Manoel de Barros, o poeta dos nadas (EXTRATO)

***Dedico esta página ao escritor José Carlos (Cacá)

Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu no Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá, em 1916. Mudou-se para Corumbá, onde se fixou de tal forma que virou corumbaense. Vive em Campo Grande e é advogado, fazendeiro e poeta. Escreveu seu primeiro poema aos 19 anos, mas sua revelação poética ocorreu aos 13 anos de idade quando aluno do Colégio São José dos Irmãos Maristas, Rio de Janeiro. "Prêmio Orlando Dantas" em 1960, conferido pela Academia Brasileira de Letras ao livro "Compêndio para Uso dos Pássaros". Em 1969 recebeu o Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal pela obra "Gramática Expositiva do Chão" e, em 1997 o "Livro Sobre Nada" recebeu um prêmio de âmbito nacional. Foi também contemplado com o BRAVO! Bradesco Prime de Cultura, em 25/10/2010.

A poesia de Manoel é portadora de uma voz terna e íntima, de uma nudez sacra sobre o menino que “pegou um olhar de pássaro” e se fez um criador a seu modo, batizando livremente o que era inteiramente novo ao seu redor. Isto representa o alumbramento da criança universal no momento das descobertas e quando as vivências são límpidas e claras como a poesia deste brasileiro. Pode-se afirmar que ele começa também aí a sua criação poética, o seu mundo de todos os objetos e coisas de todos os dias e que somente sob a objetiva invisível da poesia podem ser fruídos. Assim, a palavra inaugurada na boca abençoada de um menino-poesia o encanta e conosco ele a partilha “Por viver muitos anos dentro do mato/moda ave/O menino pegou um olhar de pássaro —/Contraiu visão fontana”.

Não sei se o modismo do “se achar” que se usa por toda parte nasceu com Manoel de Barros. O que sei é que estou me achando por haver encontrado o poema Se achante onde um caranguejo personifica o tipo que se julga, se orgulha e até, às vezes, inocentemente, é uma espécie engraçada de Narciso ou bicho empalhado. Afinal, depois de se achar flor, o caranguejo se vê recolhido à sua insignificância de mangue. “Era um caranguejo muito se achante./Ele se achava idôneo para flor”.

O que não falta mesmo neste mundo de tantos leitores e poucos escritores são os se achantes para fazer beicinho para uma poesia assim com gosto de vida, de manhã de sol, de amor pela natureza e de olhos acesos para todas as manifestações do ser, do existir em existindo.

Quanta dificuldade encontramos com as palavras quando desejamos dizer algo sobre a sensualidade e a sexualidade, pois Manoel encontrou uma maneira de fazer inveja a escritores e estudiosos da linguagem. Quem diria melhor do que o poeta sobre as descobertas da masturbação em versos narrativos nos quais conversa animadamente com o possível leitor de seu poema Parrede! ? “Quando eu estudava no colégio, interno,/Eu fazia pecado solitário./Um padre me pegou fazendo./- Corrumbá, no parrrede!/Meu castigo era ficar em pé defronte a uma parede e/decorar 50 linhas de um livro”.

Em Sonata ao luar, o poeta demonstra conhecimento do mundo novo da tecnologia, mas celebra o velho método de amar, desse amor que fala baixinho a doce e popular linguagem que extasia. Até mesmo o nome do cachorro é indicador da alma desprendida do povo simples que não costuma batizar um animalzinho doméstico de maneira que ele passe a ser como o caranguejo se achante. A coloquialidade dos versos parece indicar que o cão adivinhasse o pensamento do dono e ali estivesse à disposição e consciente daquela necessidade que tem o personagem do poema de estar com Maria. A palavra de tal forma é utilizada a conseguir espraiar o luar de tênue azulado por sobre os versos e arrancar do leitor um suspiro de quem espera a lua artear: “Sombra Boa não tinha e-mail./Escreveu um bilhete:/Maria me espera debaixo do ingazeiro/quando a lua tiver arta”./Amarrou o bilhete no pescoço do cachorro/e atiçou:/Vai, Ramela passa!”

A capacidade poética de Manoel de Barros mostra-se extraordinária. Tudo se personifica em sua lira mágica: o caranguejo, a lesma, o Ramela, o vento e a garça. Ah, como gostei tanto de encontrar outro poeta que canta as garças, pois garças são de uma beleza que enfeita o mundo de azul, branco, ouro do sol e ternura de asas.

Joga-se pedra em santo e até se diz por aí que as pessoas malfadadas de hoje foram aquelas que jogaram pedras na cruz. Entretanto, a alma profundamente poética de Manoel de Barros experimentou jogar pedra no vento, pois pedrada no vento não dói. Só pode ter sido o vento quem soprou nos ouvidos do poeta todo este poema que finaliza com um verso vento que vem da boca dos anjos: “Fiquei estudado”. Pra que mais estudo de que este de saber que o vento não tem tripas? Grande menino estudado este poeta! Menino “administrador do inútil” porque a inutilidade é que faz a poesia. Essa suposta inutilidade. Joguemos pedra na poesia, pois, ela também não tem tripas e nem faz ui. E, como acrescenta Arnaldo Jabor, “Esse surrealista-minimalista- pantaneiro, poeta das insignificâncias, dos detritos, descobre dramas na vida dos caramujos e nos ovos de formiga e faz os sapos do lodo denunciar nossa fragilidade”.

Sofremos nós dois, Manoel, dois ventos de inutilidades trazidos pelas asas das garças em vagabundagem marinha e poética. E, para ilustrar a versatilidade de um poeta potencialmente renovador da palavra e da linguagem, um criador de mundos e ideias, seleciono versos dele que enchem a boca d’água e a alma de prazer poético:

“O poema é antes de tudo um inutensílio”.

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“Uma pedra de arroio leva mais de cem anos para ter murmúrios.

Em seixal de cor seca estrelas pousam despidas”

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“Aranha com olho de estame no lodo se despedra”.

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“Ele me coisa

Ele me rã

Ele me árvore”.

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“Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares conversamentos de gaivotas”.

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“(...) Nascera engrandecido de nadezas”.

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“As cigarras derretiam a tarde com seus cantos”.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS

http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/p/poemas_rupestres

http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet061.htm

http://www.fabiorocha.com.br/barros.htm

http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_infantil/manoel_de_barros.html

http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=2018&titulo=Manoel_de_Barros:_poesia_para_reciclar

http://www.youtube.com/watch?v=E18cMXvREbo&feature=related

http://www.revista.agulha.nom.br/arnald01.html

http://www.revista.agulha.nom.br/manu.html#didatica

http://manoeldebarros.blogspot.com/ (professora Solfirmino, do Rio de Janeiro)

taniameneses
Enviado por taniameneses em 06/12/2011
Reeditado em 06/12/2011
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