O Ridículo das Canalhices

Jô Soares, em uma entrevista na Revista Veja, diz que fazer piada com desgraças é "uma forma de exorcizar a tragédia". Diz também que "a primeira arma para desmoralizar um político é não respeitá-lo" e exacerbar o ridículo de suas canalhices. Isso talvez explique a atuação do escravo Palestrião na comédia Miles Gloriosus, de Plauto, um personagem que atua mais como intelectual do que como um reles subalterno. Nesta peça, o engenhoso arquiteto se destaca em cena e subjuga o fanfarrão Pirgopolinices, membro da classe dominante romana. E nada pode ser mais ridículo e humilhante para um representante das cúpulas do que perder para alguém de uma classe tão desfavorecida, como é o caso de um simples escravo.

Plauto, grande comediógrafo da Antiguidade, não chegou a revolucionar os costumes romanos com a sua arte. Suas comédias "funcionavam" como as nossas telenovelas hoje, que apenas garantem um bom entretenimento; mas, mantendo o povo estático ante às telas, giram sempre em torno das mesmas temáticas, usando os mesmos tipos, sem alterar o modelo social já fossilizado pelo tempo. Às vezes, chegam até a levantar uma grande questão para polemizar o horário nobre, fingindo estar mobilizando a consciência do telespectador. Questões essas, que acabam desconcentrando a população dos reais problemas do país, embora sejam de fato relevantes, como a Síndrome de Down, o racismo ou qualquer outra questão de cunho social. Contudo, a estrutura desses folhetins ainda é pautada num velho molde que permanece vigente, mas sem muitas condições de transformar e nem de contribuir efetivamente para uma mudança de mentalidades. É irresistível, portanto, não denunciar esta fórmula- mascarada-folhetinesca que só tem em suas entrelinhas a intenção de aumentar o ibope. Vender é preciso. E o telespectador permanece passivo diante da TV, quase adormecido, como se sofresse um efeito paralisante que faz com que ele não veja o que é mais do que berrante no país e se mantenha tranquilamente subnutrido à margem da saúde e da educação, como era o caso daquela platéia infeliz que carregava Roma nas costas todo dia, enquanto os Pirgos teciam suas tramas.

Plauto, embora possamos compreender suas razões, não ousou enfrentar o poder e a sociedade do seu tempo, questionando mais profundamente a condição humilhante e degradante de seres subjugados como os escravos. Se acomodou ao modelo social ao escrever, mantendo-se fiel a alfinetadas e uma clara intenção de entretenimento, como faz em O Soldado Fanfarrão. Nesta comédia, vemos em destaque uma figura da alta sociedade romana numa situação grotesca e ridícula - Pirgopolinices . O efeito cômico é, sem dúvida, estrondoso e certamente exercia uma dormência nos sentidos de expectadores miseráveis e infelizes, exatamente como deveria interessar aos grandes representantes do poder romano.

Infelizmente, os romanos não entraram em sintonia com a Filosofia dos gregos. Preferiram o circo, a barbárie da guerra, porque naturalmente já nasciam no meio de combates e tinham que se ajustar a uma cultura militar muito caracterizante da Antiga Roma. A máxima de sua vã filosofia era "Primeiro viver, depois filosofar". Pode ser que Plauto não gostasse nem um pouco disso, como podemos perceber quando Palestrião, livre para retornar a Atenas, diz a Pirgopolinices:

"Ai de mim! Quando penso em como terei de mudar de costumes! Ter de aprender hábitos de maricas e esquecer os de militar!"

Os estudos da Antiguidade funcionam como uma catapulta que nos arremessam novamente ao nosso próprio tempo. Porque lá encontramos elementos que formam as nossas bases. Então as máscaras de uma nova era, com a sua parafernália tecnológica sofisticada, são detectadas com mais facilidade.

É certo pensar que Plauto não imaginou que Pirgopolinices seria um tipo de personagem de tanta longevidade. Um personagem eternizado em toda a história da comédia, da literatura, como também em nosso convívio até os dias de hoje. Podemos detectá-lo nas cúpulas dos poderes. É o tipo do burguês colecionador de carros do ano, mulheres e roupas de marcas; um apaixonado pelo espelho das academias que costuma frequentar; um tipo, que apesar dos recursos econômicos, não está engajado em nenhum projeto social que possa beneficiar a coletividade.

Dizem que a Democracia, na Grécia, não correspondia aos verdadeiros valores deste sistema que, há milênios, nos promete justiça social. Mas, hoje, diante de favelas e balas perdidas por todo lado, até uma criança pode perceber que aqui, entre nós, a Democracia não passa de uma comédia de intriga repleta de escravos e fanfarrões. A Democracia tem conceitos utópicos e talvez nunca nessa nossa comédia (humana?) tenha realmente existido. Até porque, se sobram Pirgopolinices, nas cúpulas dos poderes, falta um Palestrião que nos resgate das teias de tanta injustiça.