Personagens Femininas do Livro Vestígios dela e outras histórias, de Saul Melo
Nunca ouvira falar de Saul Melo até receber de presente de um amigo o livro Vestígios dela e outras histórias. Como gosto de contos, li rapidamente a obra, que descobri ser a sua primeira (que venham mais!). Cada conto me impulsionava a uma reflexão prolongada sobre a realidade que me cerca. Às vezes acredito que “nada acontece por acaso”, como dizem, porque recebi de presente um livro (o que me agrada muito) cujo autor me surpreendeu com os seus contos em muitos aspectos: a descrição de locais (impossível não desenhá-los na imaginação, não se integrar neles), o dinamismo, a linguagem, os finais inusitados, as metáforas, as narrações sem pontuação (como quem fala de atropelo, movido pela emoção, sem pensar), em alguns deles, a maneira de narrar em diálogos com o leitor; mas principalmente suas personagens, delineadas com clareza, psicologicamente bem montadas, e dentre elas as mulheres, porque a impressão que me ficou é que elas têm vida própria, independente do narrador, são notáveis, fortes, umas delas amores platônicos (ou nem tanto) de adolescentes, que permaneceram na imaginação de homens feitos:
Logrou a minha simpatia a quieta Daguimar, que, trocada por outra, depois de ajudar o marido a recuperar a alegria de viver, toda depositada em seu sorriso perdido numa briga, expulsa de casa, levou consigo a felicidade que devolvera ao homem com quem vivia;
Pensei em quantas Maras existem soltas pelo mundo. Com um filho adolescente, apaixonado por ela (menino que não superou o complexo de Édipo. Freud explica?) fez de tudo para se tornar feia: engordou, começou a vestir-se mal, deixar de se pintar, de se arrumar, mas mesmo assim ele não se desinteressou por ela (“-Agora estás bem como eu gosto, mãe...”). Imaginei o espanto da mãe...
Amanda, corajosa ao romper um relacionamento que se arrastava e não mais a satisfazia;
Leonor, diante da qual ele (sem nome) ficava petrificado, enquanto sua imaginação adolescente percorria o corpo da jovem (ela menos inocente que ele);
Alice, do conto “Lembranças cruzadas”, narrado em 2ª pessoa (fugindo das características da narração), que prestou um concurso em Brasília, levada pelo tédio, e assumiu o seu cargo, aliviada por não ter mais que fingir uma felicidade que já não sentia com o marido;
Fiquei com pena de Maria, vendida por quem deveria protegê-la e, quando encontrou o amor, impedida de ser feliz por homens preconceituosos, incapazes de respeitar os sentimentos;
Ah! e Eurídice, fascinante, “olhos enormes, longos cabelos soltos,” amor platônico vivido com intensidade e sofrimento pelo puro menino de fazenda, cujo coração batia descompassadamente enquanto a contemplava maravilhado. Foi a primeira perda amorosa, o que o levou a chorar e lembrar-se dela cada vez que um amor morria;
Cativou-me Anita na sua mudez, na sua dor, ensimesmada, depredada como a paisagem que a cercava: o rio barrento, as margens sujas, o banco podre, onde sentava todos os dias ao anoitecer, até que o marido a levava para casa.
Todas elas deixaram na alma dos homens que passaram por suas vidas, indeléveis vestígios.
Imagem: Google
Respeite os direitos autorais.
Nunca ouvira falar de Saul Melo até receber de presente de um amigo o livro Vestígios dela e outras histórias. Como gosto de contos, li rapidamente a obra, que descobri ser a sua primeira (que venham mais!). Cada conto me impulsionava a uma reflexão prolongada sobre a realidade que me cerca. Às vezes acredito que “nada acontece por acaso”, como dizem, porque recebi de presente um livro (o que me agrada muito) cujo autor me surpreendeu com os seus contos em muitos aspectos: a descrição de locais (impossível não desenhá-los na imaginação, não se integrar neles), o dinamismo, a linguagem, os finais inusitados, as metáforas, as narrações sem pontuação (como quem fala de atropelo, movido pela emoção, sem pensar), em alguns deles, a maneira de narrar em diálogos com o leitor; mas principalmente suas personagens, delineadas com clareza, psicologicamente bem montadas, e dentre elas as mulheres, porque a impressão que me ficou é que elas têm vida própria, independente do narrador, são notáveis, fortes, umas delas amores platônicos (ou nem tanto) de adolescentes, que permaneceram na imaginação de homens feitos:
Logrou a minha simpatia a quieta Daguimar, que, trocada por outra, depois de ajudar o marido a recuperar a alegria de viver, toda depositada em seu sorriso perdido numa briga, expulsa de casa, levou consigo a felicidade que devolvera ao homem com quem vivia;
Pensei em quantas Maras existem soltas pelo mundo. Com um filho adolescente, apaixonado por ela (menino que não superou o complexo de Édipo. Freud explica?) fez de tudo para se tornar feia: engordou, começou a vestir-se mal, deixar de se pintar, de se arrumar, mas mesmo assim ele não se desinteressou por ela (“-Agora estás bem como eu gosto, mãe...”). Imaginei o espanto da mãe...
Amanda, corajosa ao romper um relacionamento que se arrastava e não mais a satisfazia;
Leonor, diante da qual ele (sem nome) ficava petrificado, enquanto sua imaginação adolescente percorria o corpo da jovem (ela menos inocente que ele);
Alice, do conto “Lembranças cruzadas”, narrado em 2ª pessoa (fugindo das características da narração), que prestou um concurso em Brasília, levada pelo tédio, e assumiu o seu cargo, aliviada por não ter mais que fingir uma felicidade que já não sentia com o marido;
Fiquei com pena de Maria, vendida por quem deveria protegê-la e, quando encontrou o amor, impedida de ser feliz por homens preconceituosos, incapazes de respeitar os sentimentos;
Ah! e Eurídice, fascinante, “olhos enormes, longos cabelos soltos,” amor platônico vivido com intensidade e sofrimento pelo puro menino de fazenda, cujo coração batia descompassadamente enquanto a contemplava maravilhado. Foi a primeira perda amorosa, o que o levou a chorar e lembrar-se dela cada vez que um amor morria;
Cativou-me Anita na sua mudez, na sua dor, ensimesmada, depredada como a paisagem que a cercava: o rio barrento, as margens sujas, o banco podre, onde sentava todos os dias ao anoitecer, até que o marido a levava para casa.
Todas elas deixaram na alma dos homens que passaram por suas vidas, indeléveis vestígios.
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