INTERPRETAÇÃO, SUPERINTERPRETAÇÃO E PÓS-MODERNIDADE: tributo a Paulo Leminski

* ESTE ARTIGO TERÁ MAIS UMA REVISÃO E, NO FORMATO ORIGINAL, SE ENCONTRA NAS NORMAS DA ABNT

* Profa. Tânia Maria da Conceição Meneses Silva

* Profa. Josevânia Guedes

* Prof. Roberto Carlos Bastos da Paixão

RESUMO

O objetivo deste estudo foi o de apresentar as noções básicas de interpretação e superinterpretação de textos, aspectos da cultura pós-moderna, da crítica literária e de noções rudimentares da Linguística Aplicada, colocando em foco a poesia de Paulo Leminski. Foi realizada uma revisão da literatura (pesquisa bibliográfica) de teorias sobre a temática em pauta e, comentados à luz desses ensinamentos, 3 poemas do poeta Paulo Leminski. O estudo serviu para esclarecer abordagens das teorias da interpretação textual e, ainda, lançar um olhar sobre uma mostra de 3 poemas de Paulo Leminski, num exercício de aproximar-se das teorias consultadas.

Palavras-chave: interpretação, superinterpretação, textos poéticos, Paulo Leminski

ABSTRACT

The aim of this study was to present the basics of interpretation of written texts, aspects of postmodern culture, literary criticism and rudimentary notions of Applied Linguistics, focusing on the poetry of Paul Leminski. We performed a literature review (literature search) theories about the issue in question and discussed in the light of these teachings three poems of the poet Paul Leminski. The study served to clarify approaches to the theories of textual interpretation, and also take a look at a sample of three poems by Paul Leminski, an exercise in catching up with theories consulted.

Keywords: interpretation, overinterpretation, poetic texts, Paulo Leminski

INTROUÇÃO

Humberto Eco levanta a questão de algumas teorias da crítica contemporânea. Essas críticas têm uma característica que chama a atenção, a de que “a única leitura confiável de um texto é uma leitura equivocada”, e, mais precisamente, “que a existência de um texto só é dada pela cadeia de respostas que evoca”; e que, ainda inclui Eco, “como Todorov sugeriu maliciosamente (citando Lichtenberg a propósito de Boehme), um texto é apenas um piquenique onde o autor entra com as palavras e os leitores com o sentido”. (Eco, 2005, p. 28)

A discussão de Eco coloca autor e leitor frente a frente com um dilema, além de entre o autor e o leitor colocar a intention operis e, com isto, apresentar a coluna mestra da literatura: o texto. Este goza de autonomia, mesmo em relação ao seu criador, dele fazendo instrumento de sua autocriação. O autor é capaz de perceber a caminhada autônoma de um texto e, perante ele, desconhecer-se e desconhecê-lo. Duas opções apontam neste contexto complexo: o texto é um mundo e o mundo é um texto. Tais afirmações não desentronizam o autor e nem entronizam o leitor. Estabelece-se uma tríade criativa: autor, leitor, texto. O autor se lê como um leitor comum da própria obra que não conhece, pois o texto tem vida própria e o leitor comum passa a ser autor do seu próprio texto interpretativo (um texto que se forma na mente do leitor) ainda que disto não tenha alguma consciência. Trata-se do racional irracionalizado.

"O conhecimento secreto é o conhecimento profundo (porque só o que se encontra sob a superfície pode se manter desconhecido por muito tempo). Assim a verdade passa a identificar-se com o que não é dito ou com o que é dito de forma obscura e deve ser compreendido além ou sob a superfície de um texto. Os deuses falam (hoje diríamos o Ser fala) através de mensagens hieroglíficas e enigmáticas". (Eco, 2005, p. 35)

Em sua obra Teoria da Literatura: uma introdução, Eagleton (2003, p. 3), mesmo definindo a literatura como ficção, afirma que tal conceito não procede. Acrescenta que a distinção entre “fato” e “ficção” não é útil e sim questionável. A peculiaridade da literatura se encontra na forma de uso e organização incomum da linguagem, “sendo um erro considerá-la como a expressão do pensamento de um autor”.

