Literatural (não) nacional?
Para que houvesse, segundo Antônio Cândido, a formação da literatura brasileira como um sistema de “tendências universalistas e particulares” – fato que só veio a ocorrer em meados dos anos 1750 a 1780, com o início da elaboração de uma consciência nacional que só firmou, aproximadamente, em 1836 com o início do Romantismo – era necessário os seguintes temas para que essa formação viesse à tona: o conhecimento da realidade local; a valorização das populações aborígenes (índios); o desejo de contribuir para o progresso do país; e a incorporação aos padrões europeus. E para se tomar a palavra manifestação literária no âmbito brasileiro, necessitava-se da existência de um conjunto de três aspectos - que se relacionavam um com o outro -, além de características internas (como língua, temas e imagens), a fim de organizar uma literatura própria e constituir uma comunicação inter-humana: a existência de produtores literários (escritores); a existência de receptores (leitores); e algum mecanismo transmissor (editoras). Esse conjunto permitiria que os escritores formassem a continuidade literária, transmitindo padrões que se impõe ao pensamento e ao comportamento individual e social, sem os quais não haveria a possibilidade de uma literatura e ocorreriam a partir das origens do século XVI, com a produção de José de Anchieta, ate o século XVIII, com o surgimento das Academias literárias cujo intuído era organizar atividades e debates culturais entre os escritores da época. O maior problema seria averiguar quando e como começou uma continuidade ininterrupta da produção de obras e autores que integrassem a formação literária brasileira por meio de um caráter diferente ao dos europeus. Além disso, o princípio da colonização no Brasil formou uma atividade literária incentivada pelos jesuítas através da catequese imposta aos “gentios”, como consequência da Contra-Reforma e totalmente baseada na literatura metropolitana, através da qual se estabeleceu a dominação da língua portuguesa com o objetivo de integrar os índios à sociedade portuguesa colocando o fim à discriminação sobres estes e a diferença com os portugueses, regras influenciadas pelo Marquês de Pombal em meados do século XVIII e seguidas após a expulsão dos jesuítas da colônia. A princípio, a estrutura das manifestações literárias que ocorriam no Brasil partia da possibilidade de cópia/reflexo dos textos portugueses, principalmente durante os anos de 1580 e 1640, época do domínio espanhol sobre Portugal e em que as estruturas literárias se baseavam no “outro”, ou seja, dava-se entrada à possibilidade de cópia em detrimento aos aspectos de caráter nacional que sofria xenofobia, visto que, mesmo havendo exaltação a terra, faltava um tempero próprio do escritor que ali nascia.
O primeiro texto escrito sobre essas terras era a carta de Pero Vaz de Caminha que exemplificava essa atitude: discorria sobre as diferenças entre o novo mundo (colônia) e o velho mundo (metrópole), a fim de caracterizar esse novo espaço como sendo diferente de tudo que já se tinha visto; descrevia-se sobre os índios que foram considerados esteticamente inocentes, cujo comportamento foi aceitável pelos colonos e cuja cultura estava baseada na oralidade em contrapartida a utilização da escrita pelos colonizadores a qual, como afirmou Montaigne no ensaio Dos Canibais, estava ligada a questão colonial, comercial, religiosa e doutrinária. Ou seja, a situação de dominação era facilitada em virtude do ruído de comunicação entre o emissor (os portugueses) e o receptor (os índios), fato que tornava estes "bárbaros” em torno da razão (ligados à civilização), mas não aos costumes. A tradição de escrever sobre os índios e sobre a natureza foi ao longo do tempo trabalhada e aperfeiçoada. No entanto, somente em 1836, com o advento do Romantismo, começou-se a trabalhar estes temas com enfoque na visão nacional, partindo da analogia entre o conteúdo (assunto/temas/relações com a sociedade) e a forma (dentro do texto), características que foram aprimoradas pela filosofia racionalista de Descartes, o qual afirmava que deveria conhecer o mundo através da razão, e empirista de Hume, o qual alegava que era necessário conhecer o mundo através da experiência. Esses pensamentos foram, ao longo do tempo, aprimorados na literatura realizada até então e permitiu uma diferença com a literatura portuguesa, uma vez que se passou a escrever com marcas diferentes ao caráter histórico de Portugal.
