A ascensão profissional Feminina e os reflexos na instituição familiar
A ascensão profissional Feminina e os reflexos na instituição familiar
Jaqueline Silva Souza
Maria Jaceni Soares da Silva
A imagem feminina, no decorrer da história, quase sempre esteve associada a estereótipos de dona-de-casa, mãe de família, rainha do lar. Esse discurso, predominantemente, machista e patriarcal fortemente marcado pela igreja, estava calcado na idéia de que caberia a mulher o dever de cuidar dos filhos, marido e da casa.
Até a metade do século XIX, a sociedade brasileira era regida hierarquicamente, cuja figura masculina desempenhava o papel principal dentro do círculo familiar. Isto significa que os demais membros, ou seja, as crianças e a mulher estavam subordinadas ao cabeça da família. Assim, o homem tinha como incumbência familiar os encargos do matrimonio, no que se refere à manutenção do casal e filhos, e proteção dos bens, ou seja, toda a riqueza da família independente se foi a mulher que trouxe para o casamento ou não, era o homem quem administrava, mesmo que este colocasse todo o patrimônio em risco a mulher devia mostrar obediência a essa suposta “proteção” e, de forma alguma, era permitido a intervenção desta nos negócios da família. Como aponta a historiadora Suzan Besse:
“A lei civil brasileira... subordinava as esposas aos maridos, definindo-as como eternas menores de idade, sem poder para tomar decisões finais sobre a criação dos filhos ou sequer administrar seus próprios bens. Os viajantes que estiveram no Brasil no século XIX, pintaram um retrato em geral nada lisonjeiro das mulheres... Casadas freqüentemente por volta dos quinze anos com homens muito mais velhos, foram estereotipadas como criaturas submissas, passivas, cuja existência doméstica reclusa e instrução superficial faziam delas uma companhia excessivamente aborrecida. (BESSE, 1999. P.14)
Entretanto, registros históricos mostram que nem sempre a situação da mulher foi assim. A historiadora estadunidense June Hahner, no seu livro A Mulher no Brasil, aponta que no Brasil colonial as mulheres tinham maior liberdade para levarem suas vidas. Ela diz: “Enquanto vários viajantes na época colonial e nos primeiros tempos do Reinado e do Império descreveram a reclusão da mulher brasileira, alguns houve que puderam observar os casos particulares de mulheres dirigindo plantações ou em atividade bem longe de seus lares, vivendo de uma forma mais livre...” (HAHNER, 1978. p.12)
É importante ressaltar que nesse Brasil colonial que Hahner se refere, não há ainda a presença da igreja, e por isso era uma sociedade mais flexível, na qual as poucas mulheres européias que para cá vieram desfrutaram de uma maior liberdade que as que ficaram na Europa. Fortemente influenciadas pela cultura e costumes das estrangeiras, as mulheres brasileiras também demonstraram essa liberdade, pois era comum ver mulheres criando seus filhos, enteados e até mesmo os filhos dos vizinhos quando estes perdiam suas mães. Alem disso, quando seus companheiros se ausentavam em busca de riquezas, eram essas mulheres que com seus trabalhos sustentavam suas casas, e, portanto tomavam a posição de chefe de família.
Entretanto com a chegada da Igreja, no Brasil, esse quadro começa a mudar, pois esta passa a impor suas regras, entre estas a que o casamento era fundamental para a união entre duas pessoas, o modelo ideal de uma mulher “direita”, entre outras. Foi-lhe imposto, assim, o confinamento caseiro como, deveria se comportar em público, como deveria andar e para onde olhar. A mulher que não acatasse tal imposição não seria bem vista perante a sociedade e, portanto, colocada na casa de mulheres tida como de vida “fácil”.
Foi nesse momento que a sociedade tornou-se patriarcal, na qual a mulher era visa apenas como uma serva procriadora. Porém , contrariando algumas regras estabelecidas pela igreja, que defendia o matrimônio, as mulheres pobres estavam inseridas num cenário familiar caracterizado pela ausência do cônjuge, consequentemente elas necessitavam assumir o “papel” deste, ou seja, se tornarem previsoras material de suas famílias. Assim, elas começam a se inserir no mercado de trabalho, observamos neste momento, ainda que timidamente, o prenúncio de sua emancipação.
Claro que até a sua fixação, de fato, no mercado de trabalho, houve um longo caminho a ser percorrido, mas, o pontapé inicial já havia sido dado.
Mas, só com a Revolução Industrial, essas mulheres conseguem se inserir maciçamente no mercado de trabalho. Pois se por um lado a Revolução Industrial diminuiu a mão-de-obra, devido à ampla implantação das máquinas, por outro levou as indústrias a buscarem o trabalho feminino e infantil como opção para baratear o custo da produção. A industrialização rapidamente englobou todos os membros do grupo familiar, subvertendo-os ao capital.
