Contar Palavras
Um texto. Luiza precisa escrever um texto. Palavras que despertem nova emoção, que evoquem as mais remotas lembranças. A incumbência é suficiente para desencadear diversas reações. Luiza passa a noite remoendo as palavras procurando a melhor maneira para iniciar sua obra, entra na pequena sala onde escreve, para diante do espelho e olha para si mesma. Não reconhece a menina dentro dos seus olhos. Ela não tem nada a ver com a imagem da mulher que permanece estática pela surpresa.
Enquanto a memória atravessa as fronteiras do tempo, a menina magricela lhe sorri satisfeita. As pernas mais parecem dois bambus, os cabelos em desalinho, presos atrás das orelhas de abano, o olhar tem a profundidade de um lago e contrastam com as mãos ágeis que procuram papel e lápis.
A intenção é escrever as histórias extraordinárias que guarda como um verdadeiro tesouro. De repente, não lembra nenhuma delas, nem as mais corriqueiras. Perderam-se no espelho ou estão retidas na memória, junto aos sonhos que não realizou.
Luiza busca no espelho da alma o caminho percorrido atrás da escrita perfeita, da palavra certa, capaz de descrever todas as vidas que trás dentro da própria vida.
Não sabe dizer em que atalho perdeu a inspiração. As palavras ditosas não fazem parte do seu vocabulário. Por falta de recursos permanecem como diamante bruto a ser lapidado.
O esforço é continuo para se entender com as palavras. Qualquer papel serve para os rabiscos que só ela é capaz de decifrar. As palavras soltas correm na velocidade do pensamento, ganham vida, entram no ritmo frenético de prisioneiras recém libertas.
Desafiam Luiza a executar tão nobre tarefa, escrever um conto. Até que escreve bem, mas ao iniciar seu intento, como encontrar seu próprio estilo, capaz de transformar meras palavras em criação literária? Não encontra coerência entre o que se passa em sua mente e o que suas palavras querem dizer.
Sopra as cinzas do tempo e uma faísca brilha na memória. Tenta uma vez. Enrosca. Na segunda tentativa, algumas palavras surgem tímidas, desafiam seu senso critico, apaga, corrige, reescreve tantas vezes, que não sabe onde começa e onde termina o texto de frases soltas.
Nova tentativa. Só então as palavras caem em suas mãos como orvalho na madrugada. A leitura detalhada revela algumas palavras supérfluas, outras exageradas e algumas, não se encaixam no assunto em questão, sem contar os erros de gramática que necessitam de correção.
A pretensa escritora não conta com tamanho ardil. As palavras não obedecem e teimosas querem impor suas regras, como a mostrarem, que para ser escritora é preciso ter algo mais. Não basta saber escrever. É necessário que as palavras brotem da alma, para só depois serem analisadas, corrigidas, transformadas num bom texto, num presente a todos que apreciam a leitura de um conto.