O ETHOS RACISTA NO DISCURSO LOBATIANO: UMA QUESTÃO DE ESTILO
O ETHOS RACISTA NO DISCURSO LOBATIANO: UMA QUESTÃO DE ESTILO
Fabília Aparecida Rocha de Carvalho *
RESUMO
Neste projeto propomos que seja ministrada, na disciplina Metodologia do Ensino de Língua e Literatura, a análise do estilo nas obras literárias, de acordo com teoria preconizada por Discini (2004), na esteira da semiótica greimasiana (Barros, 2004). Debruçamos-nos, também, sobre a questão da inclusão social, norteando-nos no artigo “A personagem negra na literatura brasileira, uma abordagem crítica” de Lúcia Maria de Assunção Barbosa (in Abramowics et al., 2006) . Para tanto, a psicologia de um autor não interessa, mas, sim, todos os recursos utilizados por um sujeito que monta um simulacro e, dessa maneira, constrói uma voz própria, com um tom definido, situada num determinado espaço social. Assim, escolhemos algumas obras de Monteiro Lobato, como exemplo, cujo conteúdo pode ser considerado racista, já que personagens brancas e negras cumprem estereótipos em que a primeira é tratada de maneira eufórica e a segunda de maneira disfórica. Cabe, então, aqui ressaltar o simulacro e o “fingimento estético”, e a questão do ethos que perpassa esse conjunto de obras, entendendo ainda como ethos o efeito de individuação que constrói o ator da enunciação dessa totalidade.
Palavras-chave: Estilo. Ethos.
I. INTRODUÇÃO
Analisar obras literárias requer sensibilidade, porém o conhecimento de um arcabouço teórico oferece competência para o analista estender sua visão muito além do julgamento do senso comum ou de uma leitura ingênua. Neste artigo sugerimos um modelo de análise literária baseado na noção de estilo, de acordo com Discini (2004) que propõe uma análise de estilo na esteira da semiótica greimasiana.
Esse método de análise pode fazer parte do conteúdo da disciplina “Metodologia do Ensino de Língua e Literatura”, oferecendo ao futuro professor uma ferramenta que lhe fará ter novos olhares sobre os textos literários de qualquer gênero. Ele será capaz de perceber nos autores qual a unidade de sentido que permeia a maioria de suas obras ou blocos de obras, já que, segundo Discini (2004), um autor pode ter vários estilos.
Escolhemos Monteiro Lobato justamente para podermos também trabalhar a questão da “diferença”, já que encontramos na totalidade se sua obra, um corpus que vai ao encontro dos fatos de inclusão social.
Dessa forma, o professor licenciado em Letras, poderá optar por abordar em sala de aula obras escolhidas e investir mais na capacidade crítica do seu aluno, aguçando-lhe a sensibilidade, do que fazê-lo decorar períodos literários, principais autores e suas principais obras como vem sendo ensinado Literatura até o momento, segundo Cereja (2005).
O método contempla os seguintes passos: a) escolha de um autor; b) seleção de obras desse autor; c) análise dos níveis do percurso gerativo do sentido; d) conclusão sobre o estilo de um corpus, segundo o ethos.
1.1. Sobre o estilo
De Aristóteles (384 a.C-322 a.C) aos nossos dias, a definição de estilo tem tomado vários caminhos. Afirma o pensador grego “que o estilo precisa ter um ar de estrangeiro, pois os homens admiram o que vem de longe e a admiração causa prazer.” (Aristóteles s/d, p. 208)
Pontuamos o pensamento de alguns estudiosos sobre o estilo, salientando que já houve dois segmentos em relação a esse assunto: os do que atribuíam o fato de estilo somente à língua, representado por Charles Bally, e os que o atribuíam aos textos literários, representados por Leo Sptizer, Dámaso Alonso, Raul Castagnino e Wolfgang Kayser.
Charles Bally (apud Discini, 2004) afirma que um mesmo conteúdo pode ser expresso de diferentes modos, já que no plano intelectivo ou linguístico a informação é neutra, porém no plano afetivo ou estilístico reside a suplementação subjetiva do que foi dito. Funda o autor a dicotomia estilística linguística vs. estilítica literária.
