TRAGÉDIA: QUANDO O MITO DA BELEZA DESPERTA DA FANTASIA DA PERFEIÇÃO
OBS: Artigo escrito em 2009
RESUMO
Este artigo aborda a questão da busca exacerbada pela beleza, melhor, pelos padrões estéticos impostos pela mídia, até porque a ideia de beleza é muito relativa e irá depender de diversas situações, como época, economia, localidade, enfim, é uma questão também de ponto de vista. Dessa forma, objetiva-se nesse artigo refletir as causas dessa busca desmedida pela perfeição e que, muitas vezes, é levada até as ultimas consequências e é motivadora de tragédias, como suicídio, a procura desesperada por centros estéticos, muitas vezes sem referenciais de qualidade, ou a realização de dietas extremistas.
PALAVRAS-CHAVE: Beleza; mídia; tragicidade; beleza interior.
1. INTRODUÇÃO
A contemporaneidade tem como principal crítica a enorme incidência de casos trágicos, como o suicídio, a depressão e a baixa auto-estima. Porém, essa questão existe desde muitos séculos atrás. A busca por ideal de perfeição, seja de padrões estéticos ou até comportamental, é natural do ser humano enquanto humano. Mas há casos que merecem mais atenção. Há casos que isso se torna desmedido, patológico e desumano.
Na Grécia Antiga, as crianças que nasciam com algum tipo de deformação ou deficiência eram sumariamente executadas, tudo porque não atendiam aos padrões de beleza exigidos na época. Os gregos acreditavam que o belo estava na perfeição, na proporção e na simetria das formas. Para eles, o universo era puro e belo. Realmente, o juízo histórico de beleza caberá a cada sociedade, tempo, lugar e civilização, cada cultura, em determinada época e valoração de sentido e influência histórica, terá seu próprio juízo verbal de beleza, seu próprio padrão e conceito do belo.
Para Leonardo Da Vinci, o modelo de beleza foi traduzido pelo quadro Mona Lisa. Para ele, e para o pensamento da época, uma mulher bela possuía um corpo que seria considerado como acima do peso nos dias de hoje. Atualmente, o padrão de beleza é uma mulher mais magra. Percebe-se, assim, que o conceito de beleza é muito relativo, variando de acordo com o contexto histórico e temporal analisado.
Pensar nesse termo é também percebe-lo em todas as suas dimensões. Assim o fez, Oscar Wilde, em sua obra O retrato de Dorian Gray, cujo foco é a luta do exterior com o interior. Uma luta difícil, cujo lutador é apenas um: si próprio. O livro inicia destacando o real da beleza: “sua beleza é tal que a arte não pode expressá-la”. E o real da beleza aparece como o esplendor que cega e que justamente opera a extinção do desejo. A cegueira provocada pela beleza mata o desejo e provoca a explosão do real. Esta beleza ultrapassa os limites do simbólico orna-se algo mitológico, fantasioso.
Pode-se comparar esse argumento ao mito de Narciso. Esse jovem embevecido pela sua própria beleza acaba sendo vitima dela, assim como Dorian Gray, acaba suicidando-se enquanto vai ao encontro dela. Eis o mal do excesso de amor-próprio, do narcisismo, de sua supervalorização. Paralelamente, hoje, acontece basicamente o mesmo, seja na literatura seja na mitologia, mudam-se apenas os personagens, o contexto histórico, mas o fim é o mesmo: a tragicidade. Quantos Dorian Gray há nesse mundo? Quantos Narcisos? A busca pela perfeição vitima muita gente, mesmo que inconscientemente. Resultado de um grande apelo ao consumo desenfreado.
A ênfase da sociedade contemporânea no ideal de magreza, as intensas propagandas na mídia de uma infinidade de regimes e de produtos dietéticos, bem como o crescimento de academias e do número de revistas sobre o assunto, fornece o ambiente sociocultural que justifica a perda de peso, trazendo consigo uma simbologia de que a beleza física proporcionará autocontrole, poder e modernidade. Entretanto, essa imagem corporal idealizada é um padrão impossível ou impróprio, incompatível para a grande maioria da população.
Nessa perspectiva, é sempre positivo elucidar a questão da autovalorização. O conceito de belo é muito relativo e vai depender de vários fatores, inclusive os que foram citados acima. É necessário compreender que querer estar bem quando ficar em frente a um espelho é muito natural, desde que essa não seja a coisa mais importante da sua vida. Pensar em seguir padrões estéticos pré-estabelecidos exige muita maturidade, seriedade e um pouco de amor a si próprio, caso contrário, essa busca torna-se frustrada, inviável e insanável, fantasiosa, possibilitando até a incidência de caso trágicos.
