Ao ver a boleta do Jardim da saudade com data para pagamento da taxa de manutenção já vencida, ficou p... da vida. E, com esse tema começamos nossa conversa durante o café da manhã. Ela dizia: quando eu morrer, prefiro ser cremada. De pronto discordei e começou a discussão. Justificava que o corpo era simples invólucro e que iria fazer uma autorização para tal procedimento. Fui categórico. Rebati que descumpriria sua última vontade e a colocaria lá, naquele lindo e florido lugar onde já se encontravam os restos mortais da saudosa e boníssima sogra (coisa rara), mãe dela. Quanto a mim, fazia questão de ser enterrado com todos os rituais admissíveis. Coroas, flores, orações e ai de qualquer ente querido que deixasse de me visitar no dia de finados! Pelo menos nos próximos cinco anos! E a discussão já estava a caminho das vias de fato, quando resolvemos deixar pra lá, a bem da paz e harmonia. Afinal, domingo ensolarado, churrasco à tarde e cara feia não iria pegar bem. Depois, meditando sobre o assunto, lembrei-me do meu saudoso tio C., cremado por sua vontade, cujas cinzas ele pedira que fossem atiradas nas águas do canal situado na entrada de Cabo-Frio. E assim foi feito. Nada contra. Preferência não se discute, todavia para os meus afetos, tenho uma porção de motivos de ordem sentimental, coisa que eu sou até demais. Encarnou em mim o Altemar Dutra? Sei lá... mas, onde eu iria depositar minhas flores quando batesse no peito a saudade? Além disso, os restos mortais sempre terão identidade própria – o DNA, apesar de serem apenas restos, há alguma coisa ali, representativa do indivíduo, que só ele tinha, mais ninguém. Já das cinzas, não se colhe mais nenhuma prova de uma existência. Já imaginou quantas descobertas a partir dos fósseis, das múmias e esqueletos das mais variadas espécies, se eles tivessem sido cremados? Restos mortais são até protegidos por lei. Por fim, quero ser enterrado e não abro mão desse direito. Também, pelo exposto, não acolho nenhuma autorização contrária ao que já disse, nem adianta insistir. Que venham depois conversar comigo após o enterro, se for o caso, mas, sempre peço a Deus: leve-me primeiro!
Abraços.