A Tragédia marcada pela possessividade na obra "São Bernardo" de Graciliano Ramos

A Tragédia marcada pela possessividade na obra "São Bernardo" de Graciliano Ramos

Introdução

A obra São Bernardo, de Graciliano Ramos, pode ser considerada como uma tragédia moderna, onde o protagonista, diferentemente de um herói de tragédia grega, é considerado um herói trágico moderno, pelo fato de possuir uma liberdade de escolha em um mundo aberto.

Podemos observar que a tragédia percorre toda a obra, desde a caracterização do cenário até aos fatos que acontecem na mesma. No início da obra, quando Paulo Honório decide escrever o livro, podemos observar que a tragédia já está ali anunciada, quando o mesmo diz: “Na torre da igreja uma coruja piou. Estremeci, pensei em Madalena”. A coruja, com o seu traço fúnebre, aparece como um aviso do que estar por vir no enredo da obra.

A presença constante da morte na obra é um forte traço da tragédia em São Bernardo. Tal tragédia é marcada pela constante dualidade: de um lado um homem grosso, rude, ignorante; e do outro uma professora doce, que acreditava na mudança do marido após o casamento.

Outra dualidade que marca a tragédia em São Bernardo é o sentimento que o protagonista nos desperta durante o decorrer da obra. Em alguns momentos, o comportamento frio e rude de Paulo Honório desperta no leitor o sentimento de repúdio e nojo. Já em outros casos, quando o mesmo se mostra “um resultado” do meio e do modo como viveu, ele chega a despertar o sentimento de piedade, até mesmo por se mostrar um fraco diante dele mesmo.

O comportamento do protagonista Paulo Honório, talvez condicionado pelo meio e pelo forte sentimento de desejo de posse teria causado o desfecho trágico da obra. Assim como o desejo de ter a fazenda como sua propriedade o leva a fazer coisas que despertam o ódio no leitor, o sentimento de total posse de Madalena faz nascer dentro dele o ciúme, levando-o a atormentar a esposa, induzindo-a a tomar uma atitude trágica e irremediável.

O que podemos observar é que, Paulo Honório pode ser considerado o vilão de sua história, onde ele foi o responsável pela morte de sua esposa, a partir de suas atitudes que levaram ao desfecho do romance e, também pela sua própria morte em vida. Porém para Paulo Honório, a vida continuava.

O presente trabalho vai tratar de que maneira o comportamento possessivo de Paulo Honório permanece em toda a obra, levando a antagonista Madalena ao desfecho trágico do suicídio.

Traços trágicos em “São Bernardo”

A obra São Bernardo se aproxima da tragédia pela maneira de narrar, concentrando a ação e agudizando as tensões. A obra tende a objetividade e a angústia aproximando-se do mundo interior da lírica. Ao realizar o equilíbrio entre o psicológico e o social, estabelece uma síntese entre o ‘eu’ e a realidade, construindo uma tensão dramática que irá culminar na tragédia final do livro, tragédia esta que segundo o depoimento de Paulo Honório é ao mesmo tempo interna e externa: “ O mundo que mim cercava ia se tornando um horrível estrupício. E o outro, o grande, era uma balbúrdia, uma confusão dos demônios, estrupício muito maior.” ( Cap.34).

Para realizar toda essa dramaticidade, Graciliano concentra-se em um só local - na casa grande da fazenda - os acontecimentos decisivos do romance. Seus personagens são típicos representantes do determinismo. Paulo Honório chega a confessar: “ Foi este modo de vida que mim inutilizou”, “ a profissão é que mim deu qualidades tão ruins”. ( Cap.36). A aceitação do destino é uma atitude que permeia todo o livro: “É tarde para mudar de profissão” ( Cap.2). Outra característica trágica é o orgulho desmedido: “ Nunca me arrependo de nada. O que está feito, está feito”. ( Cap.20). Essa ironia trágica, que leva o indivíduo a fazer o inverso do que ele quer, conduzindo-o a buscar o que irá lançá-lo na desgraça também pode ser constatada. No capítulo 12, quando encontra Madalena, precisamente o contrário da mulher que andava imaginando – “mas agradava-me, com os diabos”. É a repetição do Édipo, que, procurando salvar-se, vai cada vez mais se aproximando da sua inexorável perda.

No último diálogo entre Paulo Honório e Madalena, com subsequência o suicídio, cada um dos protagonistas fala de coisas diferentes. Neste capítulo (Cap. 31) ambas as personagens aparecem psicologicamente fragilizados, e absorvidos em seus problemas, nos transmitem a penosa imagem de dois cegos percorrendo uma cidade deserta: Madalena, recordando seu sofrido percurso; Paulo Honório iludindo-se com um futuro que não virá, faz planos que nunca se concretizarão. Entre os dois, o vazio, a falta de compreensão mútua; heróis trágicos caminham como autômatos porque “o destino conduz os que aceitam e arrasta os que a ele se opõem”.

Dos personagens de Graciliano Ramos o que mais se parece trágico é Paulo Honório, pois seu ideal de imobilismo tem a vontade ferrenha como instrumento. Com um homem como Paulo Honório pode acontecer o mais trágico dos argumentos: “Tudo daria certo se os outros não fossem dados a ter desejos e sentimentos diferentes dos meus”.

No entanto Madalena representa outro tipo de personagem trágico da obra: ela vê-se aliada a um monstro para dar continuidade à vida. Por ser ingênua, acha que a convivência conjugal pode melhorar Honório.

