Medo do Escuro - Cap. 1: Amigos natos
A vida de cidade, apartamento, shopping, lojas e Fast-food já não era a prioridade dos amigos Jacque, Adriano, Sabrina, Samuel e Thiago. Cinco grandes amigos que ansiavam por alguns dias de descanso, qualquer coisa que acabasse com a cansativa rotina de trabalho e faculdade.
Estes, velhos amigos de infância, uma amizade que deu início na amizade dos pais, algo pouco comum de se ver. Cada qual com sua particular personalidade, o que fazia de cada um, parte de um círculo muito especial, que era a amizade deles.
Depois de um ano inteiro de muito trabalho eles finalmente ganharam um merecido tempo de férias em uma bela mansão de frente para a praia, na Mansão dos Carminates. Esta era as férias dos sonhos, na mansão tinha tudo o que eles queriam: salão de jogos, salão de festa e uma enorme piscina.
O único imprevisto que os impediam de saírem dali o mais rápido possível, era Sabrina, pois estava em Londres viajando á trabalho. Esta era uma fotógrafa muito vaidosa, tinha um estilo bem encantador, seu diário rosa personalizado por ela mesmo deixava claro o quanto ela era “patricinha”, como era chamada pelo seu irmão Samuel.
Naquele sábado, eles acordaram mais cedo do que de costume, todos muito à vontade de pijamas preparavam suas malas ao som de um pop rock de uma banda canadense, Samuel, Thiago e Adriano apostavam que Sabrina não se lembrava da viagem que eles iriam fazer, por isso estava atrasada, certamente se esqueceu de tudo ao se deparar em uma loja de sapatos. Jacque tinha certeza que logo sua amiga estaria ali, mas tinha que concordar que não seria difícil Sabrina se esquecer da viagem ao se deparar com alguma loja de sapatos ou cosméticos.
Thiago, o irmão mais novo de Sabrina e Samuel, não estava muito de acordo em ir para a Mansão dos Carminates, é que esta era a casa dos pais de Adriano, isto é, ele não podia apoiar a ideia de invadir a mansão enquanto Mark e Lúcia estavam fora de casa.
-Thiago, nós não vamos invadir- disse Adriano- a casa é minha também, lembra? Eu sou filho do Mark e da Lúcia, eles são meus pais.
Com vinte e cinco anos Adriano era o mais velho do grupo, um rapaz alto, forte, sempre com suas camisas de mangas longas e capuz, olhos pretos e tinha um ótimo humor, desde que não tocassem em suas emoções.
Thiago preferiu não dizer mais nada, ele estava com medo daquela conversa se tornar em uma grande discussão. Adriano era adotado e o motivo dele estar morando ali no apartamento com seus amigos, é porque Mark, o pai de Adriano, o tinha expulsado de casa.
Em um rápido movimento, Adriano desligou o rádio, todos estavam em um súbito silêncio, eles faziam suas malas, esperando apenas que Sabrina voltasse para saírem em fim. Thiago se deu conta de que Jacque tinha saído há muito tempo e ainda não tinha voltado.
-Alguém sabe para onde a Jacque foi?- perguntou Thiago, perceber a ausência de Jacque era apenas mais um ato da sua grande inteligência que agora ele usou para acabar com o silêncio- faz muito tempo que ela saiu e não me lembro dela ter dito para onde iria.
Adriano deu uma bocejada para evitar falar.
-Ela foi ao supermercado comprar algumas coisas para nossa viagem – disse Samuel, somente para responder seu irmão, por ele, o silêncio poderia continuar ali até que Sabrina voltasse – ela já deve está a caminho de casa.
Samuel era de longe a pessoa mais cobiçada daquele prédio, talvez pela sua beleza ou talvez pela sua carreira de modelo que estava indo muito bem. Seu jeito sério e orgulhoso não passava de uma máscara que ele fazia questão de usar a todo tempo, pois era na verdade uma pessoa muito emotiva.
Não havia mais o som da música, apenas som de saco sendo amassado sendo posto dentro de malas, Thiago não poderia ter discordado da ideia de Adriano de ir para casa dos seus pais enquanto eles estivessem viajando. Quando o silêncio tinha tomado conta do local de novo, o telefone tocou.
-Alô- atendeu Samuel.
