SOBRE O FAZER POÉTICO
Poesia é quando uma emoção encontra seu pensamento e o pensamento encontra palavras.
Robert Frost
Tentar definir ou conceituar a palavra poesia (do grego poiesis, de poiein – “criar, no sentido de imaginar”) é uma tarefa por demais delicada, considerando a dimensão subjetiva dessa temática. Através dos séculos e dos estilos de cultura, tentou-se firmar o conceito e os limites da poesia, cujas soluções apresentavam cada qual sua parcela de verdade, mas nenhuma aceita de forma definitiva e absoluta. Por outro lado, muitas das definições existentes, por mais diferentes que elas sejam em seus fundamentos, "encaixam-se" em múltiplas visões e se tornam até complementares entre si. Existem, ainda, alguns nítidos conflitos sobre a natureza e o propósito da poesia. Esses podem ser atribuídos mais a correntes, escolas, épocas e modismos, que a diferenças entre as diversas perspectivas pelas quais se pode tentar uma compreensão abrangente do tema.
A presença/necessidade da poesia para a humanidade é algo já sentido há muito tempo, desde quando Aristóteles, em sua Poética, buscava refletir acerca do objeto estético da arte poética. Sendo assim, parece simples formular uma definição para o termo poesia, mas sem a observância de certos princípios, torna-se algo perigoso. É preciso atentar para a essência que reside na arte poética, a fim de não se cometer qualquer equívoco de nomeação.
Em vistas do contingente de conceitos que tentam contemplar o fenômeno poético, estende-se aqui mais uma tentativa de se conceber o cosmo poesia em sua essência. Portanto, a poesia é a manifestação estética do fazer poético, cuja concretude reside e se edifica no objeto artístico – o poema. Por meio da palavra, a poesia ganha corpus e se liberta da abstração, habitando o mundo exterior, o plano do “não-eu”. Na concepção do poema, as ideias contempladas são particulares, subjetivas e, de certo modo, universais e verdadeiras. Porém, tais ideias beiram às margens do subjetivo do poeta, por isso é o reino do infinito do espírito, impalpável e sensível, que constitui o objeto da poesia.
A poesia é a transfiguração do sentimento, derramamento emocional. E uma das formas mais representativas da poesia é o lirismo que não é mais do que a expressão do “eu” poético. As palavras são meros instrumentos que edificam a grande construção poética. O espírito, inundado de sentimento e representação, apropria-se da palavra apenas para se objetivar enquanto exteriorização verbal. Portanto, a palavra é a carne da poesia. Por outro lado, tende a se afastar dela incessantemente, como um simples signo, para debruçar-se sobre si próprio. Por isso, a poesia tem sido espelho desse inquietante jogo de querer significar alguma coisa por meio o elemento verbal. Nesse cosmo vocabular, o signo se reveste de múltiplas significações. O segredo reside em protegê-lo da ferrugem do tempo, do imediatismo da realidade.
O antigo pensamento que se tinha acerca da poesia a restringia apenas a seu aspecto estrutural, observando a presença/ausência de rimas, estrofes com números constantes de versos, metrificação etc. O discurso da poesia, qualificava-se, pois, por sua natureza versificada. Se o verso, isto é, a linha melódica interrompida fosse suficiente para determinar a identidade da poesia, a simples aproximação visual do texto permitiria ao leitor classificá-lo como poético. O sentido da poesia não está no verso, ou na subjetividade do poeta ou no uso de metáforas e representações.
Outra ideia que comumente se atribui à poesia é a sua função afetiva, ou seja, a de suscitar apenas sentimentos, sem fazer o leitor refletir acerca do que lê. Há, ainda, concepções que caracterizam a poesia como ornamental, destinada a agradar e não a instruir, e como sintática, que valoriza a construção fônica, gramatical e semântica.
Contudo, o mais observado como coerente para se definir o discurso poético é seu caráter simbólico. A diferença entre a poesia e a “não-poesia” é estabelecida não pelo conteúdo, mas pela maneira de significar. Essa maneira está no uso das palavras no seu sentido de símbolos, isto é, na capacidade de exprimir o indizível, de realizar a fusão dos contrários, de ter valor intrínseco, em si mesmo, de não ser restrito a um sentido único.
É muito comum o pensamento que define a poesia como aquela que objetiva traduzir ou comunicar sentimentos, como o amor, a amizade, a perda, a beleza da vida. Fruto de uma concepção romântica de mundo, esse entendimento da poesia encerra o texto poético num universo altamente sentimentalista, cuja emoção frequentemente explorada nos textos é o amor. Por conta dessa crença, a avaliação dos poemas tende a considerar o texto como simples tradução dos sentimentos pessoais do autor. A beleza do texto não está unicamente centrada da subjetividade ou no sentimentalismo. Embora a força dos sentimentos seja muito grande na poesia, é a organização do texto, são as palavras elaboradas de forma inovadora que transportam com maior eficiência a beleza e o conteúdo subjetivo do poema. Mais do que sentimento, o que se pode afirmar é que a poesia, por intermédio da liberdade de expressão, investiga a alma humana, nela explorando as reações diante da realidade.