2. O IDEAL DE BELEZA COMO FATOR DE (IN) SATISFAÇÃO PESSOAL
A mídia tem o poder de alienar as pessoas e de impor-lhes as suas vontades. Uma de suas atribuições é ditar o padrão estético a ser seguido, ou seja, tornar as pessoas marionetes e seres sem discernimento nenhum acerca daquilo que lhes fazem bem ou não. Resultado: as pessoas acabam cedendo aos seus caprichos e tentações, levam uma vida totalmente determinada, programada e ligeiramente igual a de todos. Nesse ponto, é interessante analisar a imposição da ideia do belo.
Para a psicóloga Rachel Moreno "O ideal de beleza cria um desejo de perfeição, introjetado e imperativo. Ansiedade, inadequação e baixa auto-estima são os primeiros efeitos colaterais desse mecanismo. Os mais complexos podem ser a bulimia e a anorexia”.
Querer sentir-se bem diante de um espelho é um fator motivador tanto para homens quanto para mulheres. Porém é preciso tomar cuidado para que essa busca pela imagem perfeita não se torne patológico, exacerbado, pois uma coisa é você buscar cuidar de seu corpo, outra coisa é estragar o seu psicológico devido a fatores banais, como a moda, a “onda”.
A busca incansável pelo padrão de ideal de beleza não é e nem nunca foi novidade. A diferença é que estes ideais mudam de tempos em tempos. Não faz muito tempo, ter umas gordurinhas a mais era sinal de beleza e de saúde. De alguns anos para cá, impulsionado pelas descobertas médicas dos males que a gordura corporal excedente pode trazer, o padrão de beleza mudou radicalmente. E a pressão social para ter um corpo magro, bonito e visivelmente saudável impõe uma ditadura na vida de muita gente_ “a ditadura da beleza”. Isso, antes, era limitado apenas às mulheres, hoje, mudou um pouco, os homens estão cada vez mais interessados nessa área e dispostos a fazer qualquer coisa para ser aceito nesse novo mundo.
Entre as décadas de 40 e 50, o corpo cheio de curvas era moda, principalmente pelo sucesso de Marilyn Monroe. Na década de 80, o culto à magreza atingiu seu auge. Mas foi no início da década de 90 que o mundo das passarelas e dos desfiles de moda popularizou-se com força total, devido, principalmente, a ampla divulgação, melhor, imposição da mídia. Com isso, muitos passam a se inspirar nas modelos como ideal de beleza.
E os corpos perfeitos estão por toda a parte. Nas mulheres, eles são magros e bem definidos; nos homens, fortes e musculosos. Assim como as roupas da moda e as novidades no mundo da tecnologia, essas imagens se tornaram um grande sonho de consumo. Diante desse bombardeio feito pela mídia, alcançar esse ideal de beleza virou sinônimo de sucesso e felicidade ou até mesmo de insatisfação e angústia.
Segundo pesquisas, nunca a busca pela imagem perfeita foi tão grande no Brasil. Uma pesquisa feita pela RACCO, empresa curitibana de cosméticos e perfumaria, mostrou que “as mulheres consideram cosméticos como a primeira necessidade e estão dispostas a deixar de pagar a conta de luz para não abrir mão da continuidade de um tratamento cosmético”.
Essa verdadeira obsessão em busca do corpo perfeito, que tortura mulheres no mundo todo, rendendo gordos lucros para os autores de dietas da moda e um sem fim medicamentos para emagrecer, dietas, lipoaspirações e lipoesculturas.
O fenômeno é mundial, mas no Brasil os dados são gritantes. As brasileiras são as que mais idealizam as cirurgias plásticas estéticas. Uma pesquisa feita pela Unilever em 10 países com 3,3 mil mulheres mostra que as brasileiras estão em primeiro lugar entre as que desejam passar por esse procedimento. A mesma pesquisa mostra, ainda, que 89% das brasileiras gostariam de mudar algo em seu corpo.
