Relembrando POR QUE CHORAS, BAHIA?
Um homem adentra minha casa com um livro em frangalhos nas mãos. Alguém, na rua, havia rasgado vários exemplares da obra, com raiva, e atirado para todos os lados. O amigo da nossa família foi comentar com o velho Mário, meu pai adotivo: “Veja, seo Mário, o prédio de vocês está citado, aqui, no livro!”. Era verdade. Os primeiros capítulos do livro traziam um “questionário”, respondido por várias pessoas, conhecidas do autor. A pergunta 13 (coincidentemente, o número da sorte de meu pai, nascido em 13-11-1913) era: “Justifica-se que dentro da zona do baixo meretrício, possam residir famílias, ao ponto de encontrarmos portas com placas esmaltadas e escritas em letras azuis, FAMÍLIA?”. Era, mesmo, a casa em que vivíamos. A placa seria arrancada furiosamente, muitos anos depois, por minha mãe adotiva, quando alugaram o primeiro andar do prédio para um bar de frequentadores com hábitos duvidosos. O livro foi publicado em 1967, mas creio que seria impossível para uma criança de dois anos se lembrar deste fato, portanto a cena deve ter se passado em 1970, quando eu tinha cinco anos e já sabia ler. Nunca esqueci aquela cena, nem também o nome do livro: “Por Que Choras Bahia?”, cujas páginas soltas ficaram ainda algum tempo dentro da casa. Corte. O relógio avança 40 anos. Há pouco tempo, com o surgimento dos sebos virtuais na internet, consigo descobrir que ainda restam alguns exemplares daquela obra à venda, bem como o nome de seu autor: Benevides Andrade. Agora, em 2012, decidi adquirir a obra, e mais, a autobiografia do autor.
Os livros estão presentes em minha vida desde os primeiros anos de minha infância. Ter esses livros em mãos foi como fazer uma viagem ao passado. Ao ler o primeiro, contudo, surgiu-me uma dúvida. Em pleno período do Golpe Militar, eu vivia em uma casa de comunistas secretos. Mesmo meu pai, militar, não escondia seus ideais socialistas, que o levaram a me batizar com o nome do presidente deposto. Então, será que aquele livro fora rasgado pela ironia com relação à casa ou pelo declarado perfil reacionário do seu autor? Para que se tenha uma ideia, a pergunta 19 era: “Você não acha que a revolução de 31 de março de 1964, trouxe para a Bahia, Progresso e Esperanças para os futuros dias e anos?” O autor, um funcionário público federal, afirmava que sim. Motivo mais do que suficiente para que nossos conhecidos comunistas, irados, rasgassem a sua obra na via pública, e fugissem antes que a polícia chegasse. Ou estaria eu misturando realidade e ficção? A memória é traiçoeira, e tendemos a completar as lacunas conforme nosso desejo.
Benevides Andrade escreveria ainda vários outros livros, se converteria à crença evangélica (então apenas chamada de “protestante”) e terminaria seus dias se achando um injustiçado profissionalmente. Desconhecido por quase todos no ambiente literário baiano, creio que ninguém se lembra mais dele como escritor. Curioso que um fato como aquele, registrado pelas retinas inocentes de uma criança que viria a ser escritor, há mais de quarenta anos, reviva, ainda que em um breve texto, um pouco da sua obra e o contexto sociopolítico em que ela existiu. Hoje, a Bahia ainda chora, relembrando os versos de Gregório de Matos, “Triste Bahia”, mas por outros motivos. O Baixo Meretrício mudou de lugar, não temos mais os governantes tiranos que silenciavam as liberdades individuais, mas ainda temos um longo caminho a percorrer até conseguirmos encontrar líderes que tenham a capacidade de reconduzir nosso estado ao status que ele merece, com investimentos em Educação, Saúde, Cultura e Segurança para todos. O tempo passou, os governos mudaram, mas o problemas citados por Benevides em sua pequena obra, continuam os mesmos!
