Flóreo amanhã
Quando a derradeira gota de orvalho em meu semblante se cristalizar, é porque o meu espírito já esteve há muito por deslizar pelas paisagens indeléveis do abstrato. Não chorem, oh filhas do mundo, a sublime temperança... Apenas derramem as últimas notas dessa magnânima oração sobre o leito provincial desta úbere bonança...
Se, às querelas da imprudência, fui um joio a abrolhar por entre as rochas da ignorância, me perdoem os frutos da suposta e abismal arrogância... Pois até tentei, em pleno oceano da existência, perpetrar as entranhas do conhecimento no livro da vida e não encontrei a alquimia necessária que tanto em silêncio almejava aqueles hieróglifos decifrar para assim poder, à sombra da total purificação, lhes revelar o olímpico segredo de que na ínfima e alada essência não havia submergido em vão, qual cadáver à deriva nos confins da desértica e insossa evidência se perdera por tão pouco nas ondas discrepantes de uma magistral e polvorosa indecência...
Solilóquio às paredes às vezes com galhardia exultava o próprio reflexo esquecendo que a imagem do medo emitida pelo espelho da inexperiência sorvia uma cínica anuência... Dançava a esmo com aquela desmedida bandalhice... Como a um fantoche à penumbra da burrice tropecei... Caí na balança dessa aleivosa rebeldia crendo no fantasma da própria figura, mas já era tarde... Vi-me só caminhando por entre as fendas nevoentas de um inverno rigoroso e desmedido que à face lentamente e sem piedade umas rugas prazerosamente as emoldurava... Simplesmente dei por mim e lacônico sorri ante ao calabouço do quão necessário foi sentir na viva carne esse conflitante calvário para que pudesse às duras penas inda amadurecer mesmo que tardiamente...
Não se assustem e muito menos lamentem se sobre essa inerte matéria um flóreo amanhã adorná-la. Olhem para vocês mesmas e, à negra mordaça desse sublime momento, se vejam na sombra opaca do instante o quanto cresceram e amadureceram... Orgulhem-se por serem sensíveis e inteligentes... Irmanem simpatias... Irradiem bondades... Façam da vida o melhor de si... Afastem-se dos caminhos espinhosos e tortuosos das vulgaridades... Mostrem-se altivas e fortes ante as dificuldades que porventura forem apresentadas... De um pontapé nas vis materialidades do ser... Não coloquem o maldito metal acima de tudo... Façam dele um meio necessário e não um fim... Protejam-se das enrustidas hipocrisias... Não sejam lobas, mas sim cordeiras prontas a desmitificar a inumana verdade... Enfim, procurem desvendar o além-horizonte com o coração e verão que a esquadra dos sonhos ao ancoradouro da realidade lentamente irá se lhes aportar...
Sentirão que eles, embora embalsamados em muito no depósito de suas memórias, estarão, mais do que nunca, espiritualmente sendo acalentados... Não mais precisarão de nenhum ouro ou sequer de diamantes para realizá-los, pois os primeiros frutos desse sacrifício já lhes foram ofertados gratuitamente em face da fé e do amor até agora assiduamente suplantados pela esférica e quase que imperceptível inocência, - pra não dizer milagrosamente por este grandioso Deus a vocês, petizes da esperança, adoravelmente consagrados...
Não haverá qualquer contra-senso em quererem idealizá-los, somente as leis da crença é que hão de lhes conceder o passaporte da devoção: o da sinceridade de suas almas... – Cinzelado pelo Escultor da Vida nos pergaminhos do coração... E, quando à meia noite às badaladas do adeus os ramos messiânicos já tiverem enxugado a última lágrima sobre o leito desse concreto frio, apenas ajoelhem e agradeçam, mais uma vez diante do Altar da nobre existência, à Sua sublime e angelical onipresença...