Porém, é a sistematização sobre as partes componentes do sistema retórico de Aristóteles, inventio, dispositio, elocutio e actio, que retomamos, quando as reflexões sobre o estilo se debruçam não apenas sobre o que o texto diz, mas como o texto diz o que diz. Nesse sentido, a autora afirma:
Observando a insistência no juízo de valor sobre o estilo, no trabalho bem composto e de boa qualidade, afirmamos que talvez se possam retomar as partes componentes do sistema retórico numa proposta de conceituação de que estilo junte inventio, dispositio, elocutio, actio e também memoria. Essa proposta apóia-se no princípio de que a linguagem humana constrói mundos; de que a propriedade da linguagem é indissociável do homem; de que, como diz Benveniste (1995:286), ‘é na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito’; ou de que a ‘subjetividade’ ‘é ego que diz ego’. Assim sendo, o sujeito que faz, ou que é determinado estilo, pode ser re(construído) numa totalidade de discursos enunciados. Estamos num percurso inverso ao demonstrado, pois vamos do estilo ao sujeito. (DISCINI, 2004, p. 17)
Discini (2004) propõe que o estilo deva ser encarado como efeito de sentido, produzido no e pelo discurso, reconhecido pelo fazer interpretativo de um enunciatário, cúmplice de um sujeito da enunciação, para que, juntos construam um efeito de individuação e que venha da recorrência formal das relações na construção do significado, o resultado da própria individuação. Propõe também refletir sobre o estilo enquanto construção de um sujeito por uma totalidade de discursos.
Isso significa que o estilo de um autor pode ser depreendido de um corpus onde haja uma redundância de traços que caracterize um fato, o “fato de estilo”. Essa redundância pode ser observada pela tematização e pela figurativização no nível discursivo do percurso gerativo de sentido e, consequentemente, pela recorrência das oposições semânticas do nível fundamental dos textos, bem como pelas “paixões” depreendidas no nível narrativo.
O estilo pode ser apontado na análise de, no mínimo, três obras de um autor. Isso se justifica pelo fato de haver escritores que apresentam vários estilos diferentes, caracterizando fases distintas de sua produção literária.
Afirma ainda a pesquisadora:
Estilo é a recorrência de traços de conteúdo e de expressão, que produz um efeito de sentido de individualidade, portanto:
a) o estilo é apreensível numa totalidade;
b) o estilo é um fato diferencial;
c) o efeito de individualidade permite a construção do ator da enunciação;
d) o ator da enunciação manifesta-se por um ethos (um caráter, que pressupõe um corpo e uma voz);
e) o estilo é um modo recorrente de referencialização da enunciação no enunciado;
f) o estilo constrói-se sobre outro estilo e, por isso, mostra seu direito e seu avesso. (DISCINI, 2004, p.31)
Ao que acrescentamos que o estilo é constitutivamente dialógico, visto que a interdiscursividade perpassa a totalidade de onde se depreende o fato de estilo.
1.2. Sobre o ethos
Para Maingueneau (2002), o texto “encarna” as propriedades comumente associadas ao leitor a que se destina, ou seja, a palavra vem de alguém que, por meio dessa palavra, demonstra possuir as qualidades do leitor evocado no próprio texto, provocando, assim, a sua adesão.
Afirma Discini (2004) que o eu referencializado no enunciado de uma totalidade representa convocações enunciativas que são sociais, históricas e culturais, o que nos leva a depreender, no texto literário, esse corpo que é o ethos, esse efeito de individualização que constrói o ator da enunciação.
II. DESENVOLVIMENTO
Para a análise, escolhemos algumas obras de Monteiro Lobato em que o discurso racista predomina. O fingimento estético nos leva também a classificar esse fato literário relacionado a ML como uma questão de “ethos”, de acordo com a definição de Mainguenau (2002) e de Discini (2004). Constam do corpus os contos: Bocatorta, Bugio moqueado, Negrinha, O jardineiro Timóteo e a novela O presidente negro ou o choque das raças.