Na Inglaterra do séc. XVIII, o conceito de literatura não se limitava, como costuma ocorrer hoje, aos escritos “criativos” ou “imaginativos”. Abrangia todo o conjunto de obras valorizadas pela sociedade:

"filosofia, história, ensaios e cartas, bem como poemas. Não era o fato de ser ficção que tornava um texto “literário” _ o séc. XIII duvidava seriamente se viria a ser literatura a forma recém-surgida do romance _ e sim sua conformidade a certos padrões de “belas letras”. Os critérios do que se considerava literatura eram, em outras palavras, ideológicos: os escritos que encerravam valores e “gostos” de uma determinada classe social eram considerados literatura, ao passo que uma balada cantada nas ruas, um romance popular, e talvez até mesmo o drama, não o eram. Nessa conjuntura histórica, portanto, o “conteúdo de valor” do conceito de literatura era razoavelmente auto-evidente". (Eagleton, 2003, p. 35)

Continuando sua explanação sobre a literatura, Eagleton conclui com a palavra de Empson, (à luz da Nova Crítica), que acreditava serem os significados de textos literários algo casual, e jamais poderiam ser “reduzidos a uma interpretação final”.

Preocupado com a função e a forma e com o que é a literatura e qual o seu traço distintivo, Compagnon (1998, p. 40), acerca-se do que foi dito por Eagleton (acima citado), tendo em vista que é taxativo em dizer que

"Qualquer signo, qualquer linguagem é fatalmente transparência e obstáculo. O uso cotidiano da linguagem é referencial e pragmático, o uso literário da língua é imaginário e estético. A literatura explora, sem fim prático, o material linguístico. Assim se enuncia a definição formalista de literatura".

E, quanto às intenções do autor, a exemplo de Eco, Compagnon anuncia a “morte o autor” e assevera que se se fosse levar em conta o lugar comum criado em torno de tal propósito, a crítica literária se tornaria inútil, supérflua.

Quanto ao lugar do autor, Compagnon (1998, p. 52) o computa como o mais controvertido e a este dá sua maior atenção. Este estudioso propõe a saída da “especularidade” da nova crítica e da história literária que ensejaram “a controvérsia e reduziram o autor a um princípio de causalidade e a um testa-de-ferro antes de eliminá-lo”.

Acerca do leitor e de seu papel frente ao texto, há de se pensar muito, pois existe a obra, o autor e o leitor. Quem convidou o leitor? Para quem escreve um autor? Quais as responsabilidades do leitor?

DESENVOLVIMENTO

Muitas perguntas poderiam ser formuladas, desde aquelas direcionadas a elites intelectuais, aos críticos, aos autores em geral, ao público, etc. Há uma transformação magnífica por toda a parte do mundo e a responsabilidade criada em torno do incontrolável avanço tecnológico e da comunicação em massa. O que é literatura? Quem é o autor? Quem é o leitor? Aqui reside o conflito, o nó deste contexto.

Levam à mais reflexões as considerações de Paulo Leminski sobre as relações texto/autor/leitor em sua obra Ensaios e Anseios Crípticos:

“O primeiro personagem que um escritor cria é ele mesmo./Só os imbecis procuram um eu atrás do texto literário. Em literatura, a própria “sinceridade” é, apenas, uma jogada de estilo./Um escritor medíocre não consegue ser “sincero”. Técnica, coração./Para ser sincero, é preciso dispor das técnicas que indiquem, signem, sinceridade. Sem isso, a mais pura das explosões verbais, a mais direta, a mais “espontânea”, será apenas mais uma manifestação de imperícia literária. Um amontoado de bobagens que o tempo vai se encarregar de destinar ao lixo, onde jazem as ilusões./Assim como não comporta um “eu”, o texto literário também não se refere a nenhuma realidade fora de si mesmo./A primeira frase de um conto ou romance indica uma realidade exterior. Na segunda frase, começa a

textualidade. Dali em diante, o texto será cada vez mais auto-referencial./Quanto mais virtudes literárias apresente um palavreado, menos relações terá com uma realidade “exterior”./O texto literário só tem interior.”

(...)

“O leitor, no texto literário, também é uma ficção. Nunca sabemos quem vai nos ler, nem como, nem quando. No fundo escrevemos para nós mesmos./Um texto literário é objeto sem autor, para leitor nenhum, não se referindo a nada, a não ser ele mesmo./Estilo também não existe./Não existe isso que se chama “escrever bem”. Existe é pensar bem./Escreve é pensar. Quem pensa mal, escreve mal.

Não há habilidade retórica que consiga disfarçar um pensamento fraco ou medíocre./Tem gente que domina os recursos de estilo, maipula vasto vocabulário, constrói bem suas frases e sabe dar às palavras o justo peso. Mas tem prensamento fraco, ralo ou sem cor./Não existe estilo de linguagem. O que existe é estilo de pensamento.”