Todos se voltaram para suas malas mais uma vez, e imaginaram que Samuel estava atendendo a mais uma fã que descobrira seu telefone ou poderia ser mais uma revista querendo fotos. Não havia como negar, a cada dia que passava ficava mais difícil conviver com uma celebridade, o que era mais um motivo para fazer uma fuga a fim de se divertir.
Para a surpresa de todos, Samuel fez um gesto com a cabeça para Adriano.
-Adriano, é para você- disse Samuel, indo até o amigo e lhe dando o telefone– é o seu pai.
Já não dava para arrumar as malas ou fingir que nada estava acontecendo, Adriano e Mark não se falava fazia três anos, desde que Adriano fora posto fora de casa. Uma repentina atmosfera de questões tomou a sala. Certamente algo acontecera com Lúcia, que motivo maior Mark teria para falar com seu filho?
-Senhor. - disse Adriano mostrando muito respeito. No entanto foi à única palavra que saíra de sua boca.
Depois de cinco minutos onde Adriano permaneceu calado, apenas ouvindo o que seu pai lhe dizia, Adriano desligou o telefone, sua expressão não era nada agradável, seu rosto estava vermelho e um pouco largo, ele andou rapidamente até Thiago que estava sentado na mesa perto da janela, sim, a discussão que Thiago tinha evitado antes, estava para vim à tona.
-Você não poderia ter feito isso! – disse Adriano ainda controlando as palavras- você não podia ter dito que iríamos para lá.
-Adriano, eu não falei nada!
-O meu pai disse que vai ficar em casa, só para ter certeza de que eu não aparecerei por lá- disse Adriano, sem se importar com as palavras de Thiago- você acabou com nossa viagem!
-Ei, eu não dedurei, eu não disse nada- Thiago queria falar mais que isso, mas sabia que Adriano não estava brigando por causa da viagem, mas sim pelo fato de que seu pai tinha expulsado ele de casa mais uma vez, e até sentiu vontade de se declarar culpado- Adriano, acredite em mim, eu não vou falar mais uma vez- e disse separando as palavras- NÃO- FOI- EU.
- Adriano, calma, a gente dá um jeito- disse Samuel.
Eles precisavam de qualquer coisa, urgente que acabasse de uma só vez com a atmosfera que tomou conta do apartamento mais animado do centro, e finalmente a solução chegou.
-Olá queridinhos- disse uma voz feminina inconfundível, um perfume muito doce tomou conta da casa, e aquelas palminhas sem ritmo algum só poderia ser de Sabrina- sou eu mesma, eu estive muito tempo longe, mas voltei e agora sou loira, eu dei luzes no cabelo, gostaram?
Samuel, Thiago e até mesmo Adriano não podiam conter a alegria de rever Sabrina, fazia três meses que ela estava em Londres, e somente sua alegria já era motivo para eles se animarem.
-Não foi apenas as luzes que eu mudei – continuou Sabrina – mudei as cores das unhas, acho que este rosa bebê tem tudo a ver.
-Sabrina, que sacolas são estas?- perguntou Samuel ao ver cerca de trinta sacolas enormes ao lado de malas gigantes- Você disse que tinha ido a trabalho.
-Claro que sim, mas não é pecado trazer lembrancinhas para quem à gente gosta, ou é? – Sabrina tirou um óculo muito grande do rosto e alargou o sorriso, pegou uma sacola amarela e retirou presentes pra todos.
A atmosfera da casa não estava das melhores, mas logo eles se distraíam olhando os estranhos presentes que Sabrina trouxera.
-Eu ganhei uma... Uma caneta?- perguntou Thiago, todos sabiam que ele gostava muito de ser presenteado com livros e canetas, mas diante de tantas coisas caras, ganhar uma caneta seria um insulto- Bia é só isso?
-Não é uma caneta normal, Thiago- disse Sabrina- esta é especial, ela dura para sempre e não falha.
Thiago não sabia se isso era possível, mas foi argumento suficiente para ele achar um presente excelente. Adriano foi o segundo a reclamar...
-Bia, que frasquinho de perfume é este?
-Ei, espera ai, você não é o grande colecionador de perfumes?- disse Thiago com a voz cheia de segundas intenções, na verdade ele queria estar bem com seu amigo que em momento algum lhe dava espaço.
