OS CONFESSORES COM CULPA
A propósito da recente disposição da Igreja Católica em pedir perdão aos descendentes de índios e negros, pode-se fazer algumas reflexões acerca da dimensão de tal gesto e de suas conseqüências sobre uma série de compreensões que vêm vigendo no seio da sociedade brasileira em quase 500 anos de colonização.
Contudo, antes, devemos lembrar que este indício de posição tem alguns precedentes no seio da própria instituição, como a "Missa da Terra sem Males", uma liturgia original, com textos do bispo Pedro Casaldáliga e do poeta goiano Pedro Tierra e música do compositor Martin Coplas, descendente de indígenas, destinada a ensejar a autocrítica da Igreja no processo colonizatório.
Em relação aos negros, o escritor Herberto Salles, no livro "Os pareceres do tempo" explicita bem a cumplicidade do clero com a escravidão. Muitos de seus integrantes abençoavam as expedições predatórias, isso quando não eram acionistas das empreitadas, recebendo sua parte em negros, moeda corrente da época.
Confirmando-se essa guinada ótica da Igreja sobre a história, a definição de papéis entre mocinhos e vilões fica relativizada. Algumas perguntas se impõem.
Uma dessas questões é sobre os caciques das reduções jesuíticas, Sepé Tiaraju e Nicolau Neguiru, que enfrentaram os exércitos demarcatórios de Portugal e Espanha, apoiados estes pela Igreja. Caso se admita que eles estavam sendo vítimas de injustiça, a terra era dos índios e a resistência, legítima. E os jesuítas que os apoiaram espiritual e militarmente? Se eles secundaram uma causa justa, então têm de ser reabilitados perante a história. E se eles estavam certos e a Madre Igreja errada, então ela ajudou a ocupar e ocupa ainda hoje uma terra que é da Nação indígena. Portanto, seu pecado perante os céus e a terra ainda não cessou. Com isso, sua legitimidade perante o Criador fica, no mínimo, abalada.
Haveria ainda outras questões, como a celeuma criada em torno de um monumento a Sepé, dividindo historiadores gaúchos; a posição do pe. Vieira frente a índios e negros. Mas o assunto está no início e o artigo no fim.
Correio do Povo
Porto Alegre - RS - Brasil
PORTO ALEGRE, QUINTA-FEIRA, 3 DE JUNHO DE 1999.
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(Curso de Português)
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(Jornal Megalupa)