(Leminski, 1986, pp. 73/74)

Uma outra negação da leitura, baseada em premissas bem diferentes, mas contemporânea, se encontra em Mallarmé, que afirmava em “Quant au Livre! [Quanto ao Livro]:

"Impersonificado, o volume, na medida em que se separa dele como autor, não pede a abordagem do leitor. Tal, saiba entre os acessórios humanos, ele se realiza sozinho: fato, sendo. O livro, a obra, cercados por um ritual místico, existem por si mesmos, desgarrados ao mesmo tempo de seu autor e de seu leitor, em sua pureza de objetos autônomos, necessários e essenciais. Do mesmo modo que a escrita da obra moderna não pretende ser expressiva, sua leitura não reivindica identificação por parte de ninguém". (Compagnon 1998, p.140)

A autonomia do texto é uma ideia que acorre quando se pensa em tudo que já foi dito ao longo da civilização, especialmente sobre a poesia em formato de expressão textual cujas origens preexistem em um distinto universo transcendental e onírico. Retomando Eco, talvez seja preciso, neste caso, referir-se às intenções do texto para marcar a independência da poesia, mesmo em sua aparência física de texto escrito. Como o livro de Mallarmé, cumpre parafrasear:

Impersonificado, o poema, separa-se do poeta e, absolutamente exige a abordagem ou a interpretação do leitor. Essa busca desesperada em desvendar os poderes e os recantos indevassáveis do texto parece explícita quando o poeta Leminski afirma em O resto imortal: “Eu precisava de um texto pensante. Um texto que tivesse memória, produzisse imagens, raciocinasse”. (...) “Não sei mais se esse texto virá. / Ou se já veio. /Tudo o que quero é que, se vier, se lembre de mim tanto quanto eu soube desejá-lo”.

Apesar de tudo que tem sido afirmado sobre a utilidade e a inutilidade da poesia, ela atravessa o tempo, senhora dele, e cumpre uma função em cada período da evolução humana, em cada mudança social, desde períodos imemoriais, ainda em forma de cantigas. E, em sendo mimesis, a poesia preexiste à própria história e nasce com o sujeito, mesmo que disto muitos indivíduos nessa forma de linguagem não se expressem ou dela não se dêem conta.

"A primeira distinção estabelecida por Aristóteles entre os gêneros é referente a ação que cada um dos gêneros opera. A Poesia é imitação, mimese, e a História é narração, diegese. A segunda distinção presente na Poética é a de unidade de ação, presente na Poesia e ausente na História, a qual tem de narrar não uma ação única, mas um tempo único. A terceira refere-se ao objeto próprio de cada gênero. Enquanto a história se ocupa dos acontecimentos reais, a Poesia trata das ações humanas possíveis, segundo a necessidade e a verossimilhança. Em quarto lugar está presente o domínio de cada uma das composições. Ao universal corresponde a Poesia e ao particular a História. O último nível corresponde aos fins da Poesia e da História.

O fim da Poesia é o conhecer e o prazer. A História visa conhecer o contingente e acidental". (Machado, 200, p.7)

http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/pdf/mneme03/003-p.pdf

A respeito da suposta “crise de identidade” do sujeito pós-moderno, encontra-se na análise de Hall (2006, p. 7) essa discussão da teoria social cuja essência e acordo é de que “as velhas identidades estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até que visto com um sujeito unificado”. Tal pensamento remete de imediato à figura do poeta português, Fernando Pessoa, distribuído pelos seus vários heterônimos _ um ser multifacetado. De qualquer forma merece ser lembrada a personalidade imperiosa e plural do ser poeta. Cabe perguntar junto com Hall, colocar outras questões na mesma trilha: Que acontecimentos recentes nas sociedades modernas precipitariam uma crise na poesia? Que forma essa crise toma e se apresenta no objeto texto poético escrito? Quais são as consequências desse panorama de crise sobre o poeta e a poesia?

"O sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias e não resolvidas (...). Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente". (Hall, 2006, p. 13)

Williams (2000, p. 36/37/38) se ocupa, em seus estudos de sociologia da cultura, dos artistas instituídos e refere-se aos poetas e à posição que eles ocupavam dentro da sociedade. Por exemplo, afirma que, em diversas sociedades relativamente antigas, “(...) muitas vezes um poeta _ era oficialmente reconhecido como parte da própria organização social central”, e que, “nas sociedades celtas tradicionais, atribuía-se ao bardo uma posição de honra na organização oficial do “reino” ou da “tribo”. Essa posição foi se alterando ao longo dos séculos e houve um momento em que “os bardos constituíram uma ordem situada imediatamente abaixo dos sacerdotes e dos videntes”, formando uma classe especificamente prestigiada. O bardo era, então, o porta-voz da sociedade e era seu dever “trabalhar pela glória passada e presente da classe dominante”.

