Três sonetos de WAGNER RIBEIRO
Eu nem sei que absurda coisa me sentiria, que espécie de tola seria, se fosse dizer da perfeição formal, da acentuação, da metrificação, da qualidade das rimas e do estilo da obra poética de Wagner Ribeiro. Também não direi uma nota biográfica sobre ele, pois seu nome está gravado Ad immortalitatem.
Com o soneto assim intitulado, o poeta descreve o ambiente psicológico e a paisagem real dos velórios em academias de letras. Uma academia copia outra, até na morte. Causa mesmo espanto e constrangimento, além da tristeza da família do imortal enfim morto, as caras e bocas que são encenadas durante os velórios. Seria este o prêmio pela dedicação à causa da cultura? Seria isto que “eleva, honra e consola”? Mas, “hodie mihi, cras tibi”. Isto é, “quem tem com que me pague nada me deve”.
Ad immortalitatem
Agora és imortal, serás lembrado
quando... morreres. Ainda no velório,
um candidato à vaga, consternado,
abrirá o processo sucessório.
Outros virão, e antes que enterrado
sejas ou vires cinza, o petitório
por votos irá tão adiantado,
que já no cemitério ou crematório,
ter-se-á formado uma ampla maioria,
proclamando-se ali teu sucessor,
que em discurso fará o teu louvor,
alguns meses depois, na Academia.
É entre a morte e essa solenidade
que viverás tua imortalidade...
Em seu Ars poética, Wagner se faz portador da voz de tantos que sofrem ao sabor dos caprichos da Poesia. E, em versos rubros, diz da agonia dos poetas na dependência da concretização do verso que os acalmará _coisa que jamais acontece, pois, considere-se ou não satisfeito com um poema concluído, já outra vez se espalha pela corrente sanguínea do poeta o clamor por mais e mais poesia.
É desta angústia sem fim dos poetas que fala Wagner Ribeiro, pois que dela também padece o artista criador de peças raras e trabalhadas à exaustão _ até que em Belo se transfigure e em objeto poema se nos coloque frente aos olhos e penetre em nossas veias.
Ars poetica
Tomba uma ideia sobre a folha branca.
Vi-a riscar o céu num traço rubro
E esvanecer em meio às que lucubro
– veia que sangra e de repente estanca.
Pouco importa, porém, se a não descubro,
Se traz enigma ou dúvidas espanca
– Uma ideia se libra, outra se tranca,
Na arte da Musa em que revelo e encubro.
Jogo de luz e sombra. Nem o poeta
Sabe quando o seu estro se completa,
Aonde chegou e quanto inda procura.
De algum mistério é que se faz o poema,
O sentimento a se engastar no sema,
E no conúbio o real se transfigura.
Os versos de Sonnet são capazes de acender primaveras, de dourar verões, de espalhar pelos caminhos as folhas do outono e de fazer resfriar a paisagem que anuncia o inverno. A doce melodia da língua francesa se coloca como uma pomba gentil à disposição de um poeta versado na língua de tantos que fizeram da França um país de reconhecida história cultural, artística.
Eu não compararia os versos de Wagner aos de outros poetas, a exemplo, de Beaudelaire, Rimbaud, Verlaine, mas diria que eles têm um efeito de orquestra em concerto divinal e que, nesse espetáculo, além dos citados, todos os grandes poetas franceses cantam harmoniosamente, e sob a batuta de Wagner Ribeiro, a letra de Sonnet.
Sonnet
J’ai choisi le printemps, on m’a donné l’hiver.
Mais si distant de toi, les choses ont été,
Au sein d’une vie froide, um souvenir douillet
Et si chaud que j’oublie les mots les plus amers.
Les feuilles sur lesquelles j’écris sont tombées
De l’arbre de mon coeur, et pourtant quelque vert,
Se cachant dans le gris, parle d’un temps divers,
Ah! ce temps où tu vis la fleur de tes années.
Je saisis, dans mon coin, la poésie des saisons,
Leurs parfums, leurs musiques, leurs couleurs -- ce sont
L’héritage qui gît, mais se reveille quand
À travers la fenêtre, au fond du blanc paysage,
D’une fille je vois se dessiner l’image
Qui cherche dans l’hiver la veille du printemps.