2.1. Resumo das obras
2.1.1. Bocatorta
Em Bocatorta, a história se passa num lugarejo chamado Arraial do Atoleiro, onde havia uma fazenda do mesmo nome, por causa de um pântano de profundeza mortal ali existente, o Atoleiro do Inferno. Os protagonistas são os habitantes da fazenda, o Major Zé Lucas, sua esposa D’Ana, sua única filha Cristina, o capataz Vargas, o primo e noivo da moça, que estava lá a passeio. Nesse lugar, corria o boato de que uma criatura negra, esteticamente horripilante, habitava as matas das redondezas. Eduardo, o noivo de Cristina, moço da cidade e incrédulo, propõe à família irem constatar in loco a propalada feiura de Bocatorta. Cristina, que sentia asco só em ouvir o apelido do “negro”, o terror de seus pesadelos desde a infância, por conta dos “causos” contados pelas mucamas, não era conivente com a ideia, porém, incentivada pelo noivo, decide ir. Mas ao se deparar com a horrorosa criatura, a mocinha sensível demais, que além do susto ainda toma um chuvisco, adoece e morre. E qual não foi a surpresa da família ao encontrar Bocatorta beijando o cadáver da moça, após ter violado o seu túmulo. Tentam caçá-lo, porém durante a fuga, ele cai no Atoleiro do Inferno e morre.
2.1.2. Bugio moqueado
Em Bugio moqueado, o coronel Teotônio ouve da mulata Liduína que sua esposa o estaria traindo com o ex-escravo Leandro. Mesmo sem constatar a veracidade da denúncia, o coronel manda matar o negro, assa-o, moqueia-o e todos os dias, serve-o como refeição a sua mulher.
2.1.3. Negrinha
Negrinha era uma menina negra de sete anos de idade, filha de ex-escrava e criada pela patroa Dona Inácia. Nascida na senzala e crescida na cozinha junto com a mãe, desde tenra idade sofria toda a sorte de maus tratos por parte da patroa que , inclusive, não permitia que ela brincasse. Morre-lhe a mãe quando tinha quatro anos, não modificando sua condição; seu único divertimento era ver e ouvir o cuco marcar a hora no relógio da sala, lugar onde era obrigada a ficar horas imóvel. Mas seu mundinho sofre uma transformação quando chegam para passar férias na fazenda duas sobrinhas da patroa, trazendo seus brinquedos. Negrinha, extasiada, vê pela primeira vez uma boneca loira. Também, pela primeira vez, com o inacreditável consentimento de Dona Inácia, a menina brinca. O contato com as meninas e com a boneca faz com que ela tome consciência de si própria e, consequentemente, quando as visitas partem levando o brinquedo, ela adoece e morre.
2.1.4. O jardineiro Timóteo
No conto O jardineiro Timóteo, temos como personagem um negro velho cujo único bem na vida era seu jardim, no qual ele representava, por meio das flores, não somente as pessoas da casa grande e da senzala, como também os acontecimentos marcantes. Um belo dia, os senhores vendem a fazenda e os novos proprietários, egressos da cidade grande, consideram ultrapassado aquele jardim, que era o coração de Timóteo, e o destroem, provocando, desta forma, a morte do jardineiro negro.
2.1.5. O presidente negro ou o choque das raças
Na novela “O presidente negro ou o choque das raças ”, Airton, um simples carioca, ao viajar pelas redondezas da cidade do Rio de Janeiro, sofre um acidente de carro. É socorrido por um cientista que morava com a filha neste lugar afastado. O pesquisador havia construído uma máquina que permitia observar o futuro. Ele morre, a máquina é destruída, porém sua filha, Miss Jane, conta para o rapaz, que recebera do pai moribundo a incumbência de escrever um livro, o episódio do futuro que mais a impressionara: a eleição do 88 º presidente dos Estados Unidos, no ano de 2228.
A população norte-americana desta época primava pela perfeição física e intelectual. A exemplo do nazismo, os deficientes físicos ou mentais eram mortos ao nascer e somente eram aceitos imigrantes europeus que, comprovadamente, tivessem QI superior e extrema beleza física. Os Estados Unidos eram a maior potência mundial, já que os países da Europa haviam se arruinado por terem aceitado a imigração dos povos amarelos.
Na América do Sul, o sul do Brasil havia se separado no norte, progredido e feito aliança com os países às margens do Rio Paraná. O norte havia acabado em consequência da mistura das raças.