"Na literatura galesa, durante o século V, o status social dos bardos era codificado em graus: o poeta chefe, o poeta de batalha, o menestrel; com marcadas diferenças de temas e, sob alguns aspectos, de público, e com regras internas relativamente rigorosas a respeito do próprio ofício. (...) As relações sociais mudaram novamente e a organização literária tornou-se simultaneamente mais especializada e socialmente mais desvinculada".

Mais adiante em suas considerações, Williams (2000, p. 190) aborda o que intitulou de artes minoritárias e, aí, já se encontra a concepção sobre a prática da poesia ou da escultura

“a uma distância suficiente da organização social geral, e em especial das áreas de suas preocupações centrais, para permitir autonomias relativas inteiramente práticas e, até mesmo, neste nível, autonomias aparentemente absolutas”.

Bakhtin dedicou-se mais ao exame dos textos em prosa, mas também se prontificou a definir a poesia e sua posição sobre este gênero é devastadora. Uma análise desse posicionamento bakhtiniano é feita por Tezza (2010) Entre as considerações do estudioso Tezza sobre o que pensava da poesia Bakhtin, ressalte-se a contundência quando questiona:

"Quem pode ser contra a poesia? Talvez nenhuma outra palavra concentre sobre si tão intensa qualidade positiva, no imaginário de milhões de pessoas, independentemente de sua classe social, de sua condição econômica e mesmo cultural: a idéia de poesia reserva como que o espaço de transcendência do homem, por mais disparatadas, diferentes, erráticas ou incertas sejam as realizações poéticas que se façam (e se fazem de fato aos milhões, todos os dias, pelo mundo afora)".

"Mas em que base Bakhtin decide que a prosa teria uma natureza dialógica, portanto “boa”, e a poesia uma natureza monológica, e portanto “má”? (Ficando, é claro, o “bom” e o “mau” por nossa conta.) Em que sentido o discurso poético, segundo Bakhtin, seria mais “autoritário” que o discurso prosaico? Ou, vendo de outro modo, um pouco mais suave, em que sentido o discurso poético tem mais autoridade que o discurso prosaico? Talvez essa seja a palavra que deva reter nossa atenção: autoridade, não no sentido de autoria, mas no sentido hierárquico mesmo, como define prosaicamente o dicionário Houaiss: “superioridade derivada de um status que faz com que alguém ou algo tenha esse direito ou poder”.

http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/pdf/mneme03/003-p.pdf

Afinal, de onde provém a autoridade poética? Quem dá ao poeta o direito de ele cantar a sua poesia? De onde ele extrai a legitimidade de sua autoridade?

Diante deste amplo questionamento imposto por Tezza, nasce um conflito, um impasse. A condição de poeta, da autora do presente artigo, a compromete ou a chancela no sentido de dizer que, uma espécie de angústia perene, presente na mente de inúmeros poetas e em suas obras, é justamente esta, a de querer saber o que é, de onde vem e para onde vai a poesia. Inclusive, para que ela serviria, especialmente na sociedade atual, marcada pela tecnologia e automação; pela praticidade e pela velocidade. Entretanto, cumpre dizer, que do mais elitizado e erudito ao mais simples dos poetas populares, como os cordelistas, todos têm alguma noção do seu papel na sociedade.

Entregue-se, pois, a palavra ao poeta brasileiro Ferreira Gullar em: A POESIA

"Onde está a poesia?/ Indaga-se/por toda parte. /E a poesia vai à esquina comprar jornal./ Cientistas esquartejam Puchkin e Baudelaire./Exegetas desmontam a máquina da linguagem./A poesia ri". (...)

E a T. S. Eliot, poeta e dramaturgo nascido nos Estados Unidos e radicado na Inglaterra, que, sobre a função social da poesia, assim se pronunciou:

"É sempre possível, naturalmente, que a poesia possa desempenhar no futuro um papel distinto daquele desempenhado no passado: mas, ainda assim, vale a pena decidir primeiro qual a função por ela exercida no passado, seja numa ou noutra época, seja nesse ou naquele idioma, e de um ponto de vista universal. Poderia escrever facilmente sobre o que eu próprio faço com a poesia, ou o que gostaria de fazer, e então tentar persuadir alguém de que isso é exatamente o que todos os bons poetas têm tentado fazer, ou devem ter feito, no passado - só que não o lograram de todo, embora talvez não por sua culpa. Mas me parece provável que se a poesia - e refiro-me a toda grande poesia - não exerceu nenhuma função social no passado, não é provável que venha a fazê-lo no futuro".

