DIALÉTICA
A noção de dialética retoma a Grécia antiga. Era considerada a arte de argumentar no diálogo. Pensadores como Sócrates e Platão buscavam refletir a realidade, a qual está sempre em permanente transformação. Pode-se dizer que eles buscavam o verdadeiro conhecimento racional. Para isso, utilizavam-se da decomposição e da investigação racional para que, então, se chegasse a uma síntese. Dialeticamente falando, o diálogo desses pensadores baseava-se em oposições e choques entre situações opostas e, através deste conflito, buscava-se explicar uma nova situação. Nesse contexto, surge o princípio da dialética, que pode ser notado no seguinte esquema: TESE X ANTÍTESE = SÍNTESE.
Neste caso, temos inicialmente a tese. Opondo-se a ela, temos a antítese e para explicar esse conflito, carregado de elementos resultantes desse impasse, surge a síntese. Esse processo apresenta-se numa cadeia infinita, pois a síntese acaba tornando-se uma nova tese. Em outras palavras, pode-se dizer que a dialética é uma maneira de analisar uma posição já fixada, relacionando-a com uma nova ideologia, e que deste impasse surge então uma solução, porém, esta tende a preservar alguns pontos daquilo que havia sido estabelecido antes.
Conforme a lei da ação recíproca da dialética, as coisas são analisadas em movimento, ou seja, encontra-se sempre em transformações, em desenvolvimento, e o fim de um processo é sempre o começo de outro. Neste caso, as coisas não existem isoladas, mas são unidas como um todo.
Já na lei da mudança dialética, o ponto de partida é a tese, que é uma proposição positiva. Essa proposição se transforma, negando a primeira e, novamente surge uma mudança que se opõe contra essa posição, porém esta segunda mudança apresenta uma proposição positiva maior, que é obtida através da dupla negação. Sendo assim, pode se dizer que essa é a lei que nos remete ao esquema acima (tese x antítese = síntese).
Uma das caracteristicas fundamentais da dialética é o espirito crítico e auto-crítico que se propaga através das negações.
Ao relacionar a dialética com a literatura, percebe-se esse movimento de mudança, pois há nesta uma constante transformação, a qual se baseia na negação para haver uma afirmação. Ora, se a realidade é explicada dialeticamente, a literatura, expressão artística da realidade pelo uso da palavra, também se percebe enquanto transformação dialética.
Em primeira instância, temos a literatura produzida na Grécia Antiga, que seria o berço de toda a nossa produção literária (teve seu início, aproximadamente, há trinta séculos atrás), pode ser considerada tese.
Para opor-se a tese, vem a antítese que emerge com a Idade Media, a qual apresenta como um dos pontos conflitantes, a hegemonia do cristinismo em relação aos Deuses da Antiga Grécia. A literatura desde período retrata a preocupação do homem em mostrar seus valores. Dessa forma, ve-se na poesia as virtudes dos cavaleiros (justiça, cortesia, amor), e a inquietante presença religiosa, como se percebe na obra de Dante Alighieri, que expõe a analogia tão pregada pela Igreja Católica, ou seja, céu versus inverno.
Para sintetizar esse conflito, o Renascimento Cultural busca inspirações nas raízes outrora desaparecidas na “Idade das Trevas” (Média), o próprio termo Renascimento já incita a retomada da estética clássica.
O século da Renascença clássica, humanista e antropocêntrica, opõe-se ao caráter religioso da teocentrismo da cultura medieval. Essa transformação ideológica deve-se à crise do sistema feudal (sistema econômico baseado na posse da terra) e à emergência do mercantilismo (sistema econômico baseado no comércio), que promove ascensão da classe burguesa. Nesse século, substituir o espiritualismo cristão por valores mais próximos ao paganismo grego era uma necessidade para a expansão do comércio.
A expansão mercantilista do século XVI implicou autos investimentos que acabaram por resultar numa recessão capitalista no século XVII. Pensando dialeticamente, o espírito antropocêntrico do Renascimento entrou em conflito com o espírito teocêntrico (necessidade de Deus e da Eternidade) da Idade Média. O conflito entre tais posicionamentos contrários, em se pensando em literatura, chamamos de Barroco. Para mostrar o inconformismo e a inquietação, o homem do século XVII criou novos significados ligados à tradição clássica.
Heinrich Woefflin (in Bosi, História Concisa da Literatura Brasileira) define assim a passagem do clássico ao barroco: do linear ao pictório; da visão de superfície à visão de profundidade; da clareza absoluta dos objetos á clareza relativa. Nesta obra, Bosi define o Barroco como um estilo voltado para a alusão (e não a cópia) e para a ilusão enquanto fuga da realidade convencional.
Na verdade, essa fuga é uma defesa contra o racionalismo burguês, por isso tem-se na imagem barroca tanto subjetivismo. Pode-se dizer que essa fuga da realidade convencional e a tentativa de negação da arte como cópia (mimese – princípio clássico), e é a mais importante contribuição literária barroca. Porém, ela foi responsável pelo início de questionamentos e da conseqüente transformação desta tradição.
Essa tensão entre o velho (mentalidade medieval), o novo (mentalidade classicista), o conservadorismo feudal e a inquietação burguesa, foi o momento que antecedeu a distensão. Surge assim a retomada do racionalismo e da mimese (imitação dos autores classicistas), opondo-se as incertezas, desajustes e descompassos do estilo Barroco.