ANTÍGONA: ASPECTOS DE UMA TRAGÉDIA

Por: Paloma Machado

Resumo:

O objetivo desse trabalho é fazer uma análise detalhada da tragédia grega de Sófocles, Antígona. O escritor de Édipo rei nos leva a uma leitura em que podemos fazer uma reflexão profunda acerca de diversos temas que fazem parte da atualidade, tais como: política, direito e o mais importante, a moral contida em cada indivíduo. Iremos adentrar o mundo de Antígona para expor as temáticas usadas a quase V séculos antes de Cristo e que até os dias atuais perduram com bastante polêmica. Mas antes de tratar da referida tragédia seria pertinente uma introdução para nos familiarizar com assunto. O termo tragédia é usado frequentemente para designar algo catastrófico ou que contenha dor e sofrimento ao indivíduo. O seu uso banal na atualidade não tem tanto significado como a tragédia que vamos abordar aqui. As tragédias eram representadas durante o festival de primavera intitulado dionisias urbanas, nesses festivais os tragediógrafos concorriam entre si a prêmios. Nossa análise parte de pressupostos históricos para complementar a pesquisa e compreensão da obra estudada, desta forma, a história nos dá embasamento teórico necessário para fazer tais afirmações.

Palavras-Chave: Tragédia, Sófocles, Antígona e análise.

Introdução

O que é tragédia?

O termo tragédia é usado frequentemente para designar algo catastrófico ou que contenha dor e sofrimento ao indivíduo. O seu uso banal na atualidade não tem tanto significado como a tragédia que vamos abordar aqui. As tragédias eram representadas durante o festival de primavera intitulado dionisias urbanas, nesses festivais o tragediógrafos concorriam entre si a prêmios.

Para Aristóteles a tragédia é uma “imitação” de uma ação elevada e uma linguagem que tem ritmo, harmonia e canto. Sua função é provocar a cartase. Segundo o escritor da Poética, a tragédia deve conter personagens de alta condição, tais como: heróis, deuses, reis, ser contada em uma linguagem elevada e requintada e ter um final triste acompanhado do sofrimento e da dor.

A tragédia é uma forma de drama que se caracteriza por sua seriedade e dignidade, frequentemente envolvendo um conflito entre uma personagem e um poder de instância maior, como, por exemplo, a lei, os deuses, a sociedade.

Podemos encontrar suas raízes na Grécia antiga como um culto religioso ao deus grego Dionísio:

“A poesia trágica não mantém na modernidade o seu significado mais profundo de festa religiosa. Seus temas foram preservados na literartura, indicativos dos grandes sofrimentos e da fragilidade dos homens, mas a celebração a Dionísio não pode persistir dada a sua especificidade religiosa” .

A catarse

A catarse é o meio pelo qual o homem purifica sua alma, através da representação da tragédia. Para Aristóteles, a tragédia é um estilo derivado da poética dramática e consiste na reprodução de ações nobres, por intermédio de atores, os quais imitam no palco as desventuras do herói trágico que, por suas escolhas, passam da felicidade para a infelicidade, provocando na platéia sentimentos de terror e piedade. Jean Pierre Vernant complementa:

“Visto que a tragédia coloca em cena uma ficção, os acontecimentos dolorosos, aterradores que ela mostra na cena produzem um outro efeito, como se fossem reais. Eles nos tocam, nos dizem respeito, mas de longe, do Além; situam-se num lugar diferente do da vida ... No público, desvinculado deles, eles ‘purificam’ os sentimentos de temos e piedade que produzem na vida cotidiana” .

Podemos ver a cartase como pacificação e exaustão das forças embriagadoras e insanas que são provocadas pela tragédia, que por sua vez tem em sua raiz esse mecanismo ritualístico herdado dos ditirambos criados para homenagear Dionísio, mos quais evoluíram para a modalidade trágica. Com a decadência da literatura greco-romana a catarse foi assimilada por outros estilos poéticos, assumindo novas formas conforme a evolução poética.