Havia, porém, algo que manchava o orgulho dos norte-americanos: a presença de 54% de negros na população. Esses negros eram “despigmentados”, visto que a ciência havia descoberto uma maneira de suavizar-lhes a cor da pele, que se parecia com “barata descascada”. Embora procurassem uma solução para os cabelos de carapinha, ainda não a haviam encontrado. A única personagem negra descrita e com voz na narrativa é o herói negro Jim Roy, líder de 108 milhões de pessoas.
Os negros reivindicavam a parte do país que lhes cabia por direito. Para essa reivindicação, havia duas soluções: a solução negra e a solução branca. A solução negra era o norte para os brancos e o sul para os negros, e a solução branca era varrê-los do país, deportando-os para a Amazônia.
Os 206 milhões de brancos estavam divididos em homens e mulheres porque as mulheres, feministas, haviam descoberto que não pertenciam à espécie homo sapiens: os homens haviam desdenhado suas fêmeas naturais e raptado as atuais de uma outra espécie. Dessa maneira, quando chega o momento de eleger o 88º presidente dos Estados Unidos, havia dois partidos concorrente: o dos homens brancos e o das mulheres brancas. Ambos necessitavam, portanto, do apoio de Jim Roy. O líder negro, porém, elege-se no último instante, ganhando as eleições.
Diante da ameaça de entregar o país aos negros, homens e mulheres se aliam e estudam uma forma de impedir “o sonho branco de dominação” ao negro. Assim, finalmente, um cientista desenvolve uma fórmula para “alisar” as carapinhas negras à qual, rapidamente, toda a população se submeteu, já que, como explica o narrador, ter “cabelos lisos”, era o sonho de todo negro.
No dia da posse do novo presidente, o líder negro recebe a visita do líder branco que diz a Jim Roy que embora o admirasse, iria assassiná-lo. Tranquilamente, o negro o adverte que a maioria negra no país era um fato, portanto poderia matá-lo porque a raça negra continuaria, ao que o adversário responde que não, pois naquelas aplicações utilizadas para o alisamento das carapinhas havia um agente esterilizador. Foi o fim da raça negra.
2.2. Análises
Nos textos analisados, depreendemos no nível fundamental a oposição de sentido dominantes vs. dominados, de maneira que o eixo dos dominantes é eufórico e o dos dominados disfórico, perfazendo a seguinte isotopia:
Dominantes
(+) Dominados
(-)
brancos negros
ricos pobres
patrões subalternos
forte fraco
vida morte
Em Bocatorta, temos de um lado, no nível discursivo, a figurativização do poder, representada pela personagem Major, dominante, branco, do sexo masculino, patrão, forte, com direto a sobreviver. Na sequência, Eduardo, com os mesmos traços e Vargas, o capataz, que é branco menos dominante por apresentar os traços “pobre” e “subalterno”. Em seguida, as personagens mulheres, Dona Ana e Cristina, já que na escala do poder, elas vêm depois dos homens e, por último, Bocatorta no eixo diametralmente oposto ao Major, negro, pobre, subalterno, fraco e sem direito à vida.
Já em Bugio Moqueado, o poder é figurativizado pelo terrível coronel Teotônio que reúne os mesmos traços do Major, apenas diferindo dele na enfática maldade, seguido de sua esposa, a “morta-viva” e, por último Leandro, o ex-escravo e empregado negro que levou uma surra com rabo de tatu, uma novena de chicote com pimenta em cima, morreu, foi moqueado como um bugio e comido pela patroa.
Os traços da personagem Negrinha afrontam com os traços das outras personagens da obra, especialmente com as que são apresentadas como crianças também, que são as sobrinhas de Dona Inácia. Além das oposições adulta/branca/rica/patroa vs criança/negra/pobre/subalterna que diferenciam Negrinha e Dona Inácia, crianças/brancas/ricas/patroas caracterizam as sobrinhas oferecendo significado maior aos eixos negra x brancas e pobre x ricas.
Timóteo era um velho negro jardineiro, fraco, que morre após seus patrões brancos, ricos e fortes terem vendido a fazenda e destruído seu jardim.
Temos, portanto a figurativização dos dominantes e dominados no nível discursivo.
