ensaio "Em defesa do romance", que um mundo sem literatura seria bárbaro, mas que as pessoas não se dão conta disso e desvalorizam a literatura - e sua forma no romance - como se ela fosse simplesmente produzida e consumida por profissionais. Quando muito, a literatura seria consumida por pessoas desocupadas e sonhadoras e sem credenciais para discutir sobre essa arte que, cada vez mais, é considerada uma técnica complexa, quase uma ciência.

Literatura ou é passatempo ou é profissão. Não se pensa mais nela como forma de reflexão e emancipação individual. Literatura virou coisa de profissionais, de acadêmicos engravatados que discutem teoria literária de dentro de seus gabinetes universitários. Se você não tiver um Ph. D., não escreve literatura, escreve, somente, e, com sorte, é publicado.

Se eu me atrevo a escrever, logo vem a enxurrada de críticos perguntar minhas credenciais e desmoralizar meu texto já pela forma: Não aceitamos seu conto porque não é um conto. Ora, não foi Mário de Andrade que disse "Conto é tudo aquilo que chamamos de conto"?

Desisto se os mestres e doutores não querem me ler.

Se o canal tradicional escritor-editora não funciona, vamos apelar para o blog pessoal, para o canal do youtube, para o orkut, para o twitter, facebook e fazer "corpo a corpo" com os leitores sem intermédio dos editores. Tem tanta gente fazendo isso hoje em dia! Talvez a maioria. O escritor de hoje cria sua persona literária, escolhe uma boa foto e parte para a venda de seu produto nas redes sociais.

Eu poderia elogiar os tempos modernos, que nos permitem novos canais de divulgação - e isso é realmente um avanço - mas quero chamar atenção para o efeito colateral dos novos canais: o escritor pop-star.

Em uma multidão de alfabetizados, grande parte se atreve a escrever, então, como se fazer notar? Como se fazer ler?

Uma dona de casa certinha, que cuida dos filhos e das plantas, por melhor que escreva, chama a atenção de alguém?

Um rapaz tímido, que não fuma e não bebe, mas leu Camões e sabe fazer sonetos, é de interesse?

A persona literária do escritor que quer fazer sucesso (por fazer) geralmente bebe e fuma muito, eventualmente usa drogas, é tatuado e escreve sobre tabus (antropofagia, incesto, homicídio em série, zoofilia e o que for possível chocar). Tudo isso é só pra aparecer.

Não quero parecer preconceituosa com estereótipos (vocês não sabem se tenho tatuagens, ou se bebo ou fumo), apenas acho que a maioria desses rebeldes se preocupa mais com a forma do que com o conteúdo e quero alertar para isto: o tempo gasto em divulgação PODE SER tempo perdido com qualidade literária.

Li hoje mesmo sobre isso em relação à música: Terre Roche (banda The Roches) publicou no New York Times um artigo intitulado "The new busking" (A nova forma de chamar atenção/entreter). A musicista dizia que o tempo dispendido em divulgar o trabalho a fim de levantar fundos para seu novo CD por meio do Kickstarter - site em que você recolhe dinheiro das pessoas para realizar seus projetos - foi tempo que ela deixou de compor, produzir e estudar.

Aparentemente, o dilema atual da arte é o seguinte: procurar um agente/editor para delegar a ele o trabalho de divulgação (e, assim, ter mais tempo para a criação) ou ser seu próprio agente e comprometer o tempo dedicado à atividade criativa?

A resposta parece ser "seja seu próprio agente", tendo em vista a dificuldade de encontrar quem queira sê-lo, mas, ao se tornar seu próprio editor, o escritor de hoje precisa se produzir, se embalar como um produto, e o tempo para a criação e divulgação de um personagem comercial muitas vezes rouba tempo para a pesquisa e para a escrita!

Eu sigo, em minha conta no Twitter, vários escritores. Acho o máximo poder "falar" com eles, perguntar sobre suas obras, mas, quer saber? É difícil ter acesso à obra deles!

Eu sigo uma escritora que se tornou relativamente famosa por ter sido uma das primeiras no país a utilizar o blog como ferramenta de divulgação. Depois essa moça publicou alguns livros e quando vendeu os direitos deles para um cineasta, resolveu disponibilizar um deles na Internet. Isso é uma ótima sacada! Tudo o que queremos é acessar literatura da forma mais prática possível e, se o livro está ali para download, se gostarmos, provavelmente vamos à livraria comprar outras obras daquele autor. Foi o que eu e tantos outros tentamos fazer: comprar outros livros da escritora para sabermos... como ela escrevia!

Ela é polêmica, "virou" filme, foi a um reality show na TV, deu muitas entrevistas ótimas na Internet, tem um twitter ativo, bloga às vezes... mas os livros? Cadê os livros? Ela alegou que seus livros estavam esgotados. Disse que, quem quisesse comprar, entrasse em contato com ela por e-mail. Entrei em contato. Como resposta, só o barulho do motor do meu notebook. Excertos, então, senhora? A senhora não pode repetir a dose do seu e-book e publicar pelo menos uns trechinhos dos livros na Internet, assim, pra dar o gostinho?

Não.

Isso me faz concluir que certos escritores pop-star não querem ser LIDOS. Eles querem ser conhecidos, querem ser polêmicos, querem aparecer na TV, querem virar filme, mas isso de que o estrelato é "pra divulgar a obra" é balela. Cadê a obra? Por que eu não posso ler o seu livro? Ah, porque eu ganho é com direito autoral. Mas, senhora, se você nem me deixa ler seus textos, como eu, leitora, poderei divulgá-los e pressionar as editoras por uma republicação?

Tem outros casos.

Tem a francesa pop-star que escreveu sobre a vida das patricinhas parisienses e virou também filme, peça de teatro, programa de TV e todas essas peças de comércio, mas também é difícil achar um livro da moça (aliás, o que eu achei não valeu querer mais livros dela, porque esse livro é uma porcaria). Só recentemente ela se rendeu às redes sociais e posta lacônica e raramente no Twitter (será ela mesma?). A estratégia desta moça foi outra: fingiu ser blasée. Querendo dar uma de grouche*, dava entrevistas de óculos escuros alegando dor de cabeça e fumando sem parar. Já possuía um editor, então, pra quê o esforço em aparecer nas redes sociais? Só que a fama foi se esvaindo e agora ela parece ter se rendido à estratégia de ser uma agente de si mesma. Ainda bem que ela vai pouco ao twitter, creio que porque está escrevendo seus novos romances, ou não?

Tem ainda os escritores ativistas de si mesmos, que anunciam seus livros com a inconveniência de um anúncio pop-up no computador. Se você resolver segui-los no Twitter ou Facebook, vai passar o dia inteiro recebendo mensagens como: "Compre meu livro, compre meu livro". Tá, tudo bem, senhor, mas só isso? Aproveite o espaço para divulgar textos novos, dê sua opinião sobre outros autores, EXPLIQUE sobre o que é seu livro em vez de só me atordoar com o anúncio (nessas horas um agente profissional faz falta).

Em tempos de redes sociais e celebridades instantâneas, todo mundo quer aparecer, quer ser um pouco estrela. Tudo bem, males do tempo. Porém, em se tratando de ser escritor, vale não perder de vista que a principal atividade dele é ESCREVER, e não simplesmente aparecer com uma tatuagem nova postada no Instagram**.

*Grouche: pessoa que parece ser inadequada, deslocada em um meio onde outras tentam chamar atenção.

** Instagram: programa de postagem de fotos, como o Picassa, o Flickr e outros, muito utilizado por usuários do Twitter.