A literatura em perigo, obra de Tzvetan Todorov.
Ainda é complexo afirmar ou negar que a literatura se encontra em perigo. Vive-se uma época da civilização na qual os indivíduos estão sujeitos às consequências imprevisíveis advindas de transformações inimaginadas e que ocorrem em cadeia por toda a sociedade organizada. A era da informática, da disseminação e democratização do conhecimento, do avanço tecnológico e das comunicações cria expectativas e incertezas que atuam sobre o comportamento humano. As sociedades tentam se organizar e se adaptar ao novo contexto.
Mudam-se os costumes, os conceitos, atitudes e maneiras de ver o mundo. Nesse clima dos dias atuais, são diversos e distintos os questionamentos em todas as áreas do conhecimento humano. A literatura também tem sido questionada em seus valores, finalidades e funções sociais dentro desse novo quadro.
Tzvetan Todorov se dedicou em sua obra, A literatura em perigo, a tratar da literatura e de suas finalidades, inclusive a partir de sua própria experiência de vida e de profissional docente dessa disciplina.
Todorov, desde a sua infância, sentiu que a palavra o atraía. E foi esse amor pela palavra, pela expressão linguística e pela liberdade de pensamento que mudou o rumo de sua existência e carreira profissional. Saiu de seu país, cujo regime político travava-lhe a expressão e tolhia-lhe a liberdade. Seguiu em busca de algum lugar onde pudesse expor suas ideias. Esse local foi Paris, conhecida pela cultura e pelas oportunidades maiores do que em outras partes do mundo. Ali seria o ideal sonhado e não a terra natal onde Tzvetan Todorov se transformaria, forçosamente, em um porta-voz da doutrina comunista, ideologia dominante na Bulgária que abandonou.
A chance não demorou a surgir e o jovem Todorov, apesar de alguns contratempos, encontrou quem o orientasse no tratamento dos temas de sua predileção. Foi decisiva a participação de seu orientador, Roland Bartes, que lhe deu liberdade para escolher os rumos de sua pesquisa.
A visão todoroviana da literatura era bem diversa daquela entendida pela maioria das pessoas, mesmo no país onde encontrou espaço mais amplo para pensar e se expressar. Todorov entende a literatura como parte integrante da realidade e em constante interação. Portanto, a serventia da literatura, para esse estudioso, inicialmente, assemelha-se a uma espécie de concha na qual se enclausura em busca de ajuda para si mesmo e para a contemplação do Belo literário. Depois, a visão do estudioso se amplia e ele constata na literatura a importância social, o lado humano da sociedade, uma espécie de consciência e razão. Esse bem dispõe de uma validade perene e não se trata de um divertimento, mas uma legítima vocação do humano que, através do exercício do belo literário, faz valer a sua condição de pensante. A literatura é, portanto, para Todorov, uma vocação humana.
Surge neste ponto um conflito que tomou conta da obra de Todorov, o estranhamento em perceber que a concepção que fazia da literatura não correspondia ao pensamento da maioria. A literatura tem sido vista de forma burocrática, objetiva, cronológica, compartimentalizada, dividida e disposta como caixas de mercadorias em um estoque. Enfim, Todorov percebeu nessa situação e, mais propriamente, no ensino da disciplina Literatura, um engessamento da arte da palavra.
Interessante que, em sua formação, Todorov se notabiliza justamente por haver empunhado a bandeira do formalismo que passou a criticar. O estudioso repudia veementemente o ensino setorizado da literatura, como o viu sendo levado a efeito, mesmo na Europa. Critica igualmente a atenção que se dá ao trabalho do crítico da literatura em detrimento da atenção merecida pela obra literária em si. Para Todorov a literatura é a própria obra e o autor lhe é circunstancial. A crítica do cientista se estende ao ensino das disciplinas em geral, pois se torna tal ministério uma construção abstrata de conceitos forjados _ e, no caso específico da Literatura, esse status quo é providenciado pela análise literária. Por outro lado, seu ponto de vista é o de que, antes da forma de um texto literário, o que se deve ter em mente é o seu conteúdo e sentido nessa relação com o mundo.
Essa consideração primeira ao trabalho da crítica leva o professor a desempenhar um ensino de literatura ascético. Assim, distanciam-se professores e alunos da realidade da alma da literatura contida no texto, na obra. A estrutura não pode ser mais importante que o produto final, o texto. Por exemplo, na poesia, e, especialmente, no caso das formas fixas e clássicas, de rigorosa gramática poética, essa estrutura rígida não pode ser mais importante que o todo, o efeito final, a emoção, o sentimento e o belo perceptíveis pelos sentidos dos que entendem e dos que não entendem de exigências normativas.
"(...) Basicamente, o argumento de Todorov é que o que se ensina hoje nas escolas é um misto de historiografia e teoria literárias, substituindo o contato direto com as obras e se desviando daquilo que seria o fundamental: o estudo do sentido das obras, o seu conteúdo semântico. Ao invés de exigir dos alunos que apreendam o significado da obra, o que lhes permitiria relacioná-la com o mundo ao seu redor, exige-se deles que saibam operar com categorias analíticas e historiográficas, das quais a obra literária seria apenas mera ilustração. O equívoco é evidente: estamos tentando formar críticos literários antes mesmo de formá-los como leitores".
Na opinião de Todorov, o estudo e o domínio da estrutura de uma obra não garantem a apreensão do sentido, da emoção e do mais importante, daquilo que a literatura pode fazer pelo ser humano: aprimorar a sua capacidade de sentir e de apreender significados.
O perigo que corre a literatura é o de se perder nessa busca de exame minucioso de seu formato, como tem sido mostrada e trabalhada entre os jovens, um ensino que se faz com informações que não podem de espécie alguma preceder à própria obra, ao romance, ao poema, ao texto em si mesmo e por ele mesmo. Isto equivale a dizer, por exemplo, que antes de saber onde e quando nasceu Castro Alves, o docente lê os versos desse poeta com os alunos e, juntos, compartilham um diálogo mais produtivo e esclarecedor.
A proposta de Todorov para impedir que a literatura caia no precipício da burocratização seria a de “restabelecer o equilíbrio entre as contribuições do formalismo-estruturalismo e as conexões do texto literário com o mundo real e com a vida contemporânea, e que isso tenha reflexo na formação de professores e alunos de literatura” . (Todorov, 2009, p.11).
A proposta de Todorov nada mais é ou significa do que colocar o texto no devido lugar a que tem direito: no centro e não na área periférica do processo educacional e, também, na formação de todos os cidadãos, especialmente os diretamente ligados à Literatura, a exemplo de formandos em Cursos de Letras e professores dessa disciplina.
REFERÊNCIAS
TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.
http://breviario.org/ptyx/2009/04/25/a-literatura-em-perigo/