Qual a idade de seu romance?
Qual a idade de seu romance?
Na primeira semana de março, recebi recado de uma colega Poetisa (RJ) dizendo estar se preparando para escrever um romance exaltando a Mulher. Apreciei bastante a idéia e dei-lhe a maior força. Até lhe ofereci alguns textos meus para ela extrair (difícil) algo útil. Mas ela alega que sua dificuldade em iniciar o trabalho se prende à questão de desejar escrever um “romance moderno”, cuja técnica ela ainda não domina plenamente. Fora a dificuldade de manter a vontade de escrever sempre latente.
Eu aqui na minha ignorância sobre a diferença entre idades de romances, assim lhe respondi.
Prezada Poetisa amiga!
Para mim, romance moderno é apenas uma nomenclatura para abrir espaço para novos autores. A vida é um ciclo que se repete em períodos diversos e muitas vezes sobrepostos. Observe as novelas de tv: não as vejo, mas acompanho os comentários entre minha esposa, nora, sobrinha e outras adeptas durante nossos encontros. Os temas são sempre os mesmos.
tema1 - dois jovens nascem numa cidade do interior onde duas famílias disputam o poder. O rapaz sai da cidade aos 18 anos para estudar numa faculdade de um grande centro. Volta aos 25 anos e no caminho se encanta por uma bela jovem que se encontrava em apuros perto da estação de trem. Mais tarde descobre que ela é filha do maior inimigo de seu pai. Depois de 280 capítulos e 2 ou 3 assassinatos, ambos se casam.
tema2 - O patriarca de uma rica família morre e deixa a imensa fortuna para seus 4 filhos. Na hora de repartir a herança surge um filho bastardo para levar sua parte. Três dos 4 filhos oficiais tramam alguma maldade contra este "penetra" que tem apoio do quarto filho, amante das artes. Após 350 capítulos o filho mais malvado morre e o bastardo se casa com a prima em segundo grau.
Tema3 - Uma Mulher assume a direção dos negócios que o pai lhe deixou. O irmão boêmio e incompetente para os negócios monta diversas situações para derrubá-la do poder. Inclusive ateia fogo no carro dela. Após 364 capítulos vai preso por denúncia da camareira do motel que filmou sua reunião com o contador da empresa da irmã. Esta Mulher se casa com o Detetive que solucionou o caso. Este tema entra na categoria de "romance moderno" porque a comunicação é via celular, o fogo é iniciado por controle remoto e a camareira tem filmadora.
Na verdade, a inveja, a raiva, o desejo, a injustiça, o perdão e outros atributos humanos são características mais antigas que o rascunho da Bíblia (temos até "antigo" e "novo" testamento - só não temos Papas jovens, infelizmente - figuras como a do Padre Marcelo não são bem vistas pela "Igreja"). O que muda são os artefatos que configuram os cenários. A panela de barro foi substituída pelo micro-ondas.
Portanto, seja lá em que categoria você acredita se encontrar, deixando sua imaginação, inteligência e sua facilidade de comunicação fluir sem preocupação com as amarras "burrocráticas", certamente você vai compor um lindo trabalho com alta qualidade. Não se ligue profundamente às técnicas que a preocupam. Altere-as. Adapte-as. Misture duas. Faça uma salada que passará a ser “sua” marca. Eu escrevo meus contos apenas preocupado com que os leitores os entendam. Mesmo que não os aprecie.
Não rotule seu romance de "antigo" ou "moderno". Deixe isto por conta dos "críticos literários", muitas vezes tão dispensáveis quanto alguns "consultores políticos" ou "comentaristas de futebol" que após o término da partida SEMPRE alegam que previram o resultado baseado em suas observações no decorrer da partida. Até eu posso comentar futebol usando o padrão de análise que eles utilizam.
Tenha certeza que estamos cercados de 1-7-1 em todas as esferas sociais, que procuram complicar o simples para "venderem" suas teorias "geniais". Criam caminhos sinuosos para depois afirmarem que possuem a fórmula mágica: a linha reta!
Quando estou com dificuldade para escrever, adoto uma medida simples: não escrevo! Aguardo uns 2 ou 5 dias. Pratico dezenas de atividades diversas, até que a vontade retorne. Acontece de repente. Não adianta se martirizar. Basta aguardar. Mas quando a vontade aparecer, dê prioridade a ela.
Também não é obrigatório sentar e escrever 20 páginas por dia. Umas 2 ou 3 já está bom. Afinal de contas, não temos prazo legal para cumprir. Não tem patrão torrando a paciência. Para você, se o material ficar pronto em 4, 6 ou 8 meses dá no mesmo. No meu caso, 2, 6 ou 9 dias.
Eu não tenho paciência em escrever um livro de romance com uma história longa. Sou mais ansioso para terminar uma descrição. Um belo dia eu observo que criei centenas de atividades divertidas ou crônicas e aglomero-as num bolo e apelido este pacote de "livro". Gasto uns 15 dias para colocar tudo numa ordem civilizada, com capa e prefácio.
Assim criei os 2 livros abaixo.
Quem é adepto da escrita, tem de possuir vontade de escrever. Ela tem de aflorar em períodos frequentes. Eu tenho vontade de escrever (artigos, contos ou poemas) umas 2 vezes por quinzena. Tem quinzena que eu escrevo 4 textos. Depois passo um mês sem escrever nada. Logo, esta frequência não tem lógica. Claro que seu intervalo é diferente do meu. Pode ser influenciado por acontecimentos incômodos em sua vida ou fases da Lua. Creio que você pode exercitar esta sua vontade de escrever da seguinte forma:
1 - No decorrer do dia (ou da semana) faça um resumo (use lápis e papel) de 10 linhas sobre algo diferente que tenha lhe acontecido (um arroz que você deixou queimar, um clips que caiu dentro da máquina de lavar roupa). Depois, sente-se em frente ao teclado e transcreva este rascunho. Acrescente umas 15/30 linhas ao fato. Inclua detalhes que poderiam ter ocorrido dentro do fato vivido. Releia e aumente 5 linhas a cada dia. Quando totalizar umas 80, pare. Releia. Troque palavras. Reduza alguns trechos.
Eu criei muitas crônicas com fatos que aconteceram com colegas de trabalho e inclui situações (que eles não praticaram) e isto virou uma historinha divertida.
2 - Após escrever uns 20 textos desses sem a preocupação de apresentá-los ao mundo, você vai perceber que juntando alguns deles numa sequência, terá uns 30% de uma provável história que pretenda alongar. A partir daí, ficará mais fácil encaixar novos personagens em novas situações e transformar este conjunto de crônicas num romance.
Com este compromisso com você mesma, escrever regularmente se tornará uma rotina apropriada para vencer a depressão, aliviar pressões externas, tornar-se habilitada a escrever a qualquer momento. Carregue sempre um bloquinho no bolso. Puxe conversa com os "veinhos" que em 5 ou 10 minutos lhe darão dezenas de idéias para diversas histórias. Escreva durante o engarrafamento, fila do banco, fila do mercado.
Depois que despejei este "tratado" de comportamento humano voltado para uma experiente Poetisa, antes de me atrever a enviar-lhe algo, pergunto-lhe:
Minha teoria vai lhe ajudar ou atrapalhar seu projeto?
Se a 2ª hipótese for verdadeira, rasgue este “tratado”!
Haroldo P. Barboza – Vila Isabel / RJ
Autor dos livros: Brinque e cresça feliz / Sinuca de bico na cuca