Percebemos enfim, que Paulo Honório e Madalena representam um casal trágico e são empelidos para o casamento e caem em uma ilusão certos de que os desejos individuais podem se sobrepor ao poder de uma forja de ruína.

Ele não pode abrir mão da insensibilidade, não pode ser sentimental, não pode permitir que a fraqueza pusesse a perder tudo que ergueu na base da força e da desconsideração. Ao ver Madalena Paulo Honório não pensou em amor, mas, sim em um útero onde engenharia o seu herdeiro.

A solidão como consequência da possessividade em “São Bernardo”

O desejo de posse é tão marcante em ‘São Bernardo’ a ponto do protagonista Paulo Honório se distanciar de todos. Ele passa a supervalorizar o dinheiro, os bens matérias, para este o mais importante seria o poder e a posse. Consequentemente torna-se mesquinho e ambicioso, não medindo esforços para se tornar o proprietário da fazenda São Bernardo.

É perceptível ainda que há a troca das pessoas pelo dinheiro, uma vez que Paulo Honório se isola de todos e passa a enxergar as pessoas apenas pensando no lucro que elas poderiam lhes oferecer.

Porém, em virtude do isolamento, Paulo Honório se torna um homem totalmente solitário. Sua imensa solidão faz presente já no final do livro quando este ao se sentir sozinho reconhece o quanto se achava superior aos outros e que tal fato fez com que todos se distanciassem dele, seu arrependimento chega a fazê-lo sofrer:

“Coloquei-me acima da minha classe, creio que me elevei bastante. Como lhes disse, fui guia de cego, vendedor de doce e trabalhador alugado. Estou convencido de que nenhum desses ofícios me daria os recursos intelectuais necessários para engendrar esta narrativa. Magra, de acordo, mas em momentos de otimismo suponho que há nela pedaços melhores que a literatura do Gondim. Sou, pois, superior a mestre Caetano e a outros semelhantes. Considerando, porém, que os enfeites do meu espírito se reduzem a farrapos de conhecimentos apanhados sem escolha e mal cosidos, devo confessar que a superioridade que me envaidece é bem mesquinha.” (Cap. 36, p. 182).

Pode-se perceber que o personagem mesmo estando arrependido de seus feitos procura justificá-los por meio de seu passado e sua vida árdua.

A solidão de Paulo Honório se alastra logo depois da morte de sua esposa Madalena e os amigos deixam de visitá-lo: “Faz dois anos que Madalena morreu, dois anos difíceis. E quando os amigos deixaram de vir discutir política, isto se tornou insuportável”. (Cap. 36, p. 189). Logo, aquele homem rude passa a sentir falta de algo que ele mesmo nunca valorizou, ou seja, a amizade dos amigos e o companheirismo de sua esposa.

Suas recordações e suas lembranças trazem o desejo de ter agido de maneira diferente com as pessoas que o rodeava, trazendo um sentimento de arrependimento, seu lamento é constatado em: “O que estou é velho [...]”. “Cinqüenta anos perdidos, cinqüenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros.”(Cap. 36, p. 181); ou ainda em: “Se não tivesse ferido o João Fagundes, se tivesse casado com a Germana, possuiria meia dúzia de cavalos, um pequeno cercado de capim [...]”. (Cap. 36, p.183).

A tristeza, o arrependimento e a solidão são tamanhas que Paulo Honório chega a confessar: “Hoje não canto nem rio. Se me vejo ao espelho, a dureza da boca e a dureza dos olhos me descontentam”. (Cap.36, p.183). O seu arrependimento com relação ao desamor por Madalena o faz querer voltar ao passado, porém ao mesmo tempo reconhece que não faria diferente, pois se julga incapaz:

“ - Estraguei a minha vida estupidamente. Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível recomeçarmos... Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que mais me aflige”. (Cap. 36, p.184 - 187).

É perceptível o quanto o desejo de posse por Paulo Honório acabou por destruir sua vida, uma vez que este a princípio só se preocupava com bens materiais. Tal fato o levou ao afastamento de todos fazendo-o cair em uma profunda solidão, pois ao final do livro ele está sozinho em devaneio as suas lembranças.

Considerações Finais

Diante do exposto, pode-se constatar que o romance ‘São Bernardo’ de Graciliano Ramos pode ser considerado de cunho trágico por diversos fatores, dentre os quais destacamos:

1) Seu protagonista Paulo Honório cresce sozinho, sem família, logo era um homem solitário;

2) Em ‘São Bernardo’ temos a “Hybris”= “Hubris” que é a auto-suficiência, arrogância elevada, o orgulho desmedido;

3) Há também a “moira” = “fatum” que é o destino. Para os antigos o destino é uma divindade controladora das demais. Não se pode fugir do destino. Paulo Honório ficava dizendo: “É meu destino”. Em sua cabeça tinha a predestinação;

4) ‘São Bernardo’ apresenta um final fechado, irreversível;

5) Há muito sangue presente na obra.

Portanto, pode-se perceber que de fato o romance se enquadra no trágico, pois os fatores acima apresentados são típicos do gênero Tragédia. Tais fatores aconteceram em virtude do desejo de posse por parte do protagonista Paulo Honório.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 32° ed. Rio, Record (1979).

Artêmia Pereira, Clarissa Costa Morais e Maria Renata Borges
Enviado por Artêmia Pereira em 27/03/2012
Reeditado em 27/03/2012
Código do texto: T3578447