Ou, ainda ao próprio Leminski, ao referir-se ao eu poético em: LÁPIDE 1 epitáfio para o corpo /Aqui jaz um grande poeta./Nada deixou escrito./Este silêncio, acredito/são suas obras completas. //LÁPIDE 2 epitáfio para a alma /aqui jaz um artista/mestre em disfarces/viver/com a intensidade da arte/levou-o ao infarte /deus tenha pena /dos seus disfarces.

Nota-se, e não se trata de uma tentativa de interpretação ou de superinterpretação, mas a antevisão da angústia típica da alma de poetas em querer saber do que valem a poesia, o poeta e a realidade em que vive o poeta manifestado em tantos eus _ todos talvez fingidos para esconder a fealdade da vida cotidiana ou ou em busca da figura controvertida do clown.

A modernidade da poesia é marcada pela transgressão e convencionou-se rotular poetas deste momento em poetas marginais, mesmo que cultivem também os temas e as formas fixas da poesia clássica. Paulo Leminski é tido e havido como um desses poetas à frente de seu tempo, e a obra poética leminskiana contém claramente a marca da transgressividade, da inovação em todos os sentidos, tema, forma, conteúdo, uso da linguagem.

Para Pennycook (2008, p. 67), a Linguística Aplicada Transgressiva é “uma abordagem mutável e dinâmica para as questões da linguagem em contextos múltiplos, em vez de como um método, uma série de técnicas, ou um corpo fixo de conhecimento”.

Importante é evidenciar a noção de transgressão para Pennycook:

"Primeiro uso o termo transgressivo para me referir à necessidade crucial de ter instrumentos políticos e epistemológicos que permitam transgredir os limites de pensamento e da política tradicionais. Todo projeto crítico precisa tanto de uma agenda política crítica como de disponibilidade para questionar os conceitos com que se lida, ou seja, precisamos de Fanon e de Foucault. Utilizo a noção de teoria transgressiva para marcar a intenção de transgredir, tanto política como teoricamente, os limites do pensamento e ação tradicionais". Pennycook (2008, p. 74)

Ora, isto aplicado ao projeto da Semana de Arte Moderna, acontecida no Brasil, mais precisamente no Teatro Municipal, em São Paulo, no período de 11 a 18 de fevereiro de 1922, parece caber tal uma luva.

Vem a calhar, inclusive, a respeito da famosa Semana e também de Leminski e sua obra, o depoimento de Silvestrin à Zunái, Revista de Poesia e Debates, respondendo à questão: As conquistas da Semana de Arte Moderna já estão superadas?

"Uma vez fui convidado pela TVE aqui em Porto Alegre para entrevistar o Décio Pignatari. Relatei a ele uma das cartas do poeta Paulo Leminski a Régis Bonvincino. Nessa carta, Leminski fala de um episódio que denominou como uma transmissão da lâmpada. A expressão remete a quando um mestre diz algo para os discípulos que funciona como um insight, cai a ficha, ao mesmo tempo em que se cria um novo desafio. Aconteceu quando Paulo e outros jovens poetas estavam reunidos com Pignatari, que lhes disse algo como "o concretismo tem que acabar; e só quem poderia fazer isso eram eles". Leminski ficou um tempo pensando em como poderia fazer tal empreitada e concluiu algumas coisas. A primeira é que ele era mais concretista que os concretos, pois já nasceu concretista, começou a escrever já sendo, enquanto os "patriarcas" do movimento tiveram que chegar até essa forma. A segunda é que ele era várias outras coisas que os concretistas não eram, sobretudo, no que toca aos trotskismos e à contracultura. Então, quando Leminski deixou que essa duas linhas políticas e comportamentais de sua geração entrassem na sua poesia, fez um poema que superava, que não era mais poesia concreta, embora nascida nela, como consciência de linguagem e invenção com a palavra. Perguntei na entrevista ao Décio no que ele pensava quando disse aquilo para os jovens poetas. Ele queria dizer que estavam, a academia, as universidades, na época, tentando catalogar, "matar", encontrar as leis, as características da poesia concreta e transformá-la num ismo, o concretismo. Na sua visão, nem ele nem os outros colegas de movimento queriam isso. Nunca fizeram um concretismo e sim a poesia concreta. E acrescentou: e o que é a poesia concreta? É uma pergunta: o que é a poesia? E é essa pergunta que devemos fazer a cada vez que escrevermos um poema. E a cada vez devemos dar uma resposta diferente. Há um vício escolar de querer encontrar nos autores e nas escolas literárias leis. Mas se olharmos os grandes poetas da primeira fase do modernismo brasileiro, todos são muito diferentes". (Silvestrin, 2010, p.1)

http://www.revistazunai.com/depoimentos_debates/conquistas_arte_moderna_superadas.htm

