RELIGIÃO E RELIGIOSIDADE

A história me revela modos de condução distintos da mesma idéia ou até mesmo uma interpretação, uma vírgula fora do lugar podendo revolucionar essa idéia. Jean-Baptiste Roustaing, por exemplo, sem pretensão alguma, se tornou um opositor natural de Kardec, pelo simples motivo de que embora condescendesse com a fundamentação da doutrina espírita, colocava através de novos estudos, seus pensamentos e inquisições, de forma contundente no meio doutrinário. Roustaing via um sentido peculiar nos mesmos escritos e pesquisas realizadas a exaustão naquele momento. Aprofundando-se na matéria contou com a ajuda valiosa de médiuns respeitados e ousou em divulgar conceitos que para a época das revelações contidas no “Livro dos Espíritos”, de Kardec, talvez não fossem bem aceitas ou compreendidas, e que da mesma forma, quando publicadas em sua obra “Os Quatro Evangelhos”, psicografada pela médium belga Émilie Collignon, não obteve unanimidade no meio espiritualista. Fato que o levou a condição de “persona non grata” para os mais conservadores, que ignoraram solenemente as questões evolutivas das informações as quais eles mesmos já se sentiram vitimados há tempos atrás e que ainda traz imprecisões até hoje. Sua principal afirmação, que gerou muita controvérsia, aludia a Jesus, que por ser um espírito plenamente evoluído, não precisaria passar pelas agruras do sofrimento para exemplificar seus ensinamentos e como sua composição física constituía-se de uma matéria fluídica de densidade superior (docetismo) e demasiadamente pura, teria muita dificuldade em reassumir a forma grosseira dos corpos que habitam a crosta, portanto, não necessitaria que a dor física fosse um requisito preponderante as suas aspirações, podendo conviver e orientar seus irmãos na qualidade humana, sem necessariamente perder sua condição de espírito superior.

Essa e outras colocações de Roustaing, bastante incisivas, abriram frentes de discussões que perduram até hoje, dando margem a inúmeros questionamentos. O caso de se imaginar que Jesus não exatamente passou por toda aquela consternação física, fez com que muitos pusessem, levianamente, em cheque seus ensinamentos, já que em suas opiniões, o “teatro” armado desqualificava sua posição de verdade e aquela “farsa” o colocava como um impostor, pois embora ele só nos tenha legado boas atitudes, não sofrera naquele momento na carne o que pregava. Seu sofrimento parecia mais admirável do que propriamente seus exemplos. É como se perguntássemos: - Como o médico pode curar um câncer se ele nem morreu disso?

Mais adiante, as dúvidas se multiplicaram em todos os sentidos. Não se colocava, dentre os espiritualistas, questionamentos a idéia reencarnatória ou coisa que o valha, mas sim a forma como o fenômeno se dava. A reencarnação não era contestada, principalmente porque outras doutrinas e segmentos religiosos mesmo não admitindo, de alguma forma faziam alusão a ela, até quando contestam, acabam ratificando sua existência dado a seus argumentos frágeis e inconsistentes. Como se pode entender que determinado segmento religioso admita a existência do espírito como parte integrante do corpo, sem aceitar o fato de que ele, por ser constituído de outra densidade, possa sobreviver a ele e buscar aperfeiçoamento em outra experiência? Já que só conseguem chegar até o ponto do desencarne, aonde segundo seus dogmas, os espíritos, permanecem “retidos” por tempo indeterminado esperando o dia do juízo. Desculpem-me, o cinismo da minha interpelação, mas, já que os espíritos crescem em quantidade, avolumam-se na crosta, possuem um tempo de vida curto e limitado entre os vivos, não faz sentido permanecerem milênios estacionados à espera de um milagre? Sem contar que quanto “julgados”, ainda podem ser condenados ao inferno eterno. Daí há a exposição de outra fragilidade. Deus é amor, compreensão e principalmente perdão, independente de sua justiça, não pode haver crime tão grande que não haja remissão, nem nas leis de Deus nem nas leis dos homens, e que se possa manter castigado para todo o sempre. O inferno eterno é demais. Será que se tem noção de quanto tempo é o eterno? Não teremos tantos dentes para ranger. Admite-se a perenidade do espírito mais não se acolhe sua possibilidade de redenção, deixando transparecer a crueldade explicita desse “Deus” tão cultuado.

A exposição desta opinião é mera divagação, afinal ela hoje é relativa a minha condição evolutiva e amanhã poderei revê-la, quem sabe. Falo tanto em dogma e aqui estou eu tentando me justificar por arriscar direcionar opiniões. Não foi essa a intenção.

Anderson Du Valle
Enviado por Anderson Du Valle em 27/04/2011
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