Para Flora Sussekind, a literatura nacional passou por um “processo retilíneo de abrasileiramento”, em que a ideia cronológica da história literária do Brasil passava por uma reta, desvendando, ao longo do tempo, um rompimento abrupto com a tradição europeia; a “revelação” da terra/natureza; e um movimento em direção a um momento ideal de pré-conquista: características que começaram a ser defendidas com os escritores românticos, responsáveis em definir a singularidade da literatura brasileira e diferenciar-se do europeu.
A natureza, como fonte estética e forma para a escrita durante a formação da literatura brasileira, começou a ser utilizada a partir da chegada dos portugueses ao Brasil. O primeiro texto escrito nestas terras foi a carta de Pero Vaz de Caminha retratando o espaço descoberto de modo direto e mostrando as diferenças entre a colônia e a metrópole. De certa forma, escrevia sob as características básicas do Quinhentismo, em cujo contexto histórico o europeu apenas se preocupava com as conquistas materiais, resultado das Grandes Navegações, e espirituais, consequencia da Contra-Reforma – atributos da literatura medieval europeia. Ou seja, expandia-se entre fé e comércio uma relação cujo objetivo era apenas a riqueza da metrópole, e a paridade entre fé e natureza, esta vista como uma dádiva de Deus. Pode-se dizer ainda que, a partir deste momento, formava-se a literatura informativa a qual não é considerada brasileira, mas uma literatura sobre o Brasil para Portugal. E, apesar de se ter apenas a intenção de descrever o território encontrado e comunicá-lo à metrópole – relação entre Caminha e o destinatário da carta, o rei português D. Manuel I -, Caminha apresenta na carta grandes características estéticas e “inventa” um novo espaço, “um outro” (os índios), cuja unidade não estaria completa segundo os parâmetros europeus: um rei, uma fé, uma lei e uma língua, ou seja, há uma unidade formada apenas pelos costumes. Esta unidade, segundo Silviano Santiago, seria reestruturada por meio da invasão colonial que começaria um processo progressivo de mestiçagem, cuja abertura seria o único caminho para a descolonização. Fato que se mostrou mais eficaz quando, segundo Montaigne, os colonos começaram a desestruturar a condição própria do índio – a da oralidade – por meio de uma questão meramente política, vinculando a escrita ao posicionamento colonial, comercial, religioso e doutrinário, pois esta ajudava na dominação. Logo, a utilização da natureza na literatura foi se aperfeiçoando durante esse processo sociopolítico ocorrido durante a colonização brasileira. No Barroco, a natureza como elemento literário apareceu por meio de reflexão na poesia filosófica, principalmente pela poesia de Gregório de Matos que disserta sobre a desordem que assola o mundo e o comportamento do homem perante a realidade, e mostrava a natureza partir de termos indígenas e africanos. Nesse tipo de produções barrocas, encontra-se a presença da retórica exuberante, principalmente entre os padres que eram os principais transmissores de conhecimento, já que, nessa época, não havia a editoração de livros a qual era proibido por Portugal que não tinha interesse em educar a população e desenvolver a cultura.
Deste modo, apenas poucos padres, que tinham chance de estudar na metrópole ou nasciam em famílias ricas, possuíam a capacidade de repassar o que aprendiam principalmente através da catequese aos indígenas. Ou seja, a razão demorou a demonstrar eficiência na literatura brasileira e fortaleceu-se apenas no século XVIII com o surgimento do Iluminismo, determinado pela revolução intelectual, e do Arcadismo e seus valores classicistas formados com a intenção de promover características já utilizadas no Quinhentismo – formação de um Neoquinhentismo -, fortalecendo, assim, a idealização da vida campestre (o bucolismo), mostrando a natureza como um ambiente tranquilo e a cidade como um lugar de corrupção e sofrimento (fugere urbem), e a sobrevivência do maneirismo em que é comum a fuga da realidade concreta a fim de se conquistar ordem e paz. Uma das características principais do Arcadismo brasileiro é o bucolismo, em que há um refúgio à natureza vista como algo ideal para a reflexão filosófica e sentimental do poeta: este estabelecia uma simetria ao buscar um equilíbrio para a vida e uma harmonia para a forma poética com o seu conteúdo, e um culto à beleza e ao ideal de que é belo. Estas particularidades arcádicas mostram uma semelhança a mimeses aristotélica que reproduz a realidade imitando traços da natureza e dos padrões de beleza, típico do período clássico da Antiguidade, e com a ideia do “bom selvagem”, de Jean-Jacques Rousseau que discursava sobre como chegar a utopia da plenitude humana em oposição ao caráter do homem corrompido pela sociedade, dando início ao nativismo no Brasil, muito comum também durante a era romântica.