Sobre a catarse Rachel Gazolla formula:

“A dores humanas, os erros e incerteza, bem como a arrogância,a inveja, a vingança, o medo, a piedade, a vergonha, as expressões emocionais do ser vivo enfim, estão presentes nas falas das personagens. Enquanto assiste a encenação trágica, cada cidadão movimenta seu páthos na direção de uma Kátharsis, de uma purificação das emoções pelo ‘re-vivenciar através’, ou seja, por um movimento perceptivo-emocional que passa e repassa valores e critérios durante todo o espetáculo, coteja-os, escolhe, volta atrás, pondera [...]”

Sófocles e Antígona

Nasceu em Atenas, no bairro de Colona; desempenhou funções públicas de grande realce, foi amigo de Péricles e no ano de 440 a.C foi nomeado guarda dos tesouros da Acrópole, cargo para cujo desempenho de exigia uma honorabilidade acima de qualquer suspeita.

Suas biografias mencionam, como um dos títulos que o impuseram seus contemporâneos, a circunstância de ter sido um homem belo, tanto no físico como na moral. Seu espírito era lúcido, mesmo aos noventa anos de idade provou á sociedade que tinha pleno domínio de suas energias mentais ao defender um dos filhos que fora requerido aos juízes a sua interdição.

É possível que Sófocles tenha produzido mais de cem tragédias, mas só conhecemos apenas sete e com elas podemos ter a medida dos feitos do autor. Sófocles ganhou o primeiro premio nos concursos realizados durante os jogos solenes vinte vezes, concorreu a princípio com Ésquilo e mais tarde com Eurípedes.

Percebemos nas peças de Sófocles uma pequena redução do coro e a ampliação das personagens e do diálogo. Outra inovação do autor são os grandes painéis pintados que são os percussores dos cenários atuais, dando ao publico uma melhor visualização dos episódios por sua realização em local adequado. A influência dos deuses é diminuída no teatro do autor de Antígona e nesse aspecto suas tragédias tornam-se mais humanas. Os heróis já não serão tão cruelmente feridos pelas fatalidades, mas reage conforme suas vontades.

Em Antígona Sófocles imagina, de acordo com a tradição mitológica, que, após a desgraça de Édipo, seus dois filhos, Eteócles e Polinice disputam a posse do trono e por conta dessa briga, há uma luta onde os dois irmãos morrem no mesmo dia. Creonte, impondo-se como tirano de Tebas, presta honras fúnebres a Eteócles, mas proíbe, sob pena de morte , que sepultem o corpo de Polinice, para que fique exposto a aves carniceiras.

Antígona, também filha de Édipo, expõe-se ao perigo, contrariando o decreto de Creonte e presta as honras fúnebres a seu irmão, Polinice. Todo o desfecho trágico se desdobra dessa ação heróica da jovem. Após o ato, Antígona é condenada à morte apesar da súplicas de seu noivo e filho de Creonte, Hémon. No final temos o suicídio de Antígona, Hémon e a morte da esposa de Creonte, Eurídice.

Antígona é uma bela peça de Sófocles onde percebemos a harmonia com o sentimento moderno. A morte exposta em Antígona é chocante e ainda hoje nos provoca a cartase. Percebemos que mesmo o efeito que a morte causa meche com os sentimentos dos homens, como explica Karl Reinhardt:

“A morte torna-se um drama apenas – isto é, não apenas um drama de um moribundo, mas o drama da própria morte, mesmo se apresentado por meio de uma menina – na medida que a vida irrompe mais uma vez no centro de uma imutabilidade já aceita voluntariamente, e ambos os reinos – o da morte e o da vida – entram em conflito um com o outro” .

Antígona, a personagem e seu valor moral dentro de uma sociedade com leis masculinas.

