CANTIGAS DE AMOR SOB A ÓPTICA ESTILÍSTICA

CANTIGAS DE AMOR SOB A ÓPTICA ESTILÍSTICA

Leandro Freitas Menezes

Resumo: A estilística estuda o conjunto de particularidades manifestadas na linguagem que constituem o estilo do autor. As cantigas de amor apresentam em seu conteúdo o sofrimento de um trovador ao se empenhar na conquista da senhora. Esse sofrimento, ”coita”, constitui uma linguagem própria dos trovadores e uma convenção literária que se reflete na estrutura do poema, tornando-o estilisticamente como se apresenta: pouco extenso, com excessos de paralelismos e com estrofe.

Palavra chave: Lírica trovadoresca; Cantigas de amor, Estilística trovadoresca.

Abstract: The stylistics studies the set of peculiarities shown in the language that constitute the style of the author. The ballads of love present in his content the suffering of a troubadour to if it pawns in the conquest of the lady. This suffering, "coita", constitutes an own language of the troubadours and a literary convention what one reflects in the structure of the poem making it stylistically like shows up: not much extensive, with excesses of parallelisms and with verse.

Key-worlds: Lyrics trovadoresca; Ballads of love; Stylistics trovadoresca

Introdução

Este trabalho tem o objetivo de especificar os aspectos estilísticos nas cantigas de amor. Uma vez que o campo de análise é muito vasto, vê-se a necessidade de uma especificação do assunto. No caso, pretende-se mostrar o valor expressivo dos verbos no poema “Hum tal home sey eu, ay bem talhada” de Dom Dinis (1978, p. 242).

1. O amor cortês

Nas províncias surgiu um tipo de poesia ou de composições que retrava o estilo de vida de sua população o qual se chamou fin amors e que posteriormente passaria a ser chamado de amor cortês. Tais características desse estilo de vida provençal influenciaram profundamente as cortes palacianas nas penínsulas.

O amor cortês surgiu em um momento de grandes transformações sociais nas cortes da Península Ibérica. Essas transformações puderam ser percebidas, por exemplo, quando se observa a cavalaria medieval, homens possuidores de um código de ética, tais como: a cortesia, a lealdade, defensores dos fracos e oprimidos, defensores do cristianismo e do respeito à honra das mulheres; estavam mais presentes na corte etc. Além desse detalhe que sugerem modificações pode-se apontar ainda: a vida social tornou-se mais intensa principalmente para as mulheres, que passaram aos poucos a ter uma vida mais particular e mais pessoal; as festas nos palácios era o momento de diversão dos cortesãos; os filhos dos vassalos eram levados para as cortes a fim de serem educados segundo o costume para melhorar a convivência social, e tudo isso propiciou o surgimento de uma vida cultural diversificada – a música, a escultura, a arquitetura, a pintura e finalmente a cortesia (o amor cortês), (SPINA 1956, p. 14 – 15).

O “amor cortês” se tornou uma das características fundamentais da lírica trovadoresca. Era uma religião, um verdadeiro culto à mulher e envolvia um ritual (SPINA, 1956, p.363). Para explicar melhor o que significava o “amor cortês”, dentro da sociedade medieval, Spina o descreve como uma relação de suserania e vassalagem: “Portanto, o ‘serviço amoroso’, a vassalagem amorosa na poesia do trovador meridional, é um empréstimo da homenagem feudal...” (SPINA, 1956, p. 17). Assim, pode-se notar que os amantes comportam-se diante do amor como um vassalo diante do seu suserano. Era um amor completamente submisso, que realizava caprichos e que fazia sacrifícios ( SPINA, 1956, p. 363). Essa vassalagem amorosa atribuía ao trovador um conjunto de valores tais como: a gentileza; a discrição no jogo da conquista: uma das qualidades essenciais exigidas devido à condição da mulher, por causa da vigilância do marido; a paciência: o trovador devia aguardar o mover do coração da senhora em seu favor; a fidelidade, a esperança e a honra (SPINA, 1996, p 364). Havia também quatro passos a que o trovador devia obedecer para alcançar a recompensa amorosa: no primeiro momento quando, ele era o aspirante nutria a admiração sem que ela soubesse; no segundo momento, ele suplicava por seu favor; depois dessa fase, ele se torna o namorado ou amigo e, em último, o amante (SPINA, 1996, p. 363).