Adriano não deu atenção para o que Thiago falou.
-Adriano, este perfume é único, foi produzido no Egito e tem uma substância muito interessante- disse Sabrina com um leve sorriso e uma leve certeza de que aqueles eram os melhores presentes que ela já tinha comprado- basta você usar um pouco uma vez, e vai ficar em você cerca de dois meses.
-Assim eu vou me enjoar dele.
-Não vai não- continuou Sabrina- é ai que ele arrasa, se você usar outro perfume este fica oculto até o cheiro do outro acabar...
-Entendi- disse Thiago tentando mais uma aproximação de Adriano- é como se este perfume fosse seu próprio odor, seu presente é muito bom.
-É isso mesmo, -disse Sabrina- mas ele tem um problema, ele fica muito em evidência em um lugar com muita gente, o cheiro fica cada vez mais forte.
-E esta camisa aqui? Só pela aparência eu já gostei- disse Samuel - ela não suja nunca, não é?- Samuel tentou imaginar mil segredos que sua camisa branca aparentemente simples escondia.
-É uma camisa normal- disse Sabrina que estava se olhando no espelho da parede- Onde está a Jacque?
A volta de Sabrina trouxe muito ânimo para todos, mas, ainda um cruel sentimento perturbava Adriano, Sabrina não tinha percebido que todos estavam muito esquisitos até que Thiago e Adriano começaram a discutir mais uma vez.
-Por que você não acredita em mim de uma só vez?- disse Thiago se importando realmente em mostrar a verdade- você sabe cara, não fui eu que falei com o Mark que iríamos para a sua casa, eu sei que você sabe.
-Eu sei que você estava muito interessado em ficar em casa- disse Adriano já tirando algumas peças de roupa de sua mala.
Uma conversa que ninguém interromperia por nada, Sabrina interrompeu, com um grito que partiu da cozinha...
-Fui eu que avisei a Lúcia – disse Sabrina indo para sala com um copo de suco de laranja- é que eu tinha que pedir a sua mãe para ela não levar na viagem o casaco de pele que ela comprou, eu tenho certeza que não é verdadeiro.
-EU DISSE QUE NÃO FOI... - Thiago parou de falar quando Adriano deu um suspiro muito forte e baixou à cabeça, ele não precisava ter mais razão que já tinha- Sabrina, eu tenho certeza que este tal casaco é falso.
A porta da sala daquele apartamento se abriu mais uma vez, e mais um “oi” feminino partiu dali, era Jacque, assim como Sabrina, estava cheio de sacolas, não de presentes, é que Jacque retornara do supermercado.
-Deus do Céu!- disse Jacque- que engarrafamento!- logo ela percebeu que sua melhor amiga tinha voltado de viagem e começou a abraçar e beijar muito Sabrina – Bia, você está de volta, você acredita que estavam achando que você não iria voltar hoje? A gente fez uma aposta e eu ganhei!
-Não diga!- disse Sabrina, conservando toda emoção de estar ali com Jacque.
Jacque era uma jovem muito linda, era negra, tinha cabelos enormes sempre penteados com longas tranças em um rabo-de-cavalo, seu rosto fino, seu corpo sempre aprovado pelos rapazes. Jacque era a filha única de Héctor e Paloma, duas pessoas muito agradáveis e eram religiosas.
-Estar aqui tudo o que precisamos para a festa que vamos fazer lá naquele salão de festa da casa de Adriano- disse Jacque que ainda estava desatualizada dos últimos acontecimentos, por isso não houve retorno dos outros. – O que aconteceu?
-Não vamos mais- disse Thiago com um tom de lamento, de fato, agora ele daria tudo para poder estar na casa de Adriano, mesmo sem a permissão dos pais dele. – a notícia vazou para o Mark e ele não vai mais sair de casa.
-Sabrina!- exclamou Jacque – O que você foi falar com o Mark ou a Lúcia a ponto de acabar com nossa viagem?
Jacque com sua pergunta fez Adriano perceber que ele precisava conhecer seus amigos melhor, ele sabia desde o começo que Thiago não tinha falado nada com seus pais, mas pelo motivo de não pensar em mais ninguém, era mais fácil não ser completamente sincero com sua consciência.
-Thiago- disse Adriano- Desculpa cara, eu não deveria ter te acusado ainda mais sabendo que você era inocente, me perdoe.
