SOBRE O ENSAIO DA CEGUEIRA

Estou quase no fim do livro ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, de José Saramago.

Que bela visão da alma humana! Me fez imaginar o que seria viver naqueles dias, onde a vista perde sua função de ver, onde os seres perdem a dignidade e passam a viver apenas em função das suas necessidades imediatas.

Fico a imaginar como essa história vai acabar? Será apenas um sonho?

Ou teremos uma nova organização social onde haverá superação da total desorganização? O mais legal é saber que meus amigos já leram ou viram o filme, mas ninguém quis me tirar o gostinho de chegar a última pagina desse livro em que o autor é um condutor de uma história da alma humana, onde os personagens não tem nome apenas características como a mulher do doutor, o cachorro que lambe lágrimas, o rapaz zarolho, a rapariga...

A mulher do doutor de olhos, é a grande heroína, é a unica que não cegou, o mundo inteiro perdeu a visão, menos ela, que segue história a fora a ver as misérias do cenário de dor e destruição, que os cercam, que se permitiu prender no inferno dos cegos, para continuar junto do seu marido, sim o autor está correto, uma mulher que ama é capaz de se anular, se fazer de cega, só para ser os olhos do seu amor, porque uma mulher sabe o valor desse sentir, que se deixou violentar para permitir que todos pudessem comer, mas essa mesma mulher que se deixou violentar de todas as formas foi capaz de matar seu carrasco, e uma outra mulher enlouquecida de fome e dor, se permitiu queimar para libertar os outros cegos que já não comiam a dias.

A podridão, a fome, a falta de água e luz, a falta de banho, o mau cheiro dos corpos que apodrecem em vida, merda por todos os lados, no meio de toda desordem um grupo de sete pessoas se unem e uma família se faz, não de sangue mas de amizade, de bem querer, um lar torna-se uma ilha de paz, em um universo podre, ao ler podemos quase sentir o mau cheiro das ruas, podemos imaginar um escritor cego , escrevendo com uma técnica própria, podemos ver a alegria do banho na chuva fria, após tanto tempo sujos de toda porcaria, nos limpamos juntos e sentimos o perfume do sabonete que é usado, e finalmente uma noite de sono em um ambiente limpo, um oásis...

Ainda não terminei a leitura, mas se parar aqui já senti dentro de mim uma emoção sem fim, e me vi lá no meio deles, vivendo a dor do abandono, da fome, do abuso e reagindo, e buscando e reerguendo do nada um universo de paz.

O que seria do mundo sem a literatura? Sem o amor? Sem a organização social? Sem homens geniais como Saramago?

Agora já terminei e não gostei da mulher cegar no final, (pelo menos foi o que entendi), quando os outro voltam a ver, a pobre mulher que tanto ajudou no final se danou.

Gostaria de vê-los organizados e reformando todo o caos, seria bom ver o amor entre o médico e sua mulher, que de tanto amor se deixou ir ao inferno em vida. Longe de mim criticar esse maravilhoso autor, mas sempre amei gostar ou não gostar de um texto e adoro dividir isso com outros leitores. Um dia um professor da faculdade disse que eu não tinha cabedal para gostar ou não de um autor, que deveria me limitar em analisar o texto de forma impessoal e técnica, pois achei que ele estava errado, quando um texto chega a um leitor, ela passa a pertencer também a mente desse leitor, e isso o faz participante atuante da obra, podendo assim sentir, questionar, gostar ou não gostar, emitir sua opinião. Isso faz uma obra de valor visto que faz uma mente pensar no que o autor desejou que fosse visto em foco. Na verdade a cegueira maior é a que vivemos, onde os valores são invertidos, falsa moral pregada, e a gente que de alguma forma incomoda é segregada e essa segregação faz guetos sociais dentro da sociedade maior, isso ocorre em pequena escala e vai se repetindo até chegar a esfera dos países. A cegueira é tanta que temos guerras para vingar a paz que nunca existiu.

Não gostei do final mas amei essa obra, que nos faz ver os seres com suas almas em carne viva, sentimos fome, sede, sentimos cheiro de podre, vemos o capitalismo reduzido a merda, isso é maravilhoso! Porque no fim somos todos iguais, a merda da rainha fede igual a de qualquer outro ser, e naquele mundo de cegos nada mais há de diferença entre seres que se degradam e mesmo assim a alma se mantém intacta com seres que violentam e seres que se mantém íntegros ao amor e aos princípios de amor ao próximo.

AMO JOSÉ SARAMAGO!