PREFÁCIO - "O POÇO DAS ALMAS" (2000, ED. UNIVERSITÁRIA/UFPEL, PELOTAS) - JOAQUIM MONCKS

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Uma capa de muita beleza estética


Cartografia da poética de Joaquim Moncks

      Já escreveu Guimarães Rosa, pela voz de  um de seus personagens, que viver é muito perigoso. Sobre o jogo de xadrez da existência, o poeta Fernando Pessoa, acionista comum do patrimônio de um povo que descortinou a gênese das leis da navegação, rememorou: “Navegar é preciso. Viver não é preciso”. Sua assertiva enseja um aparente paradoxo: viver não é preciso. Mas como, digam-me, viver não é preciso? Viver não é um imperativo, um verbo de intransitividade exposta?
      O poeta Joaquim Moncks sabe que viver é preciso, embora impreciso. Sua poesia em “O poço das almas” é o registro cotidiano e imperecível das imagens geradas pelo espelho da vida. Dessa vida que pulsa, que passa, que perpassa as coisas e os seres, na projeção sensível do sujeito debruçado sobre o objeto.
      Assim é o poeta no poema “No cais”, em que ele se mostra sem posto, “sem lenço nem documento", sem inferir a direção dos ventos e o curso da vida, da sua vida.
 Essa angústia “deságua” também em “Pipas ao vento”, em que tempo, canção, poesia e um desejo de consecução da ária positivista da humanidade fazem-no ansiar por um viver cujo esboço é tão improvável quanto ardentemente desejado.
      O pajador perseguido Atahualpa Yupanqui tinha uma noiva e um idílio com a liberdade. A poetisa Cecília Meireles escreveu: “Liberdade é uma palavra / Que o sonho humano alimenta / Que não há ninguém que explique / E ninguém que não entenda”. Para o poeta Joaquim Moncks, a liberdade é um instrumento necessário, mas de difícil tangenciamento: “Liberdade, viola de prata / tão pequena, que nem toca” (“Confissão”). Onde estão os homens capazes de tirar acordes de liberdade?
      O poeta, ao contrário do que se poderia pensar, não é o pai da poesia. Ele não a gera, é gerado por ela. Daí seu espanto e perplexidade diante do desfilar dos acontecimentos, tal qual o olhar do pai, que não domina o tempo nem é chamado a chancelar os acontecimentos de sua própria vida. Essa ternura por ele mesmo na figura de seu pai - “somos os que são ou que foram em nós” - leva-o a sentir  dolência e resignação em “Coisas inacabadas e o tempo de viver”.
      Em “Deboche” o criador sabe-se limitado, mas anseia pela única forma de imortalidade que lhe é permitida, a da poesia. E com ela, com suas caprichosas exigências de camarim, ele vai depositar suas fichas para comprar suas indulgências.
 É preciso que se diga, ainda, que o poeta não é um extraterrestre do mundo das ideias, um espectador que não tem expectativa, alguém que veja desdouro na praga da pragmática. Em “Troca”, ele recolhe o tapete que mistifica as desigualdades sociais, que intui colossais. Esse poema é emblemático da terceira parte de sua sinfonia, dedicada aos deserdados da sorte. É a ópera e o pranto dos desgraçados, dos anjos caídos.
      Mas nem só do aço duro da vida vive a poesia. Há o lirismo, o místico; há a amada. E não há melhor momento para encontrá-la do que na fusão passional de “O poço das almas”, quando a tessitura de dois formam um só, pleno, em êxtase, capaz de “ouvir estrelas”, de iluminar a palavra que relata e a disposição anímica de dois corpos. É um sentido novo, cuja ficção desanuvia entranhas e mentes, engendrando centelhas que desalojam a mesmice e instauram o reino do impossível/possível.
      Assim surpreendemos o poeta, ou somos surpreendidos por ele, em diversos momentos de sua sinfonia, composta de “Passionata”, “Te Deum” e “Miserere”. Mais do que uma obra de sugestão, de entrelinhas, é uma palavra que registra o mundo, o tempo e a si mesma com todas as letras. Cria e recria-se. É uma poesia de vivência, individual e pessoal, mas de marcas universais. É um navegante a orientar-se pelas próprias estrelas num firmamento comum como a dizer: “Viver é preciso. Navegar não é preciso”.






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Landro Oviedo
Enviado por Landro Oviedo em 14/03/2012
Reeditado em 14/03/2012
Código do texto: T3552877
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