POÉTICA
POÉTICA
POEMA E POESIA
Ao texto composto em versos dá-se o nome de poema, que tem por objeto a expressão do belo através da palavra.
Não se deve confundir poema com poesia. Poema é a forma, a roupagem do texto. Embora não se possa defini-la, podemos dizer que poesia é a carga de sentimentos suscitados no leitor, no ouvinte ou mesmo no expectador ante algo incomum. Há, portanto, poesia em tudo o que nos rodeia, mas precisamos de sensibilidade para captá-la. Por isso se diz também que há poemas sem poesia e que pode haver textos em prosa carregados de poesia.
Quando os versos, embora perfeitos em sua forma, não passam de jogos de palavras que não despertam sentimento algum, temos um poema sem poesia.
Quando, porém, um texto, embora estruturado livremente, sem atender às normas da versificação, impressiona profundamente, temos a poesia em prosa. Nem é preciso chegar-se ao esmero da prosa ritmada de Iracema, de José de Alencar, cujos períodos podem ser divididos em versos de seis ou de sete sílabas, como se vê abaixo.
Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba:Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros:
Verdes mares bravios\ de minha terra natal,\ onde canta a jandaia\ nas frondes da carnaúba: Verdes mares, que brilhais\ como líquida esmeralda\ aos raios do sol nascente,\ perlongando as alvas praias\ ensombradas de coqueiros:
Veja quanta poesia há no parágrafo transcrito a seguir, com o qual Oswaldo R. Cabral conclui o primeiro capítulo de seu livro - A campanha do contestado: "Quando o Acordo foi assinado, o mal já havia sido feito... Sobre os escombros dos redutos ainda pairava o fumo dos incêndios. E, no fundo dos vales, à beira dos caminhos, na sombra das florestas, cruzes recentes diziam que a terra disputada ainda não consumira os corpos dos que haviam caído na luta."
Veja também este outro, início de um discurso de Dom Aquino Correia: "Aí jaz a nossa terra, qual a marabá das tabas, aguardando, ainda no esplendor primitivo de sua beleza, o ósculo resplandecente da poesia e da arte com seus filhos a sagrem definitivamente para a glória!"
MODERNISMO E VERSO LIVRE
Os poetas modernistas, influenciados por ideais franceses do século XIX, insurgiram-se contra a rigidez das regras tradicionais de versificação e aboliram-nas como sendo máscaras inúteis para a expressividade do poema, criando o verso livre.
No Brasil o movimento modernista se impôs a partir da Semana de Arte Moderna de 1922, com poetas como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, escritores e artistas da época.
Procurando dar sustentação ao meu próprio modo de pensar a respeito do assunto, achei, na "internet", a palestra de André Carlos Salzano Mazini, que veio não só aprovar, mas corroborar minhas ideias a respeito desta dicotomia entre verso livre e verso metrificado.
“Por que os modernistas não se indispuseram também contra o ritmo nas escolas de samba, contra a cadência nas danças? Por que somente contra a poesia tradicional ?”, questiona o citado autor.
Diz o autor, que “hoje não se discute o tema de maneira fundamentada. O academismo, contra o qual os modernistas se insurgiram há menos de cem anos, passou a ser o próprio poema sem métrica nem rimas, embora os desavisados continuem ainda a achá-lo novo e revolucionário”.
Se examinarmos a história em busca das origens do verso metrificado, "esse cerceador de liberdade", como ironiza o autor, veremos que ele remonta à idade da pedra. Os textos mais antigos de que temos notícia, como o Ramayana, o Rig Veda, a Ilíada e a própria Bíblia foram compostos em versos.
Observando-se que a tendência para os versos é tão antiga nos mais diferentes povos, temos de admitir que a metrificação não foi uma norma imposta, mas uma manifestação espontânea da fala e da escrita, podendo-se afirmar até, que o verso é uma forma mais natural de expressão humana (seja para fins artísticos, religiosos, filosóficos ou científicos) que a própria prosa, uma vez que esta surgiu somente depois de longa evolução cultural que permitiu ao homem a separação do pensamento e dos sentimentos.
Os poemas tradicionais não são, portanto, belas formas, cascas vazias, como querem os adeptos do verso livre.
Além disso, existe algo mais presente na natureza do que o ritmo? Desde o coração de nossa mãe, que nós escutávamos lá dentro do útero, até as variações cíclicas entre os dias e as noites ou entre as estações do ano, toda a nossa vida é feita de ritmos regulares. Os próprios espasmos do colo do útero, que nos expeliram para a luz deste mundo, bem como os estertores da morte que nos levará para a sepultura são movimentos ritmados. Por que negar então os versos metrificados, cuja lógica vai além da lógica da estrutura sintática e dos significados?
A menininha repete com prazer dezenas de vezes ao dia uma quadrinha que aprendeu na escola. Seja, por exemplo: "Batatinha quando nasce / Bota ramas pelo chão / A menina quando dorme / Põe a mão no coração." Qual é a lógica da cantiga, que tanto agrada à menininha?
Experimente substituir algumas palavras do poema para a menina: "Espinafrinho quando brota / Deixa sua raizinha debaixo da terra / A menina quando dorme / Põe as mãozinhas no coração".
Tem a mesma lógica da primeira quadrinha? Tem. Ficou tão feia assim? Não. A menina, entretanto, não vai gostar. Por quê? Faltou métrica: cadência e rima... É o que dá essa magia que encanta as crianças e, (por que não?) a nós adultos também.
Devemos lembrar-nos ainda da importância dos textos metrificados para a memorização dos ensinamentos neles contidos. Foi graças à métrica, que os textos antigos passaram incólumes de geração a geração, até que a humanidade adquirisse pleno domínio da escrita. E nós mesmos, com quanta facilidade retemos fielmente na memória longos poemas, enquanto nos esquecemos facilmente de pequenos textos não metrificados!
Não quero dizer, com estas palavras, que os versos livres não tenham o seu valor. Acho-os lindos. Quando têm conteúdo e me ferem as cordas da alma, é claro. Sua composição, aliás, é mais difícil, porque, sem cadência nem rima, o poeta só tem a estrutura sintática e os vocábulos para exprimir seus sentimentos.
Se você, caro leitor ou prezada leitora, gosta do verso metrificado, mas não possui o conhecimento teórico para produzi-lo, leia meu texto intitulado VERSIFICAÇÃO.