Um olhar diferenciado sobre a poesia de Delmira Agustini _ IV_

Para a finalização deste exercício foram selecionados 51 textos poéticos da autoria de Delmira Agustini com o objetivo de, sobre esta amostra aleatória, lançar um olhar curioso e não, especificamente, levar a cabo um estudo dentro de moldes rigorosamente científicos.

Quanto aos estudos recentes da crítica especializada, a tendência é a de reconsiderar e reestudar a obra de Agustini que,

"Because of the tragic circumstances of her death, Agustini has been analyzed and psychoanalyzed by a number of Latin American literary critics who have tried to link the female energy and eroticism of her poetry to the events of her life and death. Unfortunately, the focus on her personality, rather than on her remarkable talent, meant an unfortunate neglect of the poetry itself. In recent years, more enlightened critics (such as Magdalena García Pinto) have begun to address her work more appropriately."

Com a intenção de perceber nuances componentes da substância dessa poesia e, baseando-se nos estudos consultados sobre a temática agustiniana, foi levantada a incidência relativa a um montante de 21 palavras. O resultado desta apuração, abaixo demonstrado, aponta cada palavra acompanhada da respectiva quantidade de vezes em que aparece em toda a extensão dos textos selecionados: Amor (24); mar (12); fogo (24); loucura (3); vida, ora escrita com inicial minúscula, ora com maiúscula, (73); morte, ora escrita com inicial maiúscula e ora escrita com inicial minúscula (18); sol (19); a palavra sensualidade e seus derivados não constam dos 51 poemas. A palavra sexo aparece somente uma vez; e a palavra homem, vez alguma. A palavra noite, 33 vezes; boca, 27 vezes; lábios, 14; alma, 66; 9 vezes a palavra triste; sangue, 10; vinho, 5; mãos, 54; flor, 42; 9 vezes a palavra voo; 167 vezes o pronome tu; 77 vezes o pronome eu.

Dessa forma, e pelo resultado apresentado, torna-se possível uma leitura livre e mínima da poesia de Delmira:

Uma poesia que dirige sua mensagem lírico-amorosa para uma segunda pessoa, um receptor (tu). Portanto uma linguagem predominantemente poética e emotiva. O Amor é descrito pela poeta entre as figuras de uma antítese construída com os termos água/fogo: “Lo soñé impetuoso, formidable y ardiente;/hablaba el impreciso lenguaje del torrente;/era un mar desbordado de locura y de fuego,/rodando por la vida como un eterno Riego”.

O eu poético revela ao amado, objeto de sua paixão e delírio, o motivo desse amor: “Porque tu cuerpo es la raíz, el lazo/esencial de los troncos discordantes/del placer y el dolor, plantas gigantes”.

A expressão lírica do sujeito dos poemas evidencia-se nas 77 repetições do pronome eu e, nestes versos, inserido em uma paisagem cinzenta e gótica que se transformará em luz com a chegada do amado: “Yo sé que volverás, que brillará otra aurora/en mi horizonte grave como un sueño sombrío;/revivirá en mis bosques tu gran risa sonora/que los cruzaba alegre como el cristal de un rio”.

Os versos clamam 73 vezes por vida, um viver que no ser amado se resume: “-Yo no quiero más vida que tu vida,/son en ti los supremos elementos;/déjame bajo el cielo de tu alma,/en la cálida tierra de tu cuerpo!”, contra apenas 18 vezes a que se referem à morte: “Tan triste que he llorado hasta quedar inerte... /¡ Yo sé que estás tan lejos que nunca volverás! /No hay lágrimas que laven los besos de la Muerte...”

Trata-se de uma nesga de poesia que apresenta características voltadas para o íntimo da escritora, nuances estas demonstradas na incidência da palavra alma por 66 vezes. Nos versos destacados, a alma da poeta se confunde em contemplação da alma do ser amado: “Mi alma es, frente a tu alma, como el mar frente al cielo:/pasarán entre ellas, cual la sombra de un vuelo,/la Tormenta y el Tiempo y la Vida y la Muerte!”

Mãos é um vocábulo que se repete 54 vezes e proporciona ao leitor a sensação de toque, de suavidade e de sensualidade. Nos versos desta exemplificação, a entrega de amor da poeta é irrestrita, pois “Un día, al encontrarnos tristes en el camino/yo puse entre tus manos mi pálido destino./¡Y nada más hermoso jamás han de ofrecerte!”

O vocábulo flor representa na poesia de Delmira uma metáfora na qual, na maior parte das vezes, a poeta ampara a simbologia do sexo feminino. Neste exemplo ela convida o amado para doar-se mais voluptuosamente: “Vamos más lejos en la noche, vamos/donde ni un eco repercuta en mí,/como una flor nocturna allá en la sombra/me abriré dulcemente para ti.”