O linguista aplicado é um pesquisador e precisa de um considerável embasamento em Linguística e outros conhecimentos, além de que, com o linguista geral deve trabalhar _ o que evitaria constrangimentos, ampliaria o conhecimento e os colocaria em pé de igualdade.

"Deve ficar explícito, então o pressuposto de que nem todo professor de linguística é linguista aplicado, preocupado em teorizar sobre questões de ensino e aprendizagem de linguagem. Do mesmo modo, nem todo engenheiro é engenheiro pesquisador e nem todo médico é médico pesquisador". (Almeida Filho, 2007, p. 27)

Ainda é prudente lembrar com Almeida Filho que se dê preferência para a LA à

“pesquisa direta sobre o fato de uso de linguagem na situação problema complexa em que se manifestou a necessidade de investigação sistemática”.

E mais, que a investigação em pauta tanto poderá ser do tipo quantitativa, quanto experimental ou mentalista,

“de acordo com o clima intelectual da época”. Desde, sim, que não seja falseada a organicidade complexa do problema no seu contexto de ocorrência. Por isso se reveste de especial importância para a LA a pesquisa direta dos fenômenos em ação, ao invés de somente ex-post-facto, quando já ocorreu a ação eo dado registrado é tudo o que há em termo de corpus". (Almeida Filho, 2007, p. 29)

A proposta da LA é a da interdisciplinaridade, da construção de um conhecimento coletivo, aberto e, como o afirma Leffa (2001), não é pelo fato de alguém se dedicar à diversidade que perde a sua condição de especialista, pois

"Nossa especialidade é justamente essa diversidade que é o estudo da língua não como uma entidade abstrata na cabeça do indivíduo, mas como um instrumento de uso para a comunicação entre as pessoas em diferentes contextos. A diversidade é nossa especialização. Está aí, a meu ver, a essência da pesquisa em nossa área".

http://www.leffa.pro.br/textos/trabalhos/la_sociedade.pdf

Entre a intenção da obra e a intenção do leitor, e retomando o fio que conduz a Eco, este esclarece um ponto estratégico, o de que a intenção de um texto não é revelada na superfície textual e que o leitor apenas conjectura. Entre o autor e o texto perpassa toda uma cultura e não existe um leitor que possa atender ao conhecimento global e total de um texto. Superinterpretando textos, Humberto Eco diz do exame que fez em sua obra, Interpretação e história, a respeito de um método de interpretar

" (...) o mundo e os textos baseado na individuação das relações de simpatia que ligam microcosmo e macrocosmo um ao outro. Tanto um metafísico como um físico da simpatia universal devem basear-se numa semiótica (explícita ou implícita) de similaridade. (Eco, 2005, p.53)

Quem era Leminski, onde, quando e como viveu? Qual o perfil da obra leminskiana? Quem é o leitor deste poeta? São as primeiras questões que afloram.

Principalmente poeta, na expressão mais ampla da palavra, boêmio, professor de judô, músico, compositor, inquieto representante da vanguarda brasileira (anos 70) Nascido em Curitiba, no ano de 1944, filho de pai polonês e mãe negra, falecido em 1989 e biografado por Toninho Martins Vaz, em PAULO LEMINSKI, O Bandido que Sabia Latim.

“Rimbaud curitibano com físico de judoca, escandindo versos homéricos, como se fosse um discípulo zen de Bashô”, escreveu Haroldo de Campos apresentando seu discípulo". (Vaz, 2001, p.4)

(...)