No nível narrativo, podemos pensar a questão das paixões na forma como os sujeitos manipuladores conduzem as personagens à performance. O sujeito manipulador das personagens é o poder, tomado como propriedade de um estereótipo em detrimento de outro. Dessa forma, o major de Bocatorta é o mantenedor desse poder, recebendo até uma sanção negativa, a morte da filha, por desafiá-lo, visto que, a princípio, defendia o negro. Em Bugio moqueado, o coronel Teotônio; em O jardineiro Timóteo, os proprietários da fazenda e em Negrinha, Dona Inácia e suas sobrinhas, estas claramente representando a continuidade, a imobilidade de uma situação social. Aos fortes, a impunidade e a vida; aos fracos, a punição e a morte, ou seja, os sujeitos que cometem os crimes não recebem nenhum castigo, porém aos negros é reservada a morte. Bocatorta corre para morrer no “Atoleiro do Inferno” como um vade retro ad locum tuum .
A novela O presidente negro ou o choque das raças representa a culminância da análise. Nessa obra, a manutenção do poder pelo estereótipo considerado dominante e a descrição dos tipos chegam ao clímax. As oposições entre branco e negro, patrão e subalterno, forte e fraco, vão se figurativizando no nível discursivo, na construção das personagens que simbolizam os dois lados. O poder é defendido, como nas outras narrativas, até além da morte do fraco, já que ocorre a extinção da raça negra.
Firma-se, então, um do estilos de “Monteiro Lobato” , ora apontado como o ator da enunciação: um discurso racista que corresponde ao ethos de seu tempo.
III. CONCLUSÃO
Ao optar por um enunciador cuja voz veicula o discurso racista, o ator da enunciação a reconhece como eco da formação ideológica brasileira, ou seja, é a questão do ethos que o leva por esse caminho. Se, nos contos analisados, contando “causos” que ocorrem no Brasil recém-saído da escravatura, as personagens negras morrem, na novela, em que os fatos ocorrem nos Estados Unidos, os negros são condenados à extinção. Porém, a individuação é definida pelo corpus analisado, que nos remete ao ator da enunciação.
A análise, portanto, revela-nos vozes que ressoam em sintonia com aquelas reais que ecoavam no período que Lobato escreve essas obras.
Dessa forma, o método aqui proposto pode ser desenvolvido pelos acadêmicos para estudar o estilo de qualquer autor, de qualquer gênero, literário ou não, lembrando que é necessário algum conhecimento sobre o percurso gerativo de sentido, preconizado por Greimas (apud Barros, 2005), bem como domínio de aspectos inerentes tanto à semiótica como à Análise do Discurso como dialogismo, heterogeneidade, polifonia, intertextualidade e interdiscursividade que podem ser abordados pelo docente que ministrar a disciplina Metodologia do Ensino de Língua e Literatura.
A conclusão da análise desse corpus com foco nas questões de estilo ainda aponta o alinhamento desta proposta com as diretrizes curriculares das licenciaturas, pois contempla uma abordagem que motiva o trabalho com aspectos relacionados à pluralidade cultural, à ética e cidadania e ao gênero, raça e etnia, podendo fazer parte de projetos interdisciplinares. Atende, ainda, a lei 10639/03 que exige incluir estudos sobre o negro no ensino de Literatura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, Lúcia Maria de Assunção. O personagem negro na literatura brasileira: uma abordagem crítica. In: ABRAMOWICZ, Anete et al (orgs.). Educação como prática da diferença. Campinas:Armazém do Ipê, 2006. p. 90-104.
AZEVEDO, C.L. et AL. Monteiro Lobato: furacão na Botocúndia. São Paulo:SENAC, 2000.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. 4.ed. Sâo Paulo:Ática, 2005.
CEREJA, William Roberto. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com literatura. São Paulo: Atual, 2005.
DISCINI, Norma. O estilo nos textos. São Paulo: Contexto, 2004.
HONORATO DE OLIVEIRA, Fabília Aparecida Rocha de Carvalho. De Negrinha a Tia Nastácia: um estudo sobre as personagens negras na obra de Monteiro Lobato. 2001. 199 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Araraquara, 2001.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação.Tradução de Cecília P. de Santana-e-Silva e Décio Rocha. 2.ed. São Paulo:Cortez, 2002.