A personagem Antígona foi composta como contraposição a irmã, temos Ismênia de um lado, representando a fragilidade e Antígona do outro onde temos a representação da força. Ismênia é doce, tímida, submissa e podemos dizer que é temerosa e obediente e por outro lado Antígona mostra ser todo o oposto da irmã, ela é disposta, forte e decidida quando se trata de seus valores. Antígona sabe que morrerá ao descumprir as ordens de Creonte e mesmo assim a mesma dá as honras fúnebres a seu irmão Polinice. Verifica-se isso no seguinte trecho:

“Antígona – Uma coisa é certa: Polinice é meu irmão, e teu também, embora recuses o que eu te peço. Não poderei ser acusada de traição para com o meu dever.

Ismênia – Infeliz! Apesar da proibição de Creonte?

Antígona – Ele não tem o direito de me coagir a abandonar os meus!

Ismênia – Ai de nós! Pensa, minha irmã, em nosso pai, como morreu esmagado pelo ódio e pelo obrópio, quando inteirado pelos crimes que praticara, arrancou os olhos com as próprias mãos! [...] ” .

O que temos no fragmento acima é um exemplo da clara contraposição entre a figura central, Antígona e sua irmã, Ismênia. Se a primeira demonstra fortes valores ao desafiar o decreto de Creonte, a segunda demonstra toda a sua fragilidade e temor diante da situação.

Antígona é detentora de grandes valores e morrerá por eles. Mesmo sabendo que sofrerá as conseqüências ao prestar tributos fúnebres a seu irmão, ela executa o que deve ser feito segundo os seus valores. Já Ismênia se recusa a ajudar a irmã e ainda tenta parar Antígona, Polinice também é seu irmão, mas ela obedece às ordens do tirano Creonte.

O que podemos notar nos traços de Antígona é que ela se porta da maneira “que acha certo”, ou seja, para ela presta os cumprimentos para seu irmão morto é algo cultural e honroso, mesmo que Creonte seja o governante e decrete que os tramites fúnebres não devem ser prestados para Polinice, ela vai em frente e faz. Antígona demonstra grande força em relação à circunstância, pois a mesma acabou de perder sua família e ainda assim prosseguiu com suas vontades. Ela não “abaixou a cabeça” como fez a sua irmã Ismênia.

As leis severas de Creonte levaram a óbito Antígona. O tirano não voltou atrás em suas decisões e por conta disto teve seu destino manchado pelo sangue de sua família. No início percebemos um Creonte implacável e que não mudará de idéia castigando assim Antígona. Pare ele, Polinice era traidor da polis e Eteócles o defensor, seu dever como chefe de Tebas e honrar apenas um. Para ele a desonra de Polinice deve acontecer é algo fundamental.

A conduta de Creonte esta baseada no ódio e percebemos isso no diálogo entre ele e seu filho, Hémon:

“Creonte- Devo eu, na minha idade, receber conselhos de um jovem?

Hémon – Ouve somente os que parecem justos. Sou moço ainda; mas nós devemos atender às razões, e não à idade.

Creonte - Terei eu então de honrar alguém a quem se mostrou rebelde?

Hémon – Nunca proporei que se respeite a quem houver praticado o mal.

Creonte – E por acaso não foi um crime o que ela fez?

Hémon – Não é assim que pensa o povo de Tebas.

Creonte – Com quem então cabe à cidade impor-me as leis que devo promulgar?

Hémon – Vê como a tua linguagem parece ser a de um jovem inexperiente!

Creonte – É em nome de outrem que estou governando neste pais?

Hémon – Houve não há estado algum que pertença a um único homem!

Creonte – Não pertence a cidade, então a seu governante? [...] “ .

O que se percebe é um Creonte totalmente inflexível, seu filho Hémon tenta, sem êxito, mostrar ao pai o equívoco que ele esta cometendo ao castigar Antígona. Toda essa atitude intolerante de Creonte pode contribuir por ele ser um rei com poderes não consolidado e isso lhe da insegurança.

