CONDENSADO DE Algumas observações sobre a noção de “inteligibilidade” e de “variabilidade” em língua portuguesa: uma leitura de Paiva Raposo.
Este artigo pretende refletir sobre inteligibilidade e variabilidade em língua portuguesa a partir da leitura do artigo de Eduardo Paiva Raposo. O texto é intitulado “Algumas observações sobre a noção de «língua portuguesa”, publicado in Boletim de Filologia, Lisboa, 29, 1984, pp.585-592.
Muitos são os fatores para que um discurso seja considerado inteligível. Raposo busca refletir sobre o que é a expressão “língua portuguesa” e que conceito ou noção está por detrás desta expressão.
Tomando, ipsis litteris, a passagem “de modo nenhum uma realidade homogênea”, é possível também afirmar com segurança ser um sonho ou uma utopia o que busca a normatividade pela normatividade: seres humanos falando (e escrevendo), de tal forma homogeneamente que, de norte a sul e de leste a oeste do Brasil, por exemplo, todos os falantes (e escreventes) da língua portuguesa estejam padronizados.
Parece bastante claro e explícito até, que somos falantes e escreventes da variante brasileira oriunda da língua portuguesa, variante não homogênea e receptora de realidades subdialetais ou falares. Nessa linha de raciocínio, equivocado seria, portanto, acreditar que falamos e, pior ainda, escrevemos a “língua de Camões”.
Ao longo de sua argumentação e exemplificação, muito apropriadamente Raposo lança a pergunta: “Que restará então da noção de “língua portuguesa”? Atrevo-me a responder. Resta, a noção de que temos um novo “falar” e um novo “escrever” em cujo mapa genético está registrado o falar/escrever português. De Portugal. Cada fala/texto escrito tem sua personalidade, estilo, além de autonomia. A variação do português que hoje falamos é uma filha, maior de idade, emancipada, que casou e constituiu uma família da qual é a condutora.
Portugal é Portugal, Brasil é Brasil, cada um com seus usos e costumes acumulados através dos séculos de civilização. Observe-se que Raposo frisa a especialidade da cultura. No Brasil, junto com os nativos e com os africanos, uma nova cultura foi se firmando, bem diferente daquela das terras portuguesas, de seu clima e de sua história de povo.
Paiva Raposo coloca em pauta a inteligibilidade como um critério “facilmente falsificável”. O fato de um brasileiro conseguir manter um diálogo com/ ou escrever uma mensagem para um cidadão de Portugal e ser por ele entendido/traduzido, não confere homogeneidade a um idioma e nem serve para dizer que no Brasil se fala a língua portuguesa. Nem seria legítimo dizer que em Portugal se fala/escreve o português em sua variante brasileira.
O mesmo é verificável de região para região, no Brasil, e também até de município para município, mesmo dentro de um determinado estado da Federação. A exemplo disto, há barreiras na comunicação entre pessoas de diferentes faixas etárias, entre pais e filhos, entre todos e, justamente advindos dos diferentes modos de expressão oral. Convém até considerar estudos que vêm discutindo a influência da televisão que, supostamente, tem conseguido uma homogeneização dos falares. Isto que se diz sobre a linguagem midiática não pode ser menosprezado, pois alguma verdade há. Mas verdade é, inclusive, que se trata de uma cultura imposta e de certo modismo. Entretanto, está e ficará de alguma forma, como parte integrante de nosso discurso.
Desenvolvemos o hábito de pensar línguas sempre a partir da modalidade escrita, desprezando-se desta forma, a incomensurável importância da oralidade, por onde tudo se inicia: “E Deus disse...”. E depois fez escrever nas tábuas. A primeira necessidade do homem é a de comunicar-se com os seus semelhantes, seja usando os sons da fala ou os gestos e expressões fisionômicas. A segunda necessidade é a de registrar o seu pensamento, desde as cavernas até a tela do micro.
A história comum que se descortina aos nossos olhos é a promovida pelos diversos aspectos da globalização, do avanço das comunicações e das tecnologias avançadas que interligam povos em todos os quadrantes do planeta Terra. O sistema capitalista, a formação de blocos econômicos, o desenvolvimento do turismo, as taxas de imigração e emigração e o sentido de cidadania global movimentam políticas, desfazem fronteiras, impõem outros interesses e constroem nova cultura. Esta cultura que se forma tem dimensões ainda obscuras e, a despeito de se propor única, abarca as diversidades. Nesse conjunto em formação a realidade maior cria outras células de realidades internas e as línguas se movimentam gerando novos falares. A escrita, por sua vez, também se modifica, aproxima-se da oralidade e da informalidade para acompanhar a velocidade das transformações e se torna compacta, prima pela objetividade e se casa com o visual.
Muitos países e ocidentalizam para, também, não ficarem fora do processo que se plasma na sociedade. Visando à democratização dos povos, a linguagem é utilizada para alcançar e convencer multidões. A intensidade e o frenesi do novo e definitivo influenciam a linguagem.
Além disto, novas formas de falar e de dizer apontam, a exemplo da linguagem das tecnologias. Os impérios econômicos ditam as normas de tal sorte que alcancem seus objetivos. A língua inglesa está por toda parte, da barraquinha de hot-dog aos aeroportos. Não se diz mais que estudar a Língua Inglesa é alienação, mas artigo de primeira necessidade. E nem se pode mais atribuir a preferência pelo idioma inglês ao fascínio exercido pela ex-inabalável potência econômica norteamericana, pois o euro se eleva perante o dólar.
A esta altura cabe perguntar: O que falamos? Dizemos coisa com coisa? Somos inteligíveis entre todos? É bem possível que estejamos falando e escrevendo uma novíssima variante linguística pagã.
Essa variante está, como o próprio termo o diz, em contínua mutação e sob as influências do momento histórico e do entrelaçamento entre culturas. Reprimir esse entrelaçamento é tentar impedir o curso natural da essência humana que tem na sua manifestação oral e escrita a justificativa de sua condição de inteligência e de racionalidade.
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS
Disponível em: http://cvc.instituto-camoes.pt/hlp/biblioteca/observlingport.pdf
Acesso em 29 de maio de 2011