O conflito de afirmação filosófica em Dom Quixote e Sancho Pança
Esta abordagem centra-se na vertente do conflito de afirmação pessoal existente nos personagens Dom Quixote e Sancho Pança. Na linha de realizar suas aventuras, ou de consolidar seus sonhos como um cavaleiro, ou cidadão, Dom Quixote vive um profundo conflito com seu fiel escudeiro, Sancho Pança. Este centrado em suas visões reais sempre questiona seu amo a respeito das batalhas e lutas a que se propõe vencer. O outro sempre preso a sonhos (in)atingíveis pelas lutas e desafios que realiza em sua travessia existencial.
No eixo dos conflitos de afirmação pelas buscas filosóficas arrematadoras do imaginário-real, do distante-perto transparente e do horizonte-além em Clarice Lispector, inclusive as de Sartre em A Náusea, pelo ser-aí-no-outro, as breves discussões aqui postuladas giram em torno da grande dificuldade de afirmação de cada cidadão no segmento espiralar da passagem.
Para a filosofia existencial justificadora da conquista humana, a iniciativa de Dom Quixote em tornar-se um cavaleiro e vencer seus inimigos estaria adequada aos sonhos de cada cidadão? Ou a razão de Sancho Pança em esclarecer que o seu amo estaria enganado ao ver nas imagens irreais o real de uma luta que não é preciso travar por se acreditar que as mazelas da vida são passageiras, e sem necessidade de confrontação?
Em teoria, as afirmativas bachelardianas dão suporte para esclarecer esta propositura. Sim, por Bachelard, e alicerçado em O Sonho de Voo, o homem se vê personificado em dois “eus” em transição. Um que contempla a conquista pelo devaneio e outro que encara o real de sua travessia pelas (in)certezas da conquista que não se realiza, mas que se prorroga ao nível do quase intangível. Pelos dois, o ser-aí (Sancho Pança) e o ser-aí-no-outro (Dom Quixote), o rumo espiralar provoca a imagem do real construída pelo irreal através do voo imaginário, o qual deixa o ser-homem em fase da construção de si, e sempre em busca da consolidação de espaços durante a peregrinação existente no além.
Destarte a verdade personalística dos cânones citados, cabe a cada cidadão debruçar-se no contexto de suas ações e viver sua filosofia de vida, seja ela acentuada por devaneios ou atos fatídicos. Afinal, a filosofia de nossa afirmação em passagem se mostra presa ou solta a si própria. Presa, porque temos a liberdade de expressão. Solta, porque nem sempre a realidade que se vê está em seu lugar existencial. A transição pelo moinho de vento dá o tom pela luta filosófica que só se consolida acima de si.
Sonhando ou encarando a realidade somos levados a uma filosofia existencial que não se esbarra na passagem, na travessia. Tudo se encaminha para além, pois tudo que enxergamos é sempre real e imaginário, pois “ninguém jamais teria por um segundo se defrontado com o oco de onde saem as coisas sem ficar para sempre com a indocilidade do desejo” em Clarice Lispector.