O leitor de poesia não é um simples leitor. Na maioria das vezes, ele se apresenta com grande potencial inteligível e sensível, diferentemente do leitor de prosa. Obras com linearidade, começo, meio e fim, são sempre mais fáceis de serem absorvidas. Já outras, com complexidade e dinamismo de significados, como é a poesia, demanda maior intento do leitor em captar sua essência, o que não deixar de ser uma tarefa difícil, porém atraente.
Quem lê poesia deve transformar-se provisoriamente num poeta, porque a leitura poética requer imaginação e a imaginação é a capacidade de criar imagens. Além disso, ao ler poemas, o leitor entra em contato com o poeta, questionando-o, dialogando e firmando a sua visão, atitude inteiramente arraigada no conceito poético. Geralmente, um leitor é fiel a determinado tipo de poesia, de um específico poeta. Contudo, ao poeta cabe a função de quebrantar conceitos. Nesse caso, é comum leitor e poeta entrarem em contestação. Mas é aí onde reside a essência da poesia e da própria vida. No instante em que um leitor se apaixona por um poema, aquele se apropria deste de modo muito especial, pois certamente guarda algo do próprio ser. Daí resulta a vontade de guardar num poema aquilo que se deseja guardar do próprio ser.
Já se sabe que a poesia, com o passar do tempo, foi deixando de ser um ofício particularmente trabalhoso e restrito a uma fatia da humanidade, considerando o lema hoje em voga laisser faire. Por outro lado, não é comum alguém dedicar-se exclusivamente a algo sem um motivo específico. Um hobby, uma atividade prazerosa, uma profissão fazem sentido. Mas, nessa conjuntura atual, parece que fazer poesia perdeu seu sentido.
Felizmente, são só aparências. Na verdade, o fazer poético nunca perdeu sua significância para quem o concebe. Isso porque quem faz poesia de verdade o faz porque, em algum momento da vida, teve contato estético revelador com certo poema. E essa experiência com o poético, de alguma forma, revelou-lhe o que a poesia é capaz de ser, ou ainda, o que o ser é capaz de ser.
É a potência do encantamento da palavra do poeta que o torna um ser tão humano quanto inatingível. E é nesse chão da linguagem, isto é, na postiça e requintada disposição das palavras, que o poeta tenta encurtar o cântico entre o signo e a representação, o objeto e sua essência, ofertando a comunicação absoluta da vivência imaginativa no verbo. Ao poeta cabe o ensaio da comunicabilidade pela imaginação, valendo-se de meras palavras. O texto poético permite tal intenção, ao conceder à linguagem a capacidade de se manifestar atuante sobre o pensamento, ciente de que esse duelo é vão e jamais se resolve.
A construção e desconstrução de palavras, na busca por efetivar a linguagem poética de um cosmo de brevidade, desvelam o poder criativo do poeta, que deseja ver com olhos de outrem o signo, no qual conexões insólitas entre as palavras postas em jogo produzem uma emoção que outras palavras não provocam. Invadir a linguagem, para rasgar o véu da aparência, é uma atitude presente no fazer poético, o qual se revela como uma ciência que bate à porta do humano, cuja chave é a sugestão em vez da afirmação, sedução no lugar de prova.
Existe certo subjugo acerca da poesia, não raro tratada como piegas ou até sentimentaloide, resquício da cultura romântica na qual boa parte das pessoas está imersa. Por vezes, subestima-se o poder humanizador que reside na arte poética. O ser humano, desde quando inicia sua jornada terrena, padece da maior de todas as angústias: a angústia do tempo. A consciência da finitude e a certeza da morte espreitam a “carcaça do homem”. Porém, a poesia não sofre esse desgaste, ela está fora do tempo. Uma emoção, inspiração, ou mesmo uma visão são passageiras. Mas quando apreendidas numa manifestação artística, como é a poética, a obra “segura” o tempo, fazendo do instante um eterno “hoje”. Além disso, a poética apresenta a qualidade perseguida inquietantemente pelo homem: a unidade do ser. A vida do sujeito moderno é visivelmente fragmentária. Por isso, a busca humana pela eternidade, pela imortalidade, pelo instante que perdure sem influência dessa solução de continuidade. E o que mais se aproxima disso é a arte, no caso, a poesia. Eis, pois, o pão espiritual descido do céu. Nesses séculos que se arrastam, entre guerras, revoluções e grandes movimentos sociais, é uma dádiva desenvolver a fecundidade da poesia beirando fronteiras inimagináveis. Assim, o homem moderno tem confrontado-a de maneira que fere ou é ferida, ora na solidão de seu ser, ora na massa montanhosa de pessoas que o circunda.
A definição dada à experiência poética transborda o sentido de que esta é a arte do jogo das palavras que, repletas de ritmos, sons, cores, cheiros, gostos e manifestações líricas e míticas, fermentam-se na procura por significado, este sempre “inconcluso”. Diferentemente, a linguagem cotidiana dissolve-se ao ser vivenciada, cedendo lugar a um sentido concluído. Já a linguagem poética é insuflada para ser como uma Fênix, que renasce das próprias cinzas, vindo a ser infinitamente o que acabara de ser.