A luz que ilumina a atmosfera dos poemas é tênue e esfumaça-se na penumbra que se espraia harmonicamente pelas 19 vezes em que cita o sol: “Luego soñélo triste, como un gran sol poniente/que dobla ante la noche la cabeza de fuego;/después rió, y en su boca tan tierna como un ruego,soñaba sus cristales el alma de la fuente.”

Tal sombra é totalmente escurecida pela repetição da palavra noite 33 vezes, como em “-El triunfo de la noche. -De tus manos, más bellas, /fluyen todas las sombras y todas las estrellas, /y mi cuerpo se vuelve profundo como un cielo!”

Entretanto, nem sempre há sombras pairando sobre o cenário da poesia de Agustini. Agora o sol se avista em sua plenitude à presença do ser amado: “ -Pleno sol. Llueve fuego. -Tu amor tienta, es la gruta /afelpada de musgo,/el arroyo, la fruta, /la deleitosa fruta madura a toda miel.”

Delmira soube usar a arte poética para esconder a sua paixão, o que se observa em única referência ao vocábulo sexo e na contagem zero (0) para a palavra homem: “Sexo de un alma triste de gloriosa;/el placer unges de dolor; tu beso,/puñal de fuego en vaina de embeleso,/me come en sueños como un cáncer rosa...”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este sucinto esboço elaborado a partir da leitura de estudiosos da vida e da obra de Delmira Agustini oferece importantes subsídios para uma reflexão sobre a voz poética feminina, não apenas da época e do contexto em que viveu e escreveu Delmira, mas sua obra se torna, neste sentido, atemporal e reconhecível em toda parte onde houver uma mulher e, de forma mais contundente, se essa mulher escreve.

Apesar das ventanias da modernidade sobre a figura feminina, impossível seria negar duas realidades: 1. O contexto do início do século XX, quando Delmira Agustini escreveu sua obra e enfrentou a sanha da crítica e o policiamento sobre sua expressão poética e sua vida íntima. Vítima da violência secular contra a mulher, assim mesmo ela deixou registradas em versos a sua sede de amor e a sua paixão pela poesia; 2. O contexto da atualidade no qual ainda se tenta calar a voz feminina. As cartas de amor de Agustini revelam o seu grito desesperado e o seu destemor perante a sociedade. Essas cartas aí estão, testemunhas de sua alma em conflito. Os seus poemas expõem a sensualidade feminina ainda sob as sombras e as presilhas das metáforas da castidade.

Inúmeras e infindáveis leituras da obra poética de Delmira Agustini podem ser realizadas. Outros estudos continuarão a revelar a importância, também social, do papel de uma mulher que pagou com a vida o seu sonho e deixou a herança de sua poesia de amor. Sinto-a reviver ante meus olhos e, em homenagem à poeta, incluo a este texto o poema de um beijo que tanto desejou.

Boca a boca

Copa de vino donde quiero y sueño

beber la muerte con fruición sombría,

surco de fuego donde logra Ensueño

fuertes semillas de melancolía.

Boca que besas a distancia y llamas

en silencio, pastilla de locura,

color de sed y húmeda de llamas...

¡Verja de abismos es tu dentadura!

Sexo de un alma triste de gloriosa;

el placer unges de dolor; tu beso,

puñal de fuego en vaina de embeleso,

me come en sueños como un cáncer rosa...

Joya de sangre y luna, vaso pleno

de rosas de silencio y de armonía,

nectario de su miel y su veneno,

vampiro vuelto mariposa al día.

Tijera ardiente de glaciales lirios,

panal de besos, ánfora viviente

donde brindan delicias y delirios

fresas de aurora en vino de poniente...

Estuche de encendidos terciopelos

en que su voz es fúlgida presea,

alas del verbo amenazando vuelos,

cáliz en donde el corazón flamea.

Pico rojo del buitre del deseo

que hubiste sangre y alma entre mi boca,

de tu largo y sonante picoteo

brotó una llaga como flor de roca.

Inaccesible... Si otra vez mi vida

cruzas, dando a la tierra removida

siembra de oro tu verbo fecundo,

tú curarás la misteriosa herida:

lirio de muerte, cóndor de vida,

¡flor de tu beso que perfuma al mundo!

REFERÊNCIAS

http://www.thedrunkenboat.com/agustini.html

taniameneses e Roberto Carlos Bastos da Paixão/Vera Lúcia Maia
Enviado por taniameneses em 29/03/2012
Reeditado em 03/09/2012
Código do texto: T3582854
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