MONTEIRO LOBATO, José Bento. Bocatorta. In:_________. Urupês. 30.ed. São Paulo:Brasiliense, 1994.
___________. Bugio moqueado. In: _________. Negrinha. 30.ed. São Paulo:Brasiliense, 1994.
___________. O jardineiro Timóteo. In: ________. Negrinha. 30.ed. São Paulo:Brasiliense, 1994.
___________. Negrinha. In:_________. Negrinha. 30.ed. São Paulo:Brasiliense, 1994.
___________. O presidente negro ou o choque das raças.
GLOSSÁRIO
Actante: unidade sintática que enfeixa, no nível narrativo, os movimentos do sentido, ainda generalizados do nível fundamental .
Ator da enunciação: efeito de sujeito criado pela enunciação, que se define pela totalidade de seus discursos, simulacro do eu que fala que não é o indivíduo biografado ou o autor empírico.
Dialogismo: propriedade que os discursos possuem de se construírem sempre sobre outro discurso.
Discurso: é o plano do conteúdo do texto, que resulta da conversão, pelo sujeito da enunciação, das estruturas sêmio-narrativas em estruturas discursivas. O discurso é, assim, a narrativa “enriquecida” pelas opções do sujeito da enunciação que assinalam os diferentes modos pelos quais a enunciação se relaciona com o discurso que enuncia.
Disforia: é um dos termos da categoria tímica euforia vs. Disforia, categoria que modifica as categorias semânticas. A disforia marca a relação de desconformidade do ser vivo com os conteúdos representados.
Enunciação: é a instância da mediação entre as estruturas narrativas e discursivas que, pressuposta ao discurso, pode ser reconstruída a partir das pistas que nele espalha; é também mediadora entre o discurso e o contexto sócio-histórico e, nesse caso, deixa-se apreender graças às relações intertextuais.
Enunciado: é o objeto textual resultante de uma enunciação.
Enunciador: desdobramento do sujeito da enunciação, o enunciador cumpre os papéis de destinador do discurso e está sempre implícito no texto, nunca nele manifesto.
Enunciatário: uma das posições do sujeito da enunciação, o enunciatário, implícito, cumpre os papéis de destinatário do discurso.
Estilo: a recorrência de traços de conteúdo e de expressão, que produz um efeito de sentido de individualidade.
Ethos: efeito de individuação criado pelo ator da enunciação numa totalidade.
Euforia: é um dos termos da categoria tímica euforia vs. Disforia, categoria que determina as categorias semânticas. A euforia estabelece a relação de conformidade do ser vivo com os conteúdos representados.
Figurativização: é o procedimento semântico pelo qual conteúdos mais “concretos” (que remetem ao mundo natural) recobrem os percursos temático abstratos.
Nível Fundamental: o nível das estruturas fundamentais é o ponto de partida do percurso gerativo de sentido de um texto e, nele, determina-se o mínimo de sentido a partir de que o discurso se constrói.
Nível Narrativo: o nível das estruturas narrativas é a etapa intermediária do percurso gerativo do sentido de um texto e, nele, representam-se ou simulam-se, como em um espetáculo, o fazer do homem que transforma o mundo, suas relações com os outros homens, seus valores, aspirações e paixões.
Nível Discursivo: o nível das estruturas discursivas constitui o patamar mais superficial do percurso gerativo de sentido de um texto, o mais próximo da manifestação textual. As estruturas discursivas, “enriquecidas” semanticamente, são mais específicas e mais complexas que as estruturas narrativas e fundamentais.
Isotopia: é a repetição de unidades abstratas em um mesmo percurso temático.
Paixão: entende-se a paixão como um efeito de sentido de qualificações modais, que, na narrativa, modificam a relação do sujeito com os valores. O querer-ser, por exemplo, pode produzir o efeito de sentido da ambição.
Percurso gerativo de sentido: para construir o sentido do texto, a semiótica concebe seu plano do conteúdo sob a forma de um percurso de engendramento do ou dos sentidos, que vai do mais simples ao mais concreto e que se organiza em níveis ou lugares de aticulação da significação, passíveis, cada qual, de descrição autônoma.