Sobre o Amor e a Arte de Amar
“Para seres amado, sê amável, e para tanto não te bastará a beleza do rosto ou do corpo. Se queres conservar tua amante, junta os dotes do espírito aos do corpo”.
Ovídio (Séc. I d. C.)
In: A Arte de Amar
Gosto de ler e sou daqueles que acreditam que a boa índole se pauta pela educação. Embora faltante, ainda sei moderar minhas leituras. Mas, de tudo que li e reli o poeta Ovídio, que cantava o amor ensinando os amantes a conquistar e amar suas conquistas, foi, para mim, a leitura que jamais procurou meter a ridículo esses diálogos tão vagos, tão incoerentes, tão irrequietos, essas temerárias maledicências, esses juízos ignaros, essas grosserias, que ditam sobre o amor.
Publios Ovídio Naso, estudou direito, oratória e freqüentou a corte do Imperador Augusto César. Nasceu em Roma, Séc. I d. C. Morreu num exílio em Tomis na Romênia, por causa de uma conquista, castigado, por um suposto marido traído.
Ovídio foi o mais sábio dos poetas que cantaram o amor, pois procurava viver e não teorizar esse sentimento. Instruído na ciência dos antigos gregos, não ignorava os princípios físicos da natureza, tais como se conheciam então e, quanto à psicologia feminina, sabia dessa matéria o que sempre se soube em todas as épocas, isto é, pouquíssima coisa.
Ele estava firmemente convicto de que para sermos amados, devemos ser amáveis, e para tanto não nos bastará a beleza do rosto ou do corpo, mas também a do espírito. E ainda acreditava que o amor fosse uma diversão, mau grado as filosofias de seu tempo, que diziam ser maus sentimentos e inimigos do Estado os amores irresponsáveis – frente essas imprecações, Ovídio calava-se sem cólera e sem desprezo.
Dentre todas as recomendações desse poeta àqueles que preferem o amor, destaca-se a arte da conquista, que, segundo ele, não conhece sensores nem obstáculos. Em sua obra prima, “A Arte de Amar”, dá conselhos e explica em boa prosa latina os segredos dos conquistadores.
Antes de mais nada, após descrever o mito de Ícaro, adverte-nos que também no amor, voar alto, assim como voar baixo demais pode proporcionar-nos a mesma queda. É evidente que Ovídio não está tratando de uma moral ao citar o mito de Ícaro, mas ensinando como se proceder na arte de amar, que exige equilíbrio e ao mesmo tempo audácia, coragem e paciência, engenhosidade e naturalidade, método e busca. Tudo que esse mito traz, pode ser observado na arte de amar, pois esse mesmo mito ironiza o poder, a organização, a liberdade, as pretensões de grandeza, a riqueza, a inveja e, em fim, o amor conjugal, que sempre se mete em desmedidas.
Ovídio reconheceu que o primeiro mês de amor é mesmo, como está escrito no Zenda, a lua de mel, e que o segundo é a lua de fel. Viu-se por isso obrigado a repudiar o matrimônio, que sempre se torna dificílimo no trato, e buscando refúgio no prazer, acreditou que fora deste ninguém pode ser mais feliz. Seus conselhos são donos de panos que descobrem e vestem a áurea dos amantes.
Penetrado de boas idéias, Ovídio não se preocupa com certos valores, nem com a fidelidade a um amigo ou a uma mulher. Ele apenas adverte que essas estrelas da justiça, abismos de sabedoria e espelhos de verdade, são sombras de hipocrisias e pó de falsidades perante o inegável desejo que pulsa no coração dos jovens. Posto tudo isso, penso; como é lamentável, meu Deus, - digo eu comigo, - ir a gente namorar depois de ler Ovídio. E que difícil é ser feliz nesta vida!