NADA SE CRIA, TUDO SE RECRIA


"Porque eu me organizando, posso desorganizar"
(Mangue Beat)


Imitar ou não imitar, eis a questão. Hoje, em pleno ano de 2007, podemos ainda mais livremente iniciar um texto assim, parafraseando o dramaturgo inglês William Shakespeare, em sua célebre tragédia Hamlet. Felizmente hoje, nestes tempos que alguns teóricos consideram como pós-modernos, a intertextualidade permite-nos uma maior e melhor (re)elaboração dos ditos e escritos.

O escritor Laurent Jenny, em seu texto "A estratégia da forma", desenvolve uma análise da angústia da influência, uma interpretação psicologizante da evolução literária realizada por Harold Bloom . Segundo eles, tanto o escritor quanto o poeta e o compositor estão sempre atemorizados e premidos entre o negar e o confirmar suas influências. Esta angústia parece estar, hodiernamente, parcialmente diluída, pelos novos entendimentos intertextuais sobre os “paratextos”: paráfrase, pastiches, repetição, paródia, cópia, plágio, simulacro etc. Sem voltarmos a incidir num dogma da imitação, como à época do Renascimento2, aproximamo-nos da proposta antropofágica modernista, devorando nossas próprias vísceras.

Se a cultura é o patrimônio de um povo, não poderia ele disto fazer o uso que melhor lhe convier? Se os textos passam a dialogar entre si, o discurso torna-se polifônico. Nas multifacetadas construções poéticas (sic) da Timbalada, nos cross-over das histórias em quadrinhos, nas paródias musicais de Falcão ou nas referências implícitas ou explícitas do cinema americano - que mente, brasileira(mente)... o poeta Gonçalves Dias é que sabia, sabe lá se não queira uma odisséia bananeira (ó tristes trópicos, Belchior!) - há um fator comum: se não um caldeirão, pelo menos um copo de multiculturalismo e muita, muita criatividade.

Afinal, "se não há nada de novo sob o Sol", haverá "mais coisas entre o Céu e a Terra do que julga nossa vã filosofia?" (retomando, aqui, as falas de Shakespeare). Umberto Eco4 diz que “será exatamente aceitando o princípio de que os vários tipos de repetição constituem características constantes do procedimento artístico, que se poderá partir deles para estabelecer critérios de valor.” Esta é a tônica e o novo paradigma do século XXI: revalorar a repetição.

“Ou bem nos explicamos, ou bem nos constituímos – eis o falso dilema para o intelectual brasileiro”, afirma Silviano Santiago . Se a nossa cultura é dependente, também é completamente diferente da européia, incorporada que teve todas as variantes étnicas dos vários povos que a constituíram, tornando-se igualmente universal. Esta suposta "dependência" tornou-se uma interdependência, não mais um retrato da relação colonizador-colonizado. No caso brasileiro - similar a outros países latino-americanos - a busca por uma identidade cultural nacional inicialmente provocou uma frustrada tentativa de "libertação" das influências européias, em busca de sua "literatura nacional". Era a angústia da influência em plano macro. A proposta antropofágica oswaldiana e o tropicalismo da baianada foram precursores (assim podemos entender) do que viria (e continua a ser) afirmado: a possibilidade da originalidade e da criatividade nas várias formas de "repetição"... ou de releituras, que enriquecem e ampliam o texto precursor.

Ê bumba-iê-iê-iê-boi, ano que vem, mês que foi! O fato é que qualquer obra se impõe pela sua qualidade. O autor que antes tinha vergonha de assumir sua influência, ao mesmo tempo tendo que revelá-la, não raro incorria em acusações de plágio. A reelaboração, conquanto não negue as idéias originais, é muito mais simbólica enquanto reconhecimento e ”homenagem” de uma obra a outra. O que importa é que "quem não se comunica se trumbica" e se já estamos clonando pessoas, porque não clonar idéias? Vai num simulacro, aí?

1 JENNY, Laurent. A estratégia da forma. In: Intertextualidades. Coimbra, Livraria Almedina, 1979. ((Poétique, 27).
2 Idem, ibidem
3 BLOOM, Harold. The Anxiety of Influence. New York: Oxford University Press, 1973
4 ECO, Umberto. A inovação no seriado. In: ____. Sobre os espelhos e outros ensaios. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1989.
5 SANTIAGO, Silviano. Vale quanto pesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. “Apesar de dependente, universal”.
6 GIL, GILBERTO. Geléia Geral