Essa insatisfação com a imagem refletida no espelho acaba atingindo o cotidiano dessas mulheres, a ponto de impedir que elas desempenhem tarefas do dia-a-dia. Ainda de acordo com a pesquisa, sete em cada dez mulheres desistem de fazer alguma coisa quando estão se sentindo horrorosas, como ir à praia, a uma festa, a uma entrevista de emprego e até mesmo ao trabalho. Outros estudos mostram que, mesmo entre pessoas consideradas bonitas, os índices de insatisfação com o próprio corpo chegam a 100%.
Mas é importante perceber que esta preocupação exagerada com a forma física pode estar associada a um distúrbio psiquiátrico grave, que é a distorção da própria imagem. Essa situação pode ajudar no desenvolvimento de doenças sérias como a anorexia nervosa e a bulimia.
O ponto principal de tantos problemas relacionados à busca desenfreada por uma perfeição que não existe é o amor próprio. “As pessoas com baixa auto-estima sentem necessidade de ser aceitas, valorizadas. E são elas as pessoas mais obcecadas com a aparência, buscando no outro a aprovação que elas mesmas não se dão”, explica a psicóloga e psicoterapeuta Olga Inês Tessari. Segundo ela, tanta propaganda pelo ideal de beleza fez com que surgisse a idéia de que uma pessoa bonita é mais segura de si, por isso faz mais sucesso entre os amigos e os colegas de trabalho.
Já a psicóloga Priscila Faria Gaspar aponta que a maturidade emocional é uma das grandes responsáveis pelo aspecto físico. “Todos sabemos, de forma consciente ou não, que não somos perfeitos. O difícil é aceitar essa imperfeição e manter uma boa auto-estima”.
Então, pesquisas a parte, a questão é sempre a mesma. Enquanto o ser humano não se contentar com o que tem e parar de seguir a “onda” e passar a se preocupar mais com a perfeição de seu interior, com o seu psicológico, com o relacionamento interpessoal, certamente esse caso perdurará a ponto de sua própria beleza passar por despercebida e a insatisfação pessoal ser imensa a ponto de querer se isolar de si mesmo. Esse é o maior problema que a sociedade capitalista do século XXI terá de enfrentar para conservar o seu espírito.
3. TRAGICIDADE: O PREÇO PAGO PELA BUSCA EXACERBADA DA BELEZA
Nesta busca sem fim pela “perfeição”, as mulheres estão dispostas a diversos sacrifícios: cirurgias plásticas, tratamentos para alisar os cabelos, perder gordura, eliminar celulite, “pneuzinhos”, rugas, sem falar nos regimes malucos, que só trazem prejuízos à saúde.
A nossa cultura tende cada vez mais a reforçar padrões de beleza que se sustentam em ideais de magreza e de elegância praticamente inatingíveis. As crenças sociais relacionadas com a imagem que melhor favorece a aceitação dos outros, parasitam a ideia de se ser atraente e agradável aos outros a partir de modelos preestabelecidos pelos detentores de poder, os ditadores da moda e da beleza. Com efeito, muitas mulheres e homens permanecem convencidos que os padrões de beleza vendidos nas passarelas e em revistas são a norma e por isso, são escolhidos pelas diferentes marcas, estilistas e campanhas publicitárias de todo o tipo.
Assistimos à época de falta de consciência crítica sobre o corpo e o equilíbrio, a imagem e o bem-estar. O problema surge quando a preocupação por uma imagem equilibrada, saudável e atraente, se converte numa doença psíquica, com contornos quase obsessivo-compulsivos, como seja a anorexia, a bulimia, a ortorexia, a vigorexia. Os contornos da obsessão passam pela alimentação, preservação de um peso ideal e perturbações, pela prática excessiva e descontrolada de exercício físico. Numa fase avançada, e comum a todas estas perturbações, a ansiedade causada pode conduzir à depressão e ao isolamento social, irritabilidade, mudança de humor, agressividade, e padrões de comportamento completamente desajustados.
Muitas dietas e regimes da moda sem base teórico-científica e sem fundamento assentam em razões culturais e sociais bastante superficiais e, no fundo, com uma preocupação única de venda gratuita de produtos que sejam facilmente consumidos. Se se tratar de uma pessoa com uma estrutura psicológica vulnerável e de contornos obsessivo-compulsivos, reúnem-se as condições necessárias e suficientes para se desenvolverem perturbações de comportamento alimentar muito graves e que podem conduzir, em última instancia, à morte.