"O Leminski era uma pessoa nada convencional, cheia de vitalidade, um agitador no mais alto significado do termo. Não engolia um papo médio, queria o melhor, nada de “sopa rala”. Ele sempre me pareceu uma cunha, um divisor de águas na poesia brasileira, reunindo o marginal e o erudito como ninguém". (Vaz, 2001, p. 218/219)

A Leminski foi atribuída uma escrita de

"(...) grande descompressão formal para os rigores concretistas e abre diversos caminhos que ainda hoje, mais de uma década depois de sua morte, são explorados e revisitados por poetas e críticos. (...) Como os poetas concretos, valoriza a visualidade do poema e toma a linguagem como personagem principal de sua poética; diferente deles, Leminski ironiza a erudição e aproxima-se da experiência cotidiana, o que lhe garante uma dicção mais coloquial e cheia de humor".

http://pt.shvoong.com/books/biography/1660741-paulo-leminski/

É levando em conta as considerações aqui tangenciadas sobre interpretação e superinterpretação, teoria literária, cultura e linguística aplicada que se lança um olhar sobre a poesia de Leminski e sua fisionomia de pós-modernidade. Foram selecionados 3 poemas : Razão de ser e mais outros dois que não dispõem de título.

Leminski fez o que bem desejou com os versos que produziu. Livre e de uma irreverência sutil que chega a comover, em Razão de ser a sua verve irônica é dirigida aos que sempre querem saber dos motivos pelos quais alguém se dedica à produção textual, mormente os poetas. A sua ansiedade em escrever o entontece e basta o simples motivo de um amanhecer, tão comum e muitas vezes despercebido por aqueles que vivem a velocidade do cotidiano e sequer notam a poesia que baila na paisagem do raiar do dia. O poeta perde a paciência e constata que não precisa de um motivo a alegar para justificar o fato de escrever. Assim como se dissesse que um poeta não é necessariamente obrigado a apresentar a razão de ser de seus poemas. Assim como se dissesse que um poeta não é necessariamente obrigado a dizer a razão de ser de seus poemas.

No poema (Razão de ser), Leminski utiliza a pontuação e inicia os versos com as maiúsculas conforme prescreve o figurino gramatical, coisa de que abdicou em outras de suas composições, inclusive em duas expostas neste texto. Ainda em Razão de ser é possível ver e sentir a personalidade boêmia de Leminski, pois do visual que se sobrepõe nos versos 5 e 6 emana a impressão de que o poeta varou a madrugada acompanhado da música de da poesia. Até ficar tonto. Porventura tonto das “biritas” que acompanharam as músicas tocadas em algum violão, ao lado de amigos na calçada de algum bar. A figura de linguagem e o estilo leminskiano lançam estrelas “lá no céu” e têm a grandiosidade de um quadro de extrema e viva beleza. A cena cintila aos olhos do leitor. A metáfora do poeta adormecido pelo poema concretizado é a própria justificativa da existência deste poema e de seu autor _ um poeta ébrio de poesia.

Este poeta boêmio, ébrio e vanguardista aviva o seu sonho de ser um poèt maudit, aquele que é execrado socialmente, uma espécie de mixagem a partir de figuras como as de François Villon, Baudelaire, Rimbaud.

Entretanto, e não de forma revoltada, mas até mesmo doce, Leminski se mostra ao mundo numa cena do cotidiano doméstica da classe operária, supostamente esmagadora e redutora das inspirações _ a de um momento trivial de preparar uma sopa cuja quantidade será insuficiente para um casal. Enquanto salga a sopa, o poeta vai além do sonho de ser um poeta maldito e se deseja aquele tipo que representa a luta de classes, que conclama o povo à luta social por igualdade e cidadania. Aí pula diante de nós um Leminski mistura de Llosa, de Neruda e de Saramago.

Os versos são soltos e livres como a personalidade de Leminski. Entretanto, o poeta não desprezou as rimas, também usadas na sua cadência, no seu ritmo e compasso, igualmente importantes sejam ricas ou pobres.

Paulo Leminski produziu muito e demonstrou a sua interminável sede de versos, de poemas, de poesia. Era um verdadeiro “moinho de versos/ movido a vento em noites de boemia” _ e foi nestas madrugadas leminskianas que a poesia brasileira ganhou uma paisagem poética digna de ser retratada pelos maiores mestres do Impressionismo.

Longe está o dia em que alguém consiga interpretar, superinterpretar ou atravessar a obra de Leminski em qualquer estudo. Portanto, este trabalho é apenas uma brevíssima apreciação e um tributo ao gênio de Curitiba.

1. Razão de ser

Escrevo. E pronto.

Escrevo porque preciso

preciso porque estou tonto.

Ninguém tem nada com isso.

Escrevo porque amanhece.

E as estrelas lá no céu

Lembram letras no papel,

Quando o poema me anoitece.

A aranha tece teias.