Creonte não aceita ouvir ninguém, para ele o certo é a punição adequada pela inflação de Antígona. Ele não respeita nenhuma opinião, pois esta preso ao ódio que a desobediência de Antígona.

A tragédia que estamos estudando começa com um ato de desobediência de Antígona que vai contra ao decreto do tirano de Tebas e estende-se por uma teimosia de Creonte. Desde o início há a presença do destino trágico que guia as personagens.

Vale salientar que temos nas tragédias gregas a presença de um fator transcendental que pode ser o destino, os deuses e etc. Em Antígona o fator destino é importante para que entendamos as ações das personagens no decorrer da peça. Quando lemos Antígona em uma primeira análise nos surgem várias questões, como: Por que Antígona não se escondeu ao prestar as honras fúnebres ao seu irmão para não ser punida? Por que Creonte é tão intolerante que não consegue enxergar que suas ações estão caminhando ruma a um infortúnio familiar? Nenhuma dessas questões podem ser respondidas sem serem pensadas anacronicamente.

Quando lemos uma obra devemos lembrar quando ela fora escrita para não cometermos equívocos com sua interpretação. Os gregos antigos detinham suas crenças e culturas, as quais devemos conhecer e respeitar antes de fazer uma análise critica em cima das obras da citada época.

Sobre os aspectos presentes em uma tragédia Rachel Gazolla postula em seus ensaios:

“Há alguns aspectos excessivamente recorrentes nos textos trágicos. É o caso do uso de uma linguagem técnico-jurídica proveniente do Direito nascente enquanto instituição peculiar da pólis, e que o poeta traz ao teatro. É facilmente constatável tal recorrência pela escolha temática dos crimes de sangue que acompanham uma família, crimes sujeitos à competência de algum tribunal especial [...]”

Outra característica que podemos tirar de Antígona é a desgraça que caí sobre a família de Édipo, mas cabe para nós trabalhar apenas com os filhos do citado rei, pois nosso trabalho delimita-se na tragédia Antígona, que faz parte de uma trilogia composta por: Édipo rei, Édipo em colono e Antígona. Gazolla nos mostra essa característica, onde podemos perceber no trecho abaixo:

“J. - P. Vernant aponta, ainda, para a noção de miasma, isto é, do tenebroso que cai sobre uma família ou cidade não-purificada, fato que se relaciona à experiência primitiva da juridicidade não-institucionalizada [...]”

Considerações finais

Com a análise da tragédia Antígona conseguimos encontrar um rico material para estudo. Podemos refletir acerca das inúmeras temáticas que podemos estudar na citada obra. São notáveis os temas abordados no texto escrito há cinco séculos a.C que poderiam ser analisados nos dias atuais. É importante ressaltar que teóricos como Rachel Gazolla, Jean-Pierre Vernant e Karl Reinhardt se debruçam nos estudos das tragédias gregas e nos dando materiais para facilitar a nossa compreensão das mesmas.

Para ler um tragédia devemos ter uma bagagem teórica um pouco acentuada para não cometer equívocos e fazer da leitura algo mecânico. Temos em Antígona temas que podem ser explorados em vários âmbitos e que se bem baseados podem nos mostrar uma obra mais completa. Diante do exposto deixamos claro que nosso objetivo era levantar questões que leitores mais atento de Antígona fazem e que muitas vezes ficam sem respostas, o que queríamos era incitar o leitor a ler além da Antígona, queríamos uma abordagem mais abrangente.

Referências Bibliográficas:

_ GAZOLLA, Rachel. Para não ler ingenuamente uma tragédia grega. São Paulo:edições Loyola, 2001.

_ REINHARDAT, Karl. Sófocles. 3. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2007.

_ Sófocles; Ésquilo. Rei Édipo, Antígone, Prometeu acorrentado. Rio de Janeiro: Ediouro.

_ VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e tragédia na Grécia antiga II. São Paulo, editora brasiliense, 1991.

PalomaMachado
Enviado por PalomaMachado em 25/06/2011
Código do texto: T3055902
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