A prevenção passa pelo desafio do mito de que a elegância é sinônimo de felicidade e por desenvolver uma atitude de aceitação do próprio corpo. Para a pesquisadora em Moda e saúde, Sandra Santos Vilaça (2006)
Trata-se, no fundo, de superar a escravidão a que se submetem, sobretudo no verão, tanto mulheres quanto homens, que vivem sob a obsessão da imagem, do espelho, do tamanho da roupa, do biquíni. Se por um lado, a pressão do exterior é demasiado intrusiva; por outro, sabemos que todos nós também aspiramos a um ideal de equilíbrio que implica a manutenção e ostentação de uma imagem tão saudável e perfeita quanto possível. Por isso, o nosso compromisso deve ser o de preservar o bem-estar e a qualidade de vida sem incorrer em tentações fáceis, mas pouco saudáveis!
É necessário tomar muito cuidado para não “cair nas armadilhas” da beleza imposta pelos meios comunicativos, pois o preço pago para conseguir ficar “bela” pode ser fatal. Problemas gravíssimos como anorexia nervosa e bulimia vem no vácuo desta busca, matando em 20% dos casos e deixando 50% das sobreviventes com problemas graves, sequeladas. Nos jornais e em outros meios de comunicação divulgam noticias de meninas anoréxicas que recusam atendimento médico/psicológico/nutricional e proclamam que “anorexia não é doença! É estilo de vida ou estado de espírito!” Divulgam na internet “métodos” de emagrecimento, fotos de suas silhuetas magérrimas. O peso estético afasta-se perigosamente do peso clínico. Emagrecer significa “sucesso social”, “profissional”, “afetivo” e, principalmente, a não rejeição pela sociedade. Isso é grave. O preço da estética é mórbido, injusto e cruel.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É inegável o poder da beleza em nossa sociedade. Ela “abre caminhos” para muitas realizações. Nunca uma boa aparência foi tão valorizada e tão exigida. O culto ao corpo chegou ao extremo. A beleza interior ficou para segundo plano, menosprezada, renegada.
Com a massificação pregada pela mídia, já que ela dita os padrões estéticos e comportamentais que deverão ser seguidos, a perfeição foi idealizada até as ultimas conseqüências. Quem não a possui sente-se inferiorizado e, conseqüentemente, tende ao suicídio, a deprimir-se, a buscar desesperadamente alcançar esse ideal e a, inclusive, cometer loucuras para ficar esteticamente belo.
O problema existe porque o ideal (e não o real) de beleza proposto pela sociedade contemporânea é estritamente pautado na beleza estética, a exemplo da frase pregada por Vinicius de Morais: “As feias que me desculpem, mas a beleza é fundamental”.
Devido a isso, a discussão travada nesse artigo busca mostrar que o significado de beleza é relativo, enfim, e que ela não pauta-se somente no exterior, como propõe Vinicius de Morais e a mídia de modo geral, mas que o belo é sinônimo de aspectos interiores, reflexos da alma, como a gentileza, a humildade, que são fatores essenciais que determinam o quão belo a pessoa é. Beleza não pode ser reduzida a um conjunto de traços ou critérios puramente modais, até porque isso muda de tempos em tempos. Tem que emergir de dentro. Poderíamos afirmar que beleza é uma questão de saúde e de auto-estima. Mais que apenas “mulheres bonitas”, existem pessoas bonitas. Mais que padrões falemos nos diferenciais de cada um. Busquemos a identidade estética, aquilo que torna uma pessoa única na face da terra. Até porque o importante é cuidar da beleza da alma, pois assim seremos sempre satisfeitos com aquilo que temos.
5. REFERÊNCIAS
A beleza e O retrato de Dorian Gray. Disponível em: http://www.interseccaopsicanalitica.com.br/art019.htm. Acesso em: 05/06/2009.
Beleza e auto-estima. Disponível em: http://www.tommaso.psc.br/site/artigos/?id_artigo=68
Acesso em: 16/06/2009.
O Eterno Ideal De Beleza. Disponível em: http://www.slideshare.net/guest1d1887/o-eterno-ideal-de-beleza-113373. acesso em: 05/06/2009.
O mito de Narciso. Disponível em: http://www. Wikipedia.com.br/o-mito-de-narciso.htm
SHMITZ, Cléa. Vigor econômico. Revista Empreendedor. Ano 15 n°175. Maio de 2009.
Sociedade doente: a indústria da beleza e da depressão. Disponível em: http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/935313. Acesso em: 03/06/2009.
WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. São Paulo: Martin Claret, 2008.