O JOVEM AUDAZ NO TRAPÉZIO VOADOR
“Sempre haverá dor nas coisas.
Mas não é por saber disso que um homem deve desesperar.
O homem bom procurará tirar a dor das coisas.
O homem tolo nem mesmo o notará, a não ser em si próprio.
E o homem mau aumentará a dor das coisas e a espalhará aonde quer que vá.
Mas cada homem não tem culpa, pois o homem mau, não menos que o homem tolo e o homem bom, não pediu para vir aqui e não veio sozinho, do nada, e sim de muitos mundos e muitas multidões.
Os maus não sabem que são maus, e são, portanto, inocentes.
O homem mau deve ser perdoado todos os dias.
Deve ser amado porque alguma coisa de cada um de nós está no pior homem do mundo e alguma coisa dele esta em cada um de nós.
Ele e nós somos ele.
Nenhum de nós é separado de qualquer outro.
A prece do camponês é minha prece; o crime do assassino é o meu crime.”
(Diálogo da mãe com o filho Homero, personagem principal no livro "Comédia humana" – Capitulo XXVI – do escritor e dramaturgo norte-americano William Saroyan, filho de lavradores armênios).
É uma pena que hoje ninguém mais leia Saroyan.
Não há muito tempo, Caetano Veloso, confessou numa entrevista, que Saroyan influenciou demais a sua maneira de pensar.
Vários outros já prestaram testemunho semelhante.
A primeira peça encenada no teatro TBC, em São Paulo, é obra de Saroyan: "Nick bar, álcool e ambições".
Fez tanto sucesso que por muitos anos o bar ao lado do TBC levou o nome de Nick bar.
Saroyan era "o jovem audaz no trapézio voador", nome de um conto de sua lavra.
Lançava-se no espaço, sem esperar segurança ou apoio, para expressar o seu ponto de vista a respeito da vida, sem nenhuma vergonha de assumir seu humanismo.
Humanismo modesto, até piegas, do homem comum, que todos os dias enfrenta dificuldades e conserva, a despeito de tudo, a divindade da sua alma.
Essa é uma mensagem comum, em toda a sua obra.
A de que não podemos perder a esperança de que os maus, por mais distantes que estejam de Deus, podem ser levados a mudar de comportamento.
E de que o arrependimento é sempre possível e sempre deve ser aceito.
Que não se deve desejar a destruição dos maus, mas sim lutar para que eles mudem, e oferecer o perdão.
Escritor numa época conturbada por várias guerras, (nasceu em 1904 e faleceu em 1981), não muito diferente das condições de hoje, Saroyan afirma a fé no homem para mudar o mundo.
Conhecia bem o conceito dos dois lados da alma humana.
A tentação espiritual transcendental contra a tendência animal materialista.
A serpente e o anjo, na contínua luta entre o bem e o mal.
Em nós todos, um espelho do outro.
O texto parcial que reproduzo no início, foi escolhido justamente pelo polêmico.
Quem ainda é capaz de perdoar o homem mau?
Perdoar incondicionalmente.
No entanto, para quem se alvora religioso, o preceito está em Matheus, (Mt 7.1-5), de não julgar para não ser julgado; que com o mesmo juízo com que se julga o próximo deve-se julgar-se a si mesmo; que devemos primeiro remover a trave do nosso próprio olho, para depois remover o cisco no olho do outro.
Por que cobrar do seu semelhante mais do que a si próprio?
Por que não perdoar, se eu me perdoo?
Audaz impetuoso jovem do trapézio, Saroyan preocupava-se em lançar no papel a expressão espontânea.
Não temia lançar-se ao extremo para dizer: "antes de combater o mal nos demais, cada um primeiro deve combatê-lo em si".
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Saroyan ganhou o prêmio Pulitzer, em 1939, com "The time of your life", (Nick bar), que recusou com a frase:
"a riqueza não tem o direito de patrocinar a arte."
Em 1942, com "Comédia Humana", ganhou o prêmio da Academia para Melhor história original, (hoje Oscar de melhor roteiro). Filme estrelado por Mickey Rooney, que levou o prêmio de melhor ator.
"Comédia Humana", geralmente é confundido com outro livro, muito mais famoso, "A comédia Humana", de Honoré de Balzac.
E por causa da natural comparação, é obra considerada menor. Injustamente.
O TBC - Teatro Brasileiro de Comédia funcionou de 1948 a 1964 na Rua Major Diogo 315, Bela Vista, São Paulo - SP, e foi fundado por Franco Zampari.
Estreou em 1948 com atores amadores, com a peça "La Voix Humaine", de Jean Cocteau.
Iniciou carreira profissional em 1949, com "Nick Bar, Álcool e Ambições", (de William Saroyan), com Cacilda Becker e Paulo Autran, direção de Adolfo Celi.
Encerrou as atividades em 1964 por dificuldades financeiras e o prédio deu lugar a primeira sede da TV Cultura.
No Youtube você pode ouvir Dick Farney cantar "Nick Bar", canção dele e de José Vasconcelos.
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Sajob - maio / 2012
Corrijam-me se eu estiver errado. Obrigado.