A recusa da senhora pode ser considerada o fator que determinará o sofrimento do poeta. O fato de o poeta não ser correspondido satisfatoriamente implica em uma poesia breve e subjetiva. O sofrimento amoroso e o tédio são uma constante e se traduzem-se em uma palavra, “a coita”. Isso é algo que obedece a uma convenção literária e reflete-se na estrutura do poema; constantemente, ao longo das cantigas, veem-se os paralelismos, que se completam e soam como apelos insistentes diante do sofrimento amoroso. “Para exprimir esta devoradora monotonia do nosso sentimentalismo os trovadores tinham já na cantiga tradicional dois elementos que habilmente utilizaram: o paralelismo e o refrão (...)” (LAPA, 1981, p. 141). Assim, com essas características contextuais citadas, pode-se entender desde já que o “amor cortês” de código de ética passou a ser convenção literária. Sobre a reprodução do contexto trovadoresco na cantiga de amor Sigismundo Spina citou:

O amor concebido nestes termos determina infalivelmente um quadro de situações convencionais, de temas que se repetem, de motivos, de tópicos que se reproduzem, e somente as qualidades individuais dos grandes trovadores puderam enriquecer e variar essa topologia literária (SPINA, 1956, p. 364).

E, finalmente, tudo isso está expresso através de palavras bem escolhidas que refletem o pensamento do trovador, que serão analisadas estilisticamente em especial nos verbos dispostos no poema.

2. O que vem a ser estilística

A estilística é uma parte dos estudos da linguagem que se preocupa com o estilo. Estilo, por sua vez, é o conjunto processos que fazem da língua representativa um meio de exteriorização psíquica. Por vezes, ao produzir um texto, faz-se necessário o uso de certos artifícios da língua para realçar ou conceder um cunho afetivo àquilo que se quer dizer. Numa concepção estilística pode-se entender isso como uma forma de exprimir pensamentos. No livro Teoria da Literatura, de Vitor Manuel de Aguiar e Silva (1979, p. 597-598) cita Bally, discípulo de Saussure, para considerar que é a linguagem a parte intelectiva dos meios de expressão com a qual o homem se comunica e expressa seus pensamentos, porém, segundo ele as exterioridade do mundo obrigam-no a manifestar juntamente com as ideias as emoções. Outro meio de entender esse conceito está na afirmação de Pierre Guiraud:

[...] a língua é composta de formas (tempos de verbos, plurais e singulares), estruturas sintáticas (elipse, ordem das palavras), de palavras que são outros tantos meios de expressão). Por meio da expressão, o pensamento atualiza-se nas formas, insere-se na substância gramatical, como a vida no corpo (GUIRAUD, 1970, p. 70).

Nessa citação, Guiraud fala da atividade daquele que usa as formas linguísticas para se expressar. Segundo se pode observar, quando o individuo faz o uso da língua, as formas deixam de ser fixas, pois passam a incorporar outros sentidos motivados pelo pensamento daquele que a emprega.

4. A estilística na Língua Portuguesa segundo M. Rodrigues Lapa

Sobre os traços estilísticos na Língua Portuguesa, M. Rodrigues Lapa compôs uma obra intitulada Estilística da Língua Portuguesa, em que procurou estudar minuciosamente as particularidades do estilo na linguagem. Entre essas particularidades, Lapa fala sobre o léxico e a evocação que ele pode evocar ao ser utilizado por um usuário da língua (LAPA, 1970, p.10). As palavras suscitam em nós as imagens das coisas a que se referem; mas como essas coisas podem revestir vários aspectos, cada um de nós apreende nas palavras o seu aspecto pessoal, aquilo que particularmente lhe interessa. Ele continua ainda a dizer que as palavras estabelecem uma atmosfera fantasiosa e sentimental que constitui o seu valor expressivo.

