A RELIGIOSIDADE TIDA COMO INTERTEXTUALIDADE EM RENATO RUSSO: UMA LEITURA DE MONTE CASTELO E SE FIQUEI ESPERANDO MEU AMOR PASSAR
Ancorando-se nas referências de Assad (2000) e Dapieve (2003), no que diz respeito à bibliografia do cantor e compositor contemporâneo Renato Russo, e tendo como referencial teórico à afirmação de Silva (2002), para entender-se de que a intertextualidade é “um fenômeno constitutivo da produção do sentido e pode-se dar entre textos expressos por diferentes linguagens”. É sabido que, na literatura, é frequente apontar-se como um dos fatores de textualidade a referência explícita ou implícita a outros textos, tomados estes num sentido bem amplo (orais, escritos, visuais, artes plásticas, cinema, música, propaganda etc.). Assim, ao fazermos uma análise literária das músicas Monte Castelo e Se fiquei esperando meu amor passar, pertencentes ao disco As quatros estações do grupo Legião Urbana, a qual Renato Russo era o principal ocupante, notamos como a questão da intertextualidade esta sendo utilizada. Contudo, este trabalho remete antes de qualquer coisa, analisar estes fatores, procurando estabelecer os critérios que foram usados para a composição dessas músicas, lembrando sempre que o contexto social e pessoal do compositor sempre o influenciaram em suas criações poéticas. Levando-nos assim, a verificar como a religiosidade está ligada à estética criativa de Renato Russo, enfatizando o entrelaçamento entre projeto literário e projeto religioso, os quais perpassam tão aguçadamente os textos em questão.
PALAVRAS - CHAVE: Renato Russo, religiosidade, intertextualidade.
INTRODUÇÃO:
A carência de estudos sistemáticos e abrangentes sobre a obra de Renato Russo parece ser decorrente de distintos fatores, entre os quais o falacioso argumento de que a obra do músico carioca seria de baixa qualidade estética. Esse "preconceito estético" pode ser, todavia, um artifício para mascarar preconceitos ideológicos de duas origens diversas: de um lado, o desconhecimento, pela academia, das matrizes sociais que alimentam o real significado da obra; de outro, o esquivar-se, intencionalmente ou por razões políticas, sociais ou pessoais do universo histórico-cultural e ideológico do período em que os textos do autor foram produzidos. Isso não quer significar que a qualidade estética da produção de Renato Russo seja irrepreensível, ou que os estudos de sua obra devam priorizar o religioso, em detrimento do literário, ou vice-versa.
Este trabalho tem por finalidade analisar duas músicas do cantor e compositor Renato Manfredini Junior, mais conhecido como Renato Russo, vocalista e líder da extinta banda de rock Legião Urbana, que num período de aproximadamente 20 anos escreveu músicas das quais desperta na academia grandioso interesse de análises literárias, uma vez que em suas composições encontramos diferentes modos em que se acentua a intertextualidade.
Para Silva (2002), a intertextualidade é “um fenômeno constitutivo da produção do sentido e pode-se dar entre textos expressos por diferentes linguagens”, tal afirmação nos leva a averiguar como esse processo é feito em relação às músicas compostas por Renato Russo, pois nelas é notório como se forma um sentido ao relacionar os textos religiosos com sua escrita.
Na primeira composição, Monte Castelo, a relação se faz presente a partir do texto bíblico em que se encontra as cartas do apóstolo Paulo à igreja de Corinthios (I aos Corinthios v. 13). Já o segundo texto denominado Se fiquei esperando meu amor passar, a relação parte de um cântico católico com a música de Renato Russo. Para que seja possível a abordagem crítica desses textos, valer-nos-emos do exercício da leitura e análise propriamente ditas ancoradas, em fundamentos teóricos básicos.
Assim, dado os objetos de estudos, aliados a fundamentos teóricos, neste caso, temos o conceito que foi introduzido por Bakhtin e explorado por Julia Kristeva nos seus estudos de Semiótica. Ou seja, não há dúvidas que existe dialogismo (no sentido de Mikhail Bakhtin), ou intertextualidade (no sentido de Júlia Kristeva) nas composições de Renato Russo, uma vez que o poeta recupera, retoma idéias, reproduz frases, na tentativa de trazer uma nova leitura para o que já foi produzido.
JUSTIFICATIVA:
As músicas a serem analisadas fazem parte do álbum As quatros estações que segundo o próprio Renato Russo:
Quando as músicas deste disco começaram a ficarem completas, entrei em pânico. Eu realmente não sabia o que falar. Mas, gradualmente, conseguimos ter a disciplina necessária para que a nossa inquietação pudesse se transformar em letras. E isso gerou um disco com letras superespirituais. Poderia ter sido um LP das inquietações de um pseudo pop star num país de Terceiro mundo, mas preferimos canalizar tudo para o lado da emoção. São músicas sobre coração, espírito e Deus (apud ASSAD 2000; p 208).
Com essas afirmações do compositor fica claro que a religiosidade foi aplicada em forte dosagem, mas nos resta saber o porque de num mesmo disco essa questão se atenuar tanto. Considerando que “um texto literário é um conjunto de elementos lingüísticos artisticamente estruturados, que visa transmitir parcelas de significado da realidade”. (D’ONOFRIO, 199, p. 77). Tais fatores corroboraram para uma intensiva reflexão da vida pessoal do compositor, para saber como a religião está profundamente ligada às suas composições, e qual a situação pessoal em que o autor encontrava e quais os procedimentos que o levarão a tal criação.
O disco foi produzido, quando em decorrência de desentendimentos, o baixista Renato Rocha deixa a banda no limiar do lançamento de As quatro estações, álbum produzido por Mayrton Bahia. Lançado em novembro de 1989 este disco reflete o aperfeiçoamento nas letras compostas por Renato Russo, e explorou aspectos intertextuais de obras literárias. Alem dos aspectos intertextuais nos dois textos, que é o nosso objeto de análise, é interessante ressaltar que o segundo verso da música Há tempos é de um texto achado em uma igreja em 1600, mais uma vez o autor denota a preocupação com a estilística e a pesquisa na composição de suas letras. Na música Meninos e meninas, Renato deixava clara sua opção sexual: aos 18 anos disse a sua mãe que não casaria com a jornalista Ana Paula Camarinha, pois sentia atração por homens. Já em 1989, na temporada de lançamento do disco, Renato confessou, por meio de suas letras, ao país que era homossexual, “Acho que gosto de São Paulo/ gosto de São João/ gosto de São Francisco/ e São Sebastião/ e eu gosto de meninos e meninas”.
Segundo CANDIDO (1965, p. 83), “Freqüentemente tendemos a considerar a obra literária como algo incondicionado, que existe em si e por si, agindo sobre nos graças a uma forca própria que dispensa explicações”, neste sentido estudar esses modos com que se que configuram a intertextualidade literária em Renato Russo, nos leva a concepção de que o autor escrevia verdadeiras obras literárias, pois suas músicas agem, aos ouvidos de que as ouvem, como se fossem algo incondicionado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ASSAD, Simone. Renato Russo de A a Z: As idéias do líder da Legião Urbana. Campo Grande: Letra livre, 2000.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética. São Paulo: Editora da Unesp, 1993.
BROWN, C.S. “The Relations between Music and Literature as Field of study”. In: Comparative Literature, XXII, 1970, p.102.
CÂNDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 10. Ed. revista pelo autor, Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2008.
DAPIEVE, Arthur. Renato Russo: o trovador solitário. 8.ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.
RUSSO, Renato. As quatros estações. Rio de Janeiro: BMG, 1989.