O O FIO DE ARIADNE EM TODOS OS NOMES DE JOSÉ SARAMAGO

 
     Este texto faz parte de um estudo que fiz sobre o romance "Todos os Nomes" de José Saramago. Aqui, detenho-me à intertextualidade entre a obra de Saramago e a mitologia grega, no que concerne ao "Fio de Ariadne", corda utilizada pelo protagonista para percorrer o labirinto da Conservatória em que trabalha.

     Utilizando-se do recurso da intertextualidade, Saramago faz um diálogo com a mitologia grega, em que o narrador onisciente percorre com o Sr. José os labirintos escuros da Conservatória, com a ajuda do fio de Ariadne, designação irônica da corda que o conservador guardava na gaveta. (p.208).
     Segundo a mitologia, o Minotauro era um monstro cujo corpo era metade homem e metade touro que vivia preso em um labirinto criado por Dédalo e se alimentava de carne humana. Por determinação do rei Minos, sete moças e sete rapazes eram entregues, anualmente, ao monstro como pagamento de tributo a Creta. Teseu, um jovem herói ateniense, ao ficar sabendo dessa resolução real, pediu para ser um dos rapazes. Em Creta, encontra-se com a filha do rei, Ariadne, e recebe dela um novelo que deveria desenrolar ao entrar no labirinto para encontrar a saída. Assim, Teseu adentrou o labirinto, matou o Minotauro e, com a ajuda do fio de Ariadne, encontrou o caminho de volta e retornou a Atenas com a princesa, abandonando-a depois. Ariadne suicida-se.
     De acordo com a síntese acima, podemos associar essas personagens mitológicas às personagens e fatos do romance Todos os Nomes. O narrador, por várias vezes, se refere à Conservatória do Registro Civil como um labirinto que se ramifica, à medida que novos nomes vêm ocupar-lhe os espaços. Há também uma referência a um investigador de heráldica que ficou perdido por vários dias nesse labirinto, conforme demonstra a passagem abaixo:
 
"O chefe da Conservatória Geral, que já mandara vir à sua secretária o verbete e o processo do imprudente historiador para o dar por morto, decidiu fazer vista grossa aos estragos, oficialmente atribuídos aos ratos, baixando depois uma ordem de serviço que determinava, sob pena de multa e suspensão de salário, a obrigatoriedade do uso do fio de Ariadne para quem tivesse de ir ao arquivo dos mortos” (p.15).

     Além da Conservatória, o Sr. José percorre outros labirintos como a escola, a cidade e o Cemitério Geral cujos nomes dos mortos não estão em seus devidos jazigos. Observemos o diálogo entre o pastor de ovelhas, homem que trocava os números das sepulturas, e o Sr. José: “Qual é então a verdade do talhão de suicidas, perguntou o Sr. José, Que neste lugar nem tudo é o que parece, É um cemitério, é o Cemitério Geral, É um labirinto [...]” (p.239).

     Todavia, o labirinto mais complexo, do qual o Sr. José precisava encontrar a saída, era a sua própria vida solitária, sem emoções, sem objetivos, vazia. “Perseguia no labirinto confuso da sua cabeça sem metafísica o rasto dos motivos que o tinham levado a copiar o verbete da mulher desconhecida” (p.39). (grifo nosso). Ele necessitava de algo que o levasse a vencer o Minotauro, ou seja, o monstro do individualismo, e da solidão. Nesse sentido, o verbete da mulher desconhecida foi o fio que o conduziu aos labirintos mais obscuros de seu verdadeiro ser. E aquela mulher suicida pode ser vista como Ariadne, não só pelo mesmo fim trágico, mas porque lhe emprestou o fio que lhe mostrou o caminho para a autodescoberta, conforme observamos neste diálogo que ele mantém com o teto:

     "[...] Inteligente análise, sim senhor, Não sou estúpido, De facto, estúpido não és, o que levas é demasiado tempo a perceber as coisas, sobretudo as mais simples, Por exemplo, Que não tinhas nenhum motivo para ires à procura dessa mulher, a não ser, A não ser, quê, A não ser o amor [...]. [...] Querias vê-la, querias conhecê-la, e isso, concordes ou não, já era gostar, Fantasias de tecto, Fantasias tuas, de homem, não minhas [...]" (p.248).

     Assim, a mulher desconhecida, apesar de estar morta, ofereceu ao Sr. José a oportunidade de lutar por algum objetivo, de manifestar sua insatisfação enquanto subordinado daquela Conservatória, de transgredir as normas preestabelecidas e sair da inautenticidade. Diferentemente dos recortes que colecionava, aquele verbete lhe transmitia algo especial que o elevava à dimensão dos sonhos e da fantasia e lhe fazia sentir-se vivo, capaz de amar e ser amado.

Referências Bibliográficas:
SARAMAGO, José. Todos os Nomes. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.


 
Lídia Bantim
Enviado por Lídia Bantim em 18/11/2011
Reeditado em 27/08/2016
Código do texto: T3342015
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