Um homem adentra minha casa com um livro em frangalhos nas mãos. Alguém, na rua, havia rasgado vários exemplares da obra, com raiva, e atirado para todos os lados. O amigo da nossa família foi comentar com o velho Mário, meu pai adotivo: “Veja, seo Mário, o prédio de vocês está citado, aqui, no livro!”. Era verdade. Os primeiros capítulos do livro traziam um “questionário”, respondido por várias pessoas, conhecidas do autor. A pergunta 13 (coincidentemente, o número da sorte de meu pai, nascido em 13-11-1913) era: “Justifica-se que dentro da zona do baixo meretrício, possam residir famílias, ao ponto de encontrarmos portas com placas esmaltadas e escritas em letras azuis, FAMÍLIA?”. Era, mesmo, a casa em que vivíamos. A placa seria arrancada furiosamente, muitos anos depois, por minha mãe adotiva, quando alugaram o primeiro andar do prédio para um bar de frequentadores com hábitos duvidosos. O livro foi publicado em 1967, mas creio que seria impossível para uma criança de dois anos se lembrar deste fato, portanto a cena deve ter se passado em 1970, quando eu tinha cinco anos e já sabia ler. Nunca esqueci aquela cena, nem também o nome do livro: “Por Que Choras Bahia?”, cujas páginas soltas ficaram ainda algum tempo dentro da casa. Corte. O relógio avança 40 anos. Há pouco tempo, com o surgimento dos sebos virtuais na internet, consigo descobrir que ainda restam alguns exemplares daquela obra à venda, bem como o nome de seu autor: Benevides Andrade. Agora, em 2012, decidi adquirir a obra, e mais, a autobiografia do autor.
Os livros estão presentes em minha vida desde os primeiros anos de minha infância. Ter esses livros em mãos foi como fazer uma viagem ao passado. Ao ler o primeiro, contudo, surgiu-me uma dúvida. Em pleno período do Golpe Militar, eu vivia em uma casa de comunistas secretos. Mesmo meu pai, militar, não escondia seus ideais socialistas, que o levaram a me batizar com o nome do presidente deposto. Então, será que aquele livro fora rasgado pela ironia com relação à casa ou pelo declarado perfil reacionário do seu autor? Para que se tenha uma ideia, a pergunta 19 era: “Você não acha que a revolução de 31 de março de 1964, trouxe para a Bahia, Progresso e Esperanças para os futuros dias e anos?” O autor, um funcionário público federal, afirmava que sim. Motivo mais do que suficiente para que nossos conhecidos comunistas, irados, rasgassem a sua obra na via pública, e fugissem antes que a polícia chegasse. Ou estaria eu misturando realidade e ficção? A memória é traiçoeira, e tendemos a completar as lacunas conforme nosso desejo.
Benevides Andrade escreveria ainda vários outros livros, se converteria à crença evangélica (então apenas chamada de “protestante”) e terminaria seus dias se achando um injustiçado profissionalmente. Desconhecido por quase todos no ambiente literário baiano, creio que ninguém se lembra mais dele como escritor. Curioso que um fato como aquele, registrado pelas retinas inocentes de uma criança que viria a ser escritor, há mais de quarenta anos, reviva, ainda que em um breve texto, um pouco da sua obra e o contexto sociopolítico em que ela existiu. Hoje, a Bahia ainda chora, relembrando os versos de Gregório de Matos, “Triste Bahia”, mas por outros motivos. O Baixo Meretrício mudou de lugar, não temos mais os governantes tiranos que silenciavam as liberdades individuais, mas ainda temos um longo caminho a percorrer até conseguirmos encontrar líderes que tenham a capacidade de reconduzir nosso estado ao status que ele merece, com investimentos em Educação, Saúde, Cultura e Segurança para todos. O tempo passou, os governos mudaram, mas o problemas citados por Benevides em sua pequena obra, continuam os mesmos!