Certas funções femininas como as tarefas domésticas, o aleitamento e a educação das crianças foram quase totalmente suprimidas, causando um considerável descontrole familiar. Sem contar que os salários das mulheres e das crianças eram bem menores que os dos homens. Conforme nos mostra Besse:
Em sua enorme maioria, as mulheres encaminhavam-se para funções “femininas” aborrecidas, rotineiras e não prestigiadas, que raramente pagavam um salário compensador, tornando uma ilusão a meta de real independência econômica. Com menos opções de trabalho que os homens, as mulheres tinham menos poder de barganha e, por isso, precisavam trabalhar por remuneração consideravelmente menor do que a dos homens... (BESE, 1999. p.165)
Segundo a doutora em Psicologia Social, e pesquisadora de temas femininos, Carmem Barroso (1998), na década de 70, mais de 80% do continente feminino ativo trabalhavam em apenas 10 ocupações, todas elas consideradas de baixo prestígio e remuneração: a porcentagem de empregadas domésticas estava em tornos de 27%, a de trabalhadoras rurais 18%, a de professoras primárias 9%, funcionárias de escritórios 8% e a função de costureira representavam 6%.
Observamos assim que ao longo dos anos houve uma sexualização das ocupações, e isso implicava diretamente no salário e status entre trabalhadores masculinos e femininos.
Para derrubar esses dogmas, a figura feminina foi praticamente “obrigada” a se qualificar, e isso requeria dela um maior investimento nos estudos e cursos profissionalizantes. Assim, além de dedicar parte do seu tempo ao trabalho ela teria que “arranjar” tempo para a sua qualificação. E isso, refletiria consequentemente, em suas “obrigações” familiares, que seriam relegadas a terceiro plano.
Da década de 70 até os dias atuais, ou seja, quarenta anos depois, muitas foram às conquistas da classe trabalhadora feminina, disso não há dúvida, entretanto observamos que a mulher ainda ocupa um papel desprivilegiado dentro da pirâmide social. Pois, mesmo desempenhando a mesma função dos homens no mercado de trabalho, seus salários são relativamente mais baixos. Além disso, ainda é muito lenta a desvinculação do trabalho doméstico do sexo feminino.
Assim sendo, a mulher tem que conciliar a vida profissional com a familiar, e isso continua sendo, talvez, uma das principais causas da desigualdade profissional entre homens e mulheres.
Na luta pela sobrevivência não é só a mulher que paga um preço alto, mas também os filhos que acabam sendo vítimas desse sistema capitalista injusto. Pois, enquanto as suas mães saem para o mercado de trabalho para dar-lhes o sustento, ou para, como diz o discurso machista preconceituoso ainda existente, complementação da renda familiar, os filhos ficam sob a responsabilidade de parentes próximo, como avó, tia ou irmãos mais velhos; ou na responsabilidade de pessoas contratadas para esse fim, caso mais recorrente entre famílias da classe média.
Nesse ínterim, as crianças passam a maior parte do tempo longe de suas mães, longe de suas casas, ou mesmo sozinha. O pouco tempo que estas mães têm que, geralmente, são à noitinha ou nos finais de semana, os quais deveriam ser dedicados aos seus filhos, são gastos com os afazeres e manutenção da casa, pois ainda impera a ideia machista que os afazeres domésticos são de inteira e exclusiva responsabilidade das mulheres, salvo é claro, algumas exceções. Barroso faz uma consideração quanto esse assunto, ela diz:
Embora o cuidado das crianças continue a ser quase que exclusivamente de responsabilidade das mulheres, no âmbito de cada família, dissemina-se atualmente a consciência de que a guarda e proteção das novas gerações são fundamentais à reprodução social, e, portanto, constituem atribuições da sociedade como um todo, que deve criar equipamentos coletivos com essa finalidade. Para a mulher que deseja e precisa exercer uma atividade remunerada, é indispensável a existência de formas alternativas de cuidado infantil.(BARROSO,1982)
Vimos, portanto no decorrer deste trabalho, que a trajetória da figura feminina sempre esteve ligada a uma história de luta e superação. Observamos também que mesmo sendo sobrecarregadas, em momento algum no decorrer da história, essas mulheres se eximiram do seu papel de mãe, companheira, amiga, amante e profissional. Na realidade elas são capazes de, mesmo com sua escassez de tempo, despertar em muitos a admiração e o respeito que tanto são merecedoras, pelo seu empenho e dedicação.
Assim sendo, está na hora de quebrar o discurso machista, que as mulheres querem ser iguais aos homens. Antes elas buscam, sim, serem reconhecidas como seres humanos propensos a erros e acertos assim como os homens. E ser reconhecidas pela sua real importância no desenvolvimento e crescimento da sociedade em que vivemos, na qual a sua presença é fundamental.
Referências:
BARROSO, Carmem. Mulher, Sociedade e Estado no Brasil. Carmem Barroso. São Paulo, 1982. Edição Conjunta. Ed. Brasiliense S/A.
BESSE, Susan K. Modernizando a Desigualdade: Reestruturação da ideologia de Gênero no Brasil. 1914-1940/ Suzan K. Besse; tradução de Lólio Lourenço de Oliveira – São Paulo: ed. DA Universidade de São Paulo, 1999.
HAHNER, E. June. A Mulher no Brasil. June E. Hahner. Tradução de Eduardo F. Alves. São Paulo, editora Civilização Brasiliense, S/A 1978.
Seminário Nacional Mulher e Literatura (7.:1997: Niterói, RJ). Mulher e Literatura/ Livia de Freitas Reis, Lucia Helena Viana, Maria Bernadete Porto, organizadoras – Niterói, RJ : Ed. UFF, 1999.