Para se ter uma idéia dos procedimentos da análise estilística, observe-se o efeito do uso de algumas categorias gramaticais. Os adjetivos na estilística podem ser tudo quanto sirva para caracterizar; jeito de entonação, palavra ou frase vale como adjetivo. Os adjetivos podem assumir um valor intelectual e afetivo, por exemplo, quando falamos “história universal” nosso sentimento não intervém no caso, todavia, se falarmos “Esse remédio tem fama universal” imediatamente introduz a idéia marcada pelo adjetivo. Deve-se isso ao contexto e, sobretudo ao substantivo que auxilia (LAPA 1970, p. 104-109).

O artigo por sua vez, é uma categoria gramatical bem discutida, porque, apesar de parecer insignificante, tem um grande valor expressivo. Por exemplo, quando o artigo aparece precedido de adjetivo ou substantivo, especifica pessoa ou objeto etc., já quando a palavra vem sem o artigo ela tende a não especificar, mas a qualificar (LAPA 1970, p. 91). Quanto aos artigos indefinidos, a capacidade estilística deles está na imprecisão que dá às representações. Serve para traduzir a indeterminação e o mistério [...] Ora a indeterminação e o mistério vão quase sempre acompanhado de movimentos da sensibilidade. É por isso que o artigo indefinido traduz muitas vezes os sobressaltos da alma, a intensidade obscura dos afetos (LAPA 1970, p. 96).

Na Língua Portuguesa existem dois tipos de verbo no imperativo: o primeiro expressa ordem e é chamado positivo, e o segundo é chamado negativo porque expressa dúvida. Lapa (1970, p. 162). Os verbos no particípio se dividem em regulares e irregulares. A diferença entre eles é que os regulares (matado) carregam em si uma idéia de processo e dinamismo daquilo que ele descreve. Ao passo que os irregulares estão condicionados a idéia de estabilidade, (LAPA 1970, p. 164, 165).

A Gramática ou o Dicionário fixa para os advérbios um sentido específico. Segundo Lapa, os advérbios de modo, especialmente os terminados pelo prefixo (mente), introduzem a noção de tempo, de modo e de qualidade, e por ter alto valor expressivo é muito empregado pelos escritores (LAPA 1970, p. 183, 185).

5. Análise de dados

Acima estão postas as principais características com as quais se procederá à análise do poema. O poema analisado será a cantiga de D. Dinis “Hum tal home sey eu, ay bem talhada”.

Hum tal home sey eu, ay bem talhada,

que por vós tem a a morte chegada;

vede q (u) em é a seed’ em nenbrada;

eu, mha dona.

Hum tal home sey eu que preto sente

de ssy morte (chegada) certamente;

vede que (m) é e venha-vos en mente;

eu, mha dona.

Hun tal home sey (eu); aquest’ oyde:

que por vós morr’ e vó-lo (en) partide,

vede que (m) é (e) non xe vos obride;

eu, mha dona. (DINIS, 1978, p. 242)

O paralelismo é um recurso bem explorado. O paralelismo sintático observa-se no início dos primeiros versos de cada estrofe com a sentença “hum tal home sey (eu)”. Nessa sentença vê-se uma figura de construção: o hipérbato, recurso muito comum nos textos antigos, usado aqui para destacar os elementos importantes. Outra expressão, no início do terceiro verso de cada estrofe, é a construção: “vede que (m) é”.

O verbo “vede” está na terceira pessoa do plural do imperativo e expressa uma ordem, portanto, positivamente. Como esse verbo não expressa dúvida, mas expressa uma ordem e inexistência, pode-se entender o desejo do poeta de ganhar a atenção da senhora.