O peixe beija e morde o que vê.

Eu escrevo apenas.

Tem que ter por quê?

2.

eu queria tanto

ser um poeta maldito

a massa sofrendo

enquanto eu profundo medito

eu queria tanto

ser um poeta social

rosto queimado

pelo hálito das multidões

em vez

olha eu aqui

pondo sal

nesta sopa rala

que mal vai dar para dois

3.

moinho de versos

movido a vento

em noites de boemia

vai vir o dia

quando tudo que eu diga

seja poesia

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Leituras de importantes teorias foram feitas com a finalidade de compor este artigo sobre Literatura, Interpretação, Superinterpretação, Teoria Literária, Cultura e Linguística Aplicada e, ainda, prestar um tributo ao poeta curitibano, Paulo Leminski, através de um breve e leve voo sobre a sua poética.

Há sempre uma preocupação, por vezes exagerada, em se descobrir as intenções do autor de um texto. Trata-se de um comportamento entre o curioso e o invasivo, em certos casos e, em outros, uma necessidade de conhecedores e estudiosos da Literatura.

Parece um gosto especial do ser humano o de ser cantado em verso e prosa. Existem ainda hoje reinos cujos soberanos contratam poetas fixos para, sob encomenda, produzirem poemas de encômios à família real e aos fatos que ocorrem nos seus domínios. Trata-se de uma poesia paga e comprometida.

Seja, entretanto, qualquer o tipo de texto, há sempre quem queira desvendar-lhe o segredo, os recados, as pertinências, etc. Para tanto, críticos desenvolvem teorias e modelos na tentativa de revelar a si mesmos e ao mudo o que há por trás das palavras. Parece algo perigoso exigir de alunos mal saídos do Ensino Médio que, em provas e concursos tenham que “adivinhar” as intenções do autor de alguma obra.

Impossível, porém, será retirar das pessoas essa vontade de desejar entender a mensagem. De alguma forma, interpretar e traduzir _ ainda sendo a tradução considerada uma traição - são necessidades básicas da comunicação.

As colocações de Eco e de outros teóricos são também muito apropriadas e verdadeiras quando se colocam perante a noção de autonomia de um texto, uma entidade que tem vida e por si fala.

A Linguística Aplicada propõe um trabalho coletivo e que abarque as nuances de um texto, mesmo considerando que ele não será vencido pelo leitor e sequer pelo autor, seu criador, que perde sobre a própria obra o domínio. Trata-se de desenvolver sobre o texto uma visão mais flexível e abrangente sem, por outro lado, desprezar técnicas e métodos.

Este trabalho realizou um breve voo sobre tais noções e tentou aplicá-las de alguma maneira sobre uma mostra da poesia de Paulo Leminski. Apresentou-se a elaboração deste texto um exercício prazeroso e que permitiu esclarecer alguns pontos sobre as teorias focalizadas e, ainda, olhar com outros olhos os versos leminskianos.

Esperamos haver prestado uma contribuição de algum valor, mesmo que ainda muito tímida, especificamente sobre a vasta produção do poeta curitibano.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes. Linguística Aplicada: Ensino de línguas, comunicação. Campinas, SP: Pontes Editores e Arte Língua, 2007.

COMPAGNON, Antoine. O demônio da Teoria: Literatura e senso comum. Belo Horizonte, UFMG, 2001.

ECO, Humberto. Interpretação e Superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

EAGLETON, Terry. Teoria a literatura: Uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

ELIOT, T. S. De poesia e poetas. São Paulo: Brasiliense, 1991.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

PENNYCOOK, Alastair. Uma Linguística Aplicada transgressiva. In LEMINSKI, Paulo. Ensaios e Anseios Crípticos. Curitiba: Polo Editora do Paraná, 1986.

LOPES, Luiz Paulo da Moita. (org.) Por uma Linguística Aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

FONTES ELETRÔNICAS

http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/pdf/mneme03/003-p.pdf

http://www.ufrgs.br/proin/versao_2/funcao/index.html

http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/pdf/mneme03/003-p.pdf

http://www.revistazunai.com/depoimentos_debates/conquistas_arte_moderna_superadas.htm

http://www.leffa.pro.br/textos/trabalhos/la_sociedade.pdf

http://pt.shvoong.com/books/biography/1660741-paulo-leminski/

• TODOS OS ACESSOS FORAM REALIZADOS EM ABRIL DE 2011

taniameneses
Enviado por taniameneses em 28/04/2011
Reeditado em 13/04/2013
Código do texto: T2935394
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