-Adriano, o fato de eu saber que você sabia que eu não falei nada já é o bastante, agora temos que arranjar outro lugar para irmos- disse Thiago.
Jacque foi até o rádio e ligou o som que Adriano tinha desligado, eles continuaram a ouvir a banda de pop rock canadense.
-Já ia me esquecer de entregar as correspondências- disse Jack que estava com alguns envelopes brancos nas mãos
Jacque distribuiu as correspondências, que se resumiram em: sete para Samuel e uma para Adriano.
-Certamente são todas das minhas fãs- disse Samuel ao receber seu monte de envelopes e começou a olhar os remetentes, até que uma das cartas chamou sua atenção- Milena Storzi?
-O que disse?- perguntou Sabrina assustada.
-Isso mesmo- repetiu Samuel – Milena Storzi.
-Só pode ser uma brincadeira!- exclamou Thiago.
Os irmãos Samuel, Sabrina e Thiago estavam particularmente incomodados com aquele nome, Jacque e Adriano sabiam muito bem o motivo de tanto incômodo, eles sabiam quem era Milena Storzi.
-Milena Storzi não está morta? – indagou Jacque.
Adriano estava olhando perplexo para sua carta como se fosse outra correspondência da tal Milena Storzi. Muito minuciosamente ele foi deixando a sala e indo para o quarto.
Sabrina e Thiago correram para perto de Samuel para saber o que a carta dizia.
Samuel leu a carta:
Para Samuel, Sabrina e Thiago.
Sei que vocês estão proibidos de retornarem à fazenda, devido aos estranhos casos que rodeiam a casa, porém as coisas saíram do controle e a presença de vocês aqui é essencial.
Sei também que vocês podem estar pensando que esta carta não passa de uma brincadeira. Eu fui dada como morta, quando na verdade eu me encontrava reclusa, presa na casa de debaixo da árvore, há muitos dias fora de mim, esperando por um pouco de luz.
Sim, as coisas saíram do controle e a mãe de vocês assumiu o meu lugar. A Suzana está presa e o João, inacreditavelmente desapareceu da fazenda, é preciso que vocês retornem o mais breve possível para juntos colocarmos um fim em tudo.
Ass. Milena Storzi
Todos ficaram sem reação, eles não podiam acreditar no que estava acontecendo, não era algo fácil de entender.
-Não é uma brincadeira, é verdade- disse Samuel, ele dobrava a carta e colocava cuidadosamente dentro do envelope, era como se ele tivesse recebido uma notícia trágica- temos que saber o que está acontecendo em casa.
-Não podemos!- gritou Sabrina, ela sentou-se no sofá em um só movimento e levou as mãos ao rosto, colocando os dedos entre os cabelos. Sabrina não queria retornar à fazenda e não sabia mais o que dizer.
-Bia, eu concordo com o Samuel, temos que ir- disse Thiago cruzando seus braços finos de um adolescente de dezoito anos que não se importa muito com a aparência, uma pessoa apaixonada pelo conhecimento- precisamos retornar, eu também não gosto daquele lugar, mas é preciso, você sabe.
Jacque estava comovida com a reação dos seus amigos, no entanto não pôde deixar de perceber que Adriano tinha ido para o quarto desde que recebeu sua carta, e estava preocupada por ele também.
-Bia, nós temos que nos arrumar- disse Jacque apoiando a ideia de Samuel de voltar à fazenda- eu vou para casa e você vai para a fazenda, vamos ter que nos separar de novo, infelizmente.
-Jacque, eu não consigo...
-Eu vou com vocês- disse Adriano voltando para sala- eu quero ir com vocês. Desde que eu me conheço como gente eu sou amigo de vocês, e vocês me ajudaram em meus maus momentos e esta é a minha vez de ajudar a vocês. É a amizade.
Logo, Sabrina não se sentia tão presa aos seus temores e já até concordara em retornar à sua antiga casa, no entanto todos sabiam que mais difícil de convencer Sabrina, seria convencer Jacque de ir também.
Todos deram uma leve virada de rosto em direção a Jacque.
-Eu tenho medo do escuro, vocês sabem- disse Jack com os olhos brilhantes de lágrimas- mas mesmo assim eu concordo em ir para a Fazenda Verde Lar.