No paralelismo rítmico, o número de sílabas nos versos o número de sílabas é fixo nas três estrofes, as fracas e as fortes produzem um ritmo uniforme; no paralelismo semântico veem-se no final de cada verso das estrofes as palavras cognatas: “seed’ en nenbrada”, “venha-vos en mente” e “non xe vos obride”. Pode-se perceber por meio dessas palavras a ação do pensamento, ou seja, as palavras do poeta apelam para que a senhora pense e reflita nele.

A primeira frase “seed’ en nenbrada” significa: “será lembrada”, uma locução em que o verbo principal, “en nembrada” é particípio regular. Segundo Lapa (1970, p. 164 - 165), esses verbos dão à ideia de atividade e de ação. É a ação do poeta em argumentar e pensar insistentemente na amada. A segunda expressão, “en mente”, significa “recorde” um verbo da terceira pessoa do singular do presente do subjuntivo. Esses verbos geralmente expressam dúvida e não é de se estranhar que a expressão duvidosa esteja presente no verso, porque a condição em que o poeta se encontra é de desconforto e de pessimismo. A terceira expressão, “non xe vos obride”, que significa “ não vos esqueçais” destaca um verbo do subjuntivo na segunda pessoa do plural e, sendo do subjuntivo, tem o mesmo sentido do verbo anterior. Também se vê a intensidade rítmica no decorrer das três estrofes com relação à ideia de morte: na primeira sentença observa-se a expressão “(...) a sa morte chegada”, vê-se outra vez a idéia de processo expressa pelo verbo. Na segunda, com o verso “de ssy morte (chegada) certamente”. Nessa construção vê-se um verbo de processo no particípio, “chegada”, e o adjunto adverbial de modo “certamente” que está intensificando a ação do verbo.

Todo sentimentalismo do poeta, o desejo de morte, o tédio se vai percebendo gradativamente na cantiga, e a causa disso é o afastamento e a não correspondência amorosa pela senhora e, finalmente, na última estrofe, aparece a evidência da morte e a causa dela. A morte, na verdade, está no sentido metafórico, porque como se pode perceber nas palavras do trovador, o afastamento da senhora era como a própria morte e não a morte no sentido literal: “Hum tal home sey (eu); aquest’ oyde / que por vós morr’ e vó-lo (en) partide”. Agora se pode entender também, na primeira e na segunda estrofe, o sentido de estar sentenciado à morte.

Após toda essa descrição podem-se imaginar esses recursos juntos, convergindo para dar sentido à cantiga, desde o ritmo que se mantém ao longo do poema, a semântica das palavras e principalmente o sentido de morte que vai se intensificando ao longo das estrofes, que revelam o lado afetivo que existe em cada palavra e que embora o sofrimento do trovador seja uma convenção literária, ele jamais teria expressado tais versos com tanta emoção sem as ter experimentado.

Considerações finais

Conclui-se, portanto, que nas cantigas de amor as regras utilizadas para compor os poemas são muito mais do que simples regras, e que elas por si só não poderiam produzir o efeito esperado, se de outro modo não tivesse nelas expresso realmente os sentimentos e as experiências do trovador. Por isso, se entende que existe um valor expressivo considerável nessas composições poéticas. A métrica, o paralelismo, o refrão e outros recursos, como as poucas estrofes e as metáforas, são usados de forma lógica, mas também de forma emotiva. E isso pode ser confirmado com as palavras de Guiraud (1970, p. 74), nos seus estudos sobre Bally, quando cita que a afetividade está presente na linguagem e a experiência sensível é imprescindível para que ela aconteça, de modo que, no momento da ação, os fatos da linguagem agem sobre a sensibilidade e vice-versa.

Referência

LAPA, M. R. Estilística da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1970.

LAPA, M. R. Lições de Literatura Portuguesa: época medieval. Caimbra: Coimbra, 1981.

SILVA, V. M. de A. e. Teoria da Literatura. Coimbra: Almedina, 1979.

GUIRAUD, P. A estilística. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

DINIS, Dom. Cantigas de amor. In. CORREA, N. (Sel.). Cantares dos trovadores galego-portugueses. Lisboa: Estampa, 1978.

SPINA, S. Apresentação da lírica trovadoresca. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1956.