Medo do Escuro - Cap.2: A Estrada para casa
Um furgão vermelho andava muito rápido por entre as estradas desertas que levavam para a fazenda verde lar. Se não fossem as malas de Sabrina, que além de tomar o porta-malas, ainda levava o espaço deles nos bancos muito bem acolchoados, eles teriam uma confortável viagem.
Uma manhã ensolarada se foi juntamente com a viagem que Samuel, Sabrina, Thiago, Jacque e Adriano tanto planejaram em meio o inverno entediante que eles enfrentaram. Diante da situação não se tinha muito que fazer, eles tinham que retornar para casa.
A fazenda Verde- Lar, um lugar agradável de ver, com muitos animais, altas árvores e um sol que toda manhã trazia uma música de vários tipos de pássaros. Quem via este lugar pela tarde, não podia acreditar nas coisas que aconteciam ali, pela noite.
-Bia, o que você trouxe nesta mala?- perguntou Adriano que já estava muito incomodando com a ponta de uma mala que espetava sua costa- vai, me diz que é comida, - neste momento, como que concordando com Adriano, sua barriga deu um alto ronco - naquela agonia da manhã eu acabei sem tomar café, não comi nada e eu juro que se tiver comida aqui eu te dou um batom dos caros.
-Não tomou café porque não quis- disse Sabrina que estava no banco da frente ao lado de Samuel, que estava dirigindo- aí estão alguns sapatos, maquiagem e escovas e tem batom de sobra- a naturalidade de Sabrina quase convencia a todos de que aquela mala era realmente necessária.
Todos encheram seus pulmões de ar com a intenção de falar muitas coisas, mas já era algo tão comum tratando-se de Sabrina, que preferiram ficar calados.
Samuel permanecia quieto o tempo todo, ele estava tenso, ele sabia que o que estava para encontrar era apenas lembranças ruins. Samuel até tentava dizer algo em um tom animado como “estamos chegando”, mas havia um nó em sua garganta que o impedia até mesmo de respirar.
-Não existe a Fazenda Verde Lar sem João e Suzana- disse Jacque tentando forçar um assunto que já deveria ter começado há muito tempo- não acredito que a carta seja de verdade.
-Algo me diz que é verdadeira e tem muito mais que isto!- disse Thiago, só confirmando a angustia de Samuel- Faz três anos que saímos de casa, eu tinha quinze anos, foi um dia difícil aquele...
De repente Samuel parou o carro e o olhou para frente fixando os olhos em uma cerca de madeira que levava a um despenhadeiro enorme, seus olhos se encheram de lágrimas e ele apertava o volante a ponto de as veias de suas mãos ficarem visíveis. Samuel teve que sair do carro e logo depois correu até a cerca e começou a examiná-la.
-O que ele vai fazer?- perguntou Jacque sem entender aquela atitude- já estávamos chegando.
Dentro do furgão, Sabrina, Thiago, Adriano e Jacque observavam Samuel que parecia estar muito perturbado com aquele local.
-Que estranho, é apenas uma estrada de barro e uma cerca podre- disse Sabrina - será que a fama deixou ele estressado?
-Vamos lá gente- disse Thiago muito preocupado com seu irmão.
Samuel estava olhando para o fim do despenhadeiro, e havia um rio muito grande lá embaixo, muito cheio de pedras rochosas e tudo o que ele via só o desesperava mais. Uma expressão de medo estava estampada no rosto de Samuel e ele, enlouquecido, não sabia como vencer aquele medo.
Thiago tinha muito receio de altura, por isso começou a se afastar daquela cerca podre lentamente e ficou muito perturbado de ver seu irmão se apavorando com o penhasco como se fosse ele.
-Ei gato, o que está havendo?- disse Sabrina muito cautelosa, abraçando Samuel pelas costas e pondo as mãos nos grandes ombros do seu irmão- vamos continuar, estamos perto de chegar, veja, é lá do outro lado do rio. - Sabrina apontou para o outro lado do rio em direção a um monte de árvores.
-Veja Sabrina, está podre, toda esta madeira. - Samuel batia na cerca que realmente estava cheia de limo, muito fácil de ser destruída- pessoal, vamos dar um jeito nesta cerca.
-Não!- disse Adriano- temos que ir.
-Adriano, você não entende, se alguém cair lá embaixo você sabe para onde vai?
-Samuel, já está quase na hora, não podemos chegar antes da noite, você sabe o que acontece- disse Adriano- temos que ir já! Seu pai espera.
Adriano ao se calar, virou-se de costa e saiu para o furgão, no mesmo momento foi seguido por Thiago que estava muito ansioso para sair dali.
-Bia, Jacque- disse Samuel, ele estava parecendo louco, como se houvesse algum segredo ali naquela cerca ou no penhasco, sua voz sussurrando, chamando as amigas mais parecia um pedido de socorro- vocês podem me ajudar?
Sabrina sentiu um calafrio atrás da nuca, ela sentiu seu coração bater aceleradamente e ela sentiu medo do seu irmão, Sabrina foi para o furgão também, lentamente com as mãos uma apertando a outra. Logo Jacque sabia que não podia ficar ali, já estava anoitecendo.
Samuel pegou uma pedra no chão e atirou no rio com muita força, assim retornou para o carro.
Um resto de caminho silencioso, ninguém pôde entender nada do que tinham acontecido, eles estavam demasiadamente atrasados para chegarem a fazenda, isto é, já tinha passado das seis horas da noite, nada poderia ser feito.
-Me desculpe, eu sou o culpado, eu não sei o que me deu, mas eu me vi tendo que lançar o carro para lá, e nós caíamos- disse Samuel se mostrando muito calmo - já que não há mais o que se fazer só me resta passar as leis.
Samuel jogou uma das suas trufas de chocolate para Adriano.
-Finalmente, comida!- disse Adriano com um largo sorriso no rosto.
Assim, era muito notável que Samuel estava longe de qualquer reação estranhamente desequilibrada.
– Você pode começar, eu nem me lembro das leis da fazenda.
Samuel começou:
-Todos aqui sabem mais ou menos o que acontece lá, quando passarmos pelo portão e entrarmos nos gramados da fazenda, tapem os ouvidos- disse Samuel fazendo questão de olhar para cada um – nada de lanternas, dentro ou fora da casa, nada de qualquer tipo de luz- agora Samuel fez questão de fazer um som mais agressivo- nada de qualquer tipo de luz, nem de vela. A casa debaixo da árvore não deve ser de modo algum visitada e vocês sabem por quê.
Todos balançaram a cabeça confirmando.
-Samuel, será que nós já podemos entrar na biblioteca?- perguntou Thiago sem parecer que era o mais intelectual do grupo, é que ele não era muito de perguntar - o papai não permitia que a gente entrasse lá.
-Não acredito que as coisas mudaram- disse Sabrina- já que nada muda naquele lugar há muitos anos.
Um frio na barriga tomou conta deles, suas mãos gelaram e seus corações palpitavam aceleradamente, esta era uma sufocante sensação de medo que eles sempre enfrentavam naquele lugar ao chegar da noite. Já estava bem perto da fazenda, cada vez que eles se aproximavam mais, maior era o medo que eles sentiam.
Samuel estava dirigindo muito atentamente, quase não piscava os olhos e percebeu que onde antes havia uma placa com uma seta vermelha apontando para uma estrada, havia agora, além da seta, uma placa que dizia “casa fantasma” e a seta continuava apontando para a estrada.
-Vocês viram aquilo?- disse Jacque muito amedrontada, ela estava com a cabeça jogada no vidro da janela, ela parecia estar sentindo dor, sua respiração estava tão forte que ela acabava embaçando o vidro do carro - galera tinha uma placa dizendo que a fazenda era uma casa fantasma.
-Isso é ridículo, é um insulto!- exclamou Thiago demostrando muita raiva.
-Deve ser uma casa fantasma mesmo!- disse Adriano em um tom irônico- afinal, ela já deve ter morrido antes, não é? E além do mais...
Samuel repentinamente parou o carro, é que ele estava diante da última estrada para a fazenda verde lar, um enorme corredor de enormes árvores, mas este não era o motivo da sua parada...
-O que houve Samuel?- perguntou Sabrina que apesar de estar na poltrona da frente do furgão não percebeu o que estava diante dos seus olhos.
-São lobos!- disse Thiago ao ver sete enormes cães, eram lobos brancos, pareciam estarem protegendo a entrada- estamos perto do Vale dos Hostis, a fazenda é no final da estrada, é melhor desligar os faróis.
Adriano desligou os faróis do carro e os lobos como que automaticamente foram para entre às árvores, mas um fez questão de dar um largo uivo, que não fez apenas Jacque sentir medo, mas todos.
O furgão vermelho continuou na estrada, e eles passaram pelo Vale dos Hostis e chegou ao enorme portão da Fazenda Verde Lar, aparentemente, nada anormal estava acontecendo ali (-Não se esqueçam de tapar os ouvidos), um gramado enorme, e havia até um laguinho com uns cisnes na água (-Não Visitem a casa de debaixo da árvore). Adriano levou o carro para debaixo de uma cobertura, onde era o estacionamento (-E o mais importante- finalizou Samuel antes de sair do carro- Nada de luzes.). E eles saíram do furgão.
Samuel, Sabrina, Thiago, Jacque e Adriano, saíram do carro, todos com as mãos nos ouvidos, mesmo assim eles podiam ouvir o som que não era para ser escutado, o som de gritos altos, gritos de sofrimentos. Samuel que estava na frente começou a correr e chegou a casa, onde não se ouvia mais nada.
-Foram gritos, eu escutei- disse Jacque, como se ela não soubesse de quem eram os gritos - eu senti tanto medo.
Eles estavam na porta da casa, uma casa enorme, muito bela, era um casarão, tinha um belo jardim, que provavelmente era cuidado por Suzana, a mãe de Samuel, Sabrina e Thiago e tinha muitas janelas todas de vidros muitos grossos, provavelmente para evitar que aqueles gritos chegassem a casa.
E eles entraram.
Uma escuridão intensa, nada se via à frente, eles não sabiam para onde ir, por isso um estava segurando a mão do outro, e quase não falavam.
-Mãe... Pai... - gritou Samuel, ele não escutou uma voz lhe responder, mas talvez se ele chamasse... - não, é loucura- pensou ele, e ele fez o que achava que seria loucura, Samuel gritou- Milena, Milena Storzi...
-A casa está vazia- disse Sabrina aos sussurros - Alguém lembra onde é o banheiro, eu quero fazer xixi.
-Vamos subir para os quartos- disse Thiago- é lá em cima, temos que dormir, nós estamos cansados da viagem e não queremos passar a noite acordados.
Não foi uma noite fácil de vencer, eles tiveram que lutar contra os mosquitos, contra as lembranças, contra os medos e tudo quanto vieram eles venceram, mas foram vencidos pelo cansaço, eles estavam exaustos da viagem, foi melhor assim, pois assim eles dormiram e já não estavam dentro dos